Aécio Neves – Entrevista – Guerra dos Portos

Local: Brasília – DF

Assuntos: Guerra dos Portos, dívida dos estados, Hillary Clinton, queda do desempenho da indústria, CPI

Na verdade, é necessário sim que este privilégio deixe de existir. Há uma competição desleal com a produção nacional. Mas o que estamos defendendo, e me parece absolutamente razoável, por isso é incompreensível a intransigência do governo federal, é uma transição. Os estados que terão perdas precisam de um período para se adaptar a uma nova realidade, onde esses incentivos não terão mais validade. Apresentamos uma proposta que chegou próxima de ser votada e aprovada que permite que essas perdas aferidas a cada ano seriam compensadas com o não pagamento do serviço da dívida naquele montante. Portanto, os estados que passarão a ter perdas, muito especialmente Espírito Santo, Santa Catarina e Goiás, estariam durante um prazo de cinco anos, prazo necessário para que se adaptassem a uma nova realidade, um prazo de transição, eles estariam liberados do pagamento do serviço da dívida no montante correspondente às perdas.

O que percebemos é uma arrogância absurda do governo no trato das questões federativas. Foi assim na questão dos royalties do petróleo, onde o governo pouco preocupado em garantir uma harmonia federativa se preocupou mais em garantir uma fatia de um bolo. Um bolo que não se sabe lá quando virá e de quanto será. Portanto, mais uma vez o governo federal vira as costas para a questão federativa e me parece que tem até um prazer que havia demonstrado em derrotar a oposição parece que se estende agora a base. Eu citei hoje uma máxima do então senador Tancredo, eu me lembrava dele durante a votação hoje na Comissão, que dizia que ele tinha muito mais prazer em fazer um bom acordo do que em derrotar um adversário. A atual presidente da República exercita esta máxima às avessas. Ela dá a impressão que tem muito mais prazer, um certo prazer mórbido, de derrotar um adversário do que fazer um bom acordo. O governo federal tinha todas as condições de possibilitar uma transição para esses estados, obviamente, impedindo que esse privilégio, principalmente para empresas comerciais, as chamadas trades, continuassem a prevalecer em detrimento do parque industrial nacional. Foi uma pena a forma como a votação foi encaminhada por mais que a resolução 72 seja meritória e defenda a produção e os empregos nacionais.

Como o senhor viu a taxa de emprego caindo, a indústria caindo. Parece que o Brasil vai ser ranqueado como a sétima economia do mundo, vai cair duas?

Na verdade, e é importante que em primeiro lugar avaliemos o ambiente em que estamos, fomos no ano de 2011, no ano passado, o país que menos cresceu em toda a América do Sul. Na América Latina, crescemos mais que a Guatemala e El Salvador. Isso não se justifica. Estamos puxando o índice de crescimento da América Latina para baixo. Porque? Porque não existe uma política de desenvolvimento. Existem medidas paliativas sempre pressionadas por determinados setores da economia. Quando falávamos ou discutíamos aqui a desoneração da folha, era uma medida correta. O incorreto é fazer isso setorialmente, apenas para os setores mais organizados, onde os lobbies são mais consistentes. Era preciso fazer isso para o conjunto de toda a economia. Portanto, infelizmente, o governo da presidente Dilma continua fazendo o mesmo que fez o governo passado. Nenhuma iniciativa estruturante, surfando nos índices de popularidade e isso pode ser, no futuro, extremamente perverso para o Brasil. As questões estruturais não estão sendo tocadas. Cada vez mais a base entra em conflito e esta questão específica que trata dos estímulos às importações é mais uma marca que permitirá, quem sabe, no futuro, que o Senado da República discuta as questões essenciais ao Brasil sem a camisa de força que lhe coloca o governo federal. O Senado continua de cócoras, continua de joelho para o Poder Executivo. Isso é péssimo para a democracia e, neste instante, tem sido perverso para a federação.

A questão da renegociação das dívidas dos estados está difícil?

Mas pelo menos há uma luz no final do túnel que temos de buscar alcançar. A proposta do governo nem de longe atende aos interesses dos estados. Quando o governo propõe a transição do atual IGP-DI, o índice de reajuste das dívidas, para a Selic, ele cria algo inusitado. Porque na verdade é o credor que estabelece unilateralmente a correção para a dívida dos estados. Isso não é correto. Estamos propondo algo que se aproxime do IPCA. Na verdade, eu próprio tenho um projeto, mas existem vários outros, de outros senadores, tramitando, um do senador Dornelles, que propõe o IPCA mais 2%. Estamos propondo o IPCA ou o IGP-DI, aquele que for menor, em razão de alguma mudança cambial que possa existir no futuro, para que, mais uma vez, não penalize os estados com mais os juros de 2%. Mas o que é essencial, o limite de comprometimento das receitas dos estados que hoje vai até 15% em determinados estados, vai de 11% a 15%, portanto, nos vários estados brasileiros, possa alcançar o máximo de 9%. Isso sim daria um alívio para que os estados possam investir em segurança, possam voltar a investir em infraestrutura, em saúde, em educação. Mas, mais uma vez, vamos ter que assistir se os senadores da base do governo são senadores dos seus estados ou se são senadores da presidente da República.

Senador, o senhor acha que a CPI sai?

No que depender da oposição, já saiu. Agora há pouco nos reunimos, todos os membros da oposição, PSDB, Democratas e PPS, no Senado e na Câmara, assinam a CPMI. E estamos aqui fazendo alguns alertas. É preciso sim que ela seja uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito para investigar, na abrangência devida, todas essas denúncias. O governo já perde uma primeira oportunidade de mostrar isenção nessa discussão, nessa apuração, ao não compartilhar com os partidos de oposição o comando da CPMI. Como acontecia tradicionalmente no Congresso Nacional. A presidência ou a relatoria deveria caber a um membro da oposição. Essa seria a primeira sinalização da base do governo de que quer efetivamente as apurações. Não faremos uma CPMI para investigar pontualmente A ou B. Queremos que ela seja absolutamente abrangente. Estamos inclusive oferecendo algumas vagas que cabem à oposição a figuras que estão ficando fora da CPMI, como é o caso do senador Randolfe, do PSOL, ou do próprio senador Jarbas Vasconcelos, que não terá vaga na cota do PMDB, para que assumam posições de suplência na cota das oposições, como uma demonstração de que não queremos cercear a investigação, não queremos limitá-la. Portanto, àqueles que propuseram a CPMI cabe agora a responsabilidade de mostrar ao País que querem fazê-la para investigar todas as relações indevidas ou criminosas que ocorreram ao longo de todo esse período, com esse agente hoje citado e preso.

O governo já mostrou interesse em tirar a Delta da investigação. Não acha que esvazia muito?

Não podemos começar uma CPMI tirando ou incluindo de forma discricionária A ou B, seja esse agente público ou privado. Temos um objeto, qual é? Investigar todas as denúncias em torno das relações ilegais do contraventor. A partir daí, não pode haver limitações. No caso da oposição, é clara a nossa linha de ação, o nosso objetivo. Até mesmo pela oferta que estamos fazendo a esses parlamentares que não são da oposição formalmente, ou não são do PSDB ou do DEM para participarem conosco. Portanto, da nossa parte, vocês acompanharão os trabalhos, vai haver a busca da investigação mais abrangente possível. E esperamos que a iniciativa do governo não seja frustrante para a sociedade brasileira e até mesmo para nós, da oposição.

Sobre este elogio à transparência e o combate à corrupção. Sobre esse elogio, é realidade, é essa mesma a postura dela?

Tenho respeito pessoal pela presidente. Mas ela, hoje, dirige um governo reativo, as demissões que ocorreram até aqui, todas elas, foram em razão das denúncias que vocês ofereceram, que a imprensa nacional ofereceu. Nenhuma delas surgiu, nenhum desses nomes foi retirado ou demitido do governo por uma ação interna do governo, por uma ação da AGU, por uma ação das auditorias internas que detectaram irregularidades. As denúncias ocorreram de fora para dentro, portanto, o governo não utilizou nenhum desses instrumentos para aprofundá-las. No momento em que se tornou insustentável a manutenção dessas figuras do governo, elas saíram do governo. Acho que, em alguns casos, não era possível mais essas figuras ficarem no governo. Mas não dá para esquecer que a mão que as tirou é a mesma mão que as colocou.

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