Adiar o inadiável

Artigo da jornalista Miriam Leitão – Jornal O Globo – 30/04/2014

 

O governo sabe que medidas adicionais são necessárias para garantir a energia deste ano e do próximo. O próprio Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) havia estabelecido que era preciso chegar ao fim de abril com 43% de água nos reservatórios do Sudeste. E está em 38%. Acaba oficialmente hoje o período das chuvas, e a situação não está controlada.

E não está principalmente porque a política eleitoral contaminou a tomada de decisões, que tinha que ser guiada unicamente por razões técnicas. Neste exato momento, no último dia de abril de 2014, o governo do Brasil deveria estar iniciando uma campanha para a redução do consumo de energia ou anunciando medidas de corte de carga. Isso chegou a ser discutido pelas autoridades do setor elétrico em reunião no começo do mês.

Diante de nós, há agora um enorme tempo a atravessar: o período seco. Ele vai de maio a novembro. Nesses meses, pode chover, claro, mas não é mais a temporada das grandes chuvas, as que enchem os rios e acumulam água. Portanto, os reservatórios tendem a perder cada vez mais volume daqui até o final do ano.

O leilão chamado de A-0, ou seja, para entrega imediata, vai reduzir o problema das distribuidoras, mas não vai acabar com ele. Ele apenas diminui um dos motivos da alta de custo, que é a exposição involuntária ao mercado de curto prazo. Com o leilão, as empresas precisarão comprar um volume menor de energia do que compram agora ao preço de R$ 822.

Segundo empresários de distribuição, isso faz com que o prejuízo fique menor num primeiro momento, mas há o risco de que a conta fique alta demais nos anos seguintes. Serão contratos de cinco anos e oito meses, até dezembro de 2019, a valores que hoje parecem baratos, mas que terão que ser carregados por todo esse tempo. Os cálculos são de ganho imediato, mas perda no longo prazo. O preço teto é R$ 271 o MWh. O governo dirá que o leilão foi bem sucedido, qualquer que seja o resultado, mas ele vai apenas atenuar o problema de curto prazo. O que se espera é que Petrobras e Eletrobrás participem, ou seja, elas serão novamente usadas para fazer política pública.

O modelo está fazendo água em vários pontos. As termelétricas não deveriam funcionar todo o tempo. As distribuidoras não tinham que ser socorridas por dinheiro público ou pelo atalho da CCEE. As eólicas não tinham que estar desligadas do sistema por falta de linhas de transmissão. Os leilões feitos antes de começar o ano tinham que cobrir toda a necessidade de energia das distribuidoras para não haver o furo da “exposição involuntária”. A queda do preço não poderia ter sido feita de forma açodada, constrangendo as empresas a antecipar o fim dos contratos de concessão para atender ao calendário eleitoral. E, em época de escassez, o consumo não deveria ter sido incentivado.

Esses são os erros passados. O atual é adiar o inadiável. Erros governamentais e a falta de chuvas criaram uma situação em que é necessário reduzir o consumo e tentar poupar o máximo de água nos reservatórios para atravessarmos o período seco. O governo prefere manter tudo como está para ver como é que fica. A mesma atitude que nos trouxe até aqui, neste fim de abril, com um nível de água bem abaixo do ponto que seria seguro.

A incerteza já afeta os negócios, os investimentos e os planejamentos das empresas. Elas não sabem a que preço terão energia no futuro. O governo decidiu nada fazer para não criar um clima que afete o humor dos eleitores e a confiança dos empresários. Mas não conseguiu. Por mais que haja desmentidos públicos, qualquer pessoa bem informada sabe que estamos passando por uma crise no setor elétrico que só será admitida e enfrentada quando as urnas estiverem fechadas.

 

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