Aécio Neves – Entrevista – Abertura do ano legislativo

Local: Brasília – DF

Assuntos: publicação da Biblioteca Nacional, 2012, oposição, governo federal, troca de ministros, direitos humanos, PT

Biblioteca Nacional

Essa questão de troca de ministros parece que virou uma rotina dentro do governo. O governo trata isso com absoluta naturalidade, o que não deveria acontecer. Mas, na minha avaliação, o ano começa mal do ponto de vista do governo. Lamentavelmente, mais uma oportunidade perdida na recente visita da presidente da República a Cuba. Do ponto de vista da imagem do Brasil, sobretudo da história da presidente da República, a sua omissão em relação à defesa dos direitos humanos em Cuba. É uma marca que ela carregará durante seu mandato. Contrariando o inicio do seu próprio mandato, quando deu declarações que inclusive aplaudimos em relação ao Irã. A questão dos direitos humanos não pode ser vista do ponto de vista ideológico. Aos amigos, aceita-se tudo, aos inimigos condena-se tudo. Portanto, lamento essa posição, a meu ver, equivocada, no mínimo tímida, da presidente da República.

E outro episódio absolutamente emblemático, que mostra a dificuldade que o PT tem em diferenciar o público do privado e, principalmente, o público do partidário. Merece a nossa mais absoluta condenação, e ainda esperamos uma palavra oficial do governo, em relação a essa publicação, patrocinada pela Petrobras, da Biblioteca Nacional, que faz críticas absurdas não apenas ao PSDB, mas a alguns dos seus mais ilustres líderes, como o companheiro José Serra. Portanto, é o dinheiro público sendo utilizado para se fazer política. A democracia que alcançamos pressupunha um comportamento mais ético, mais republicano nas questões que são de Estado. O PT demonstra, logo no início do ano, mais uma vez, uma enorme dificuldade em separar, repito, aquilo que é público daquilo que é de interesse partidário. Fica, portanto, nosso protesto absolutamente veemente com a utilização de uma publicação financiada pelo governo para fazer política partidária de forma absolutamente, a meu ver, irresponsável.

Senador, alguma mudança na estratégia da oposição para esse ano legislativo? A oposição que às vezes é chamada de tímida, desarticulada, aqui no Congresso.

Respeito muito todas essas avaliações que se fazem, de companheiros nossos, inclusive, da imprensa, de articuladores. Mas, tenho uma convicção muito grande de que a oposição está fazendo seu papel. Quando se termina uma eleição, e a eleição terminou há pouco mais de um ano atrás, o protagonismo da cena política é do governo. E o governo, na verdade, ocupou o espaço da própria oposição. Os descaminhos foram tão grandes, as denúncias foram tão sucessivas que o governo e o PT, em especial, não contente em ser governo, ocupou, em parte, o espaço da oposição. Não tenho dúvida de que a oposição faz o que tem que fazer. Estamos atualizando nosso discurso, identificando quais os temas com os quais vamos confrontar o modelo que está aí, passando pela ética, pela gestão do Estado. Vamos nos contrapor a essa falácia que se criou de um governo de gestão eficiente. Tudo que esse governo não é, é um governo bem gerenciado. Estão aí as obras do PAC com índices extremamente inexpressivos de execução, olha o Minha Casa Minha Vida como o maior dos exemplos. Olha as obras de transposição do São Francisco, as obras de mobilidade urbana prometidas para a Copa, essas de responsabilidade do governo. Todas elas muito atrasadas.

Vamos falar da questão da educação de qualidade, vamos falar da questão da saúde pública, onde o governo mais uma vez virou as costas para a saúde pública no Brasil. Ele teria condições de ter proposto um acordo mesmo que transitório onde a chegada aos 10% de participação da União se desse em dois, três e até quatro anos. Estaríamos dispostos a este entendimento. Não, o governo federal, com uma base absolutamente submissa, joga nas costas dos estados e dos municípios e dos cidadãos em especial, o financiamento da saúde pública. Portanto, acho que o governo perdeu a oportunidade de construir uma agenda de grandes reformas. Foi um ano perdido em crises sucessivas, as quais o governo se viu mergulhado e não vejo, até agora, coragem política, disposição do governo, de enviar ao Congresso as grandes reformas ou de fazer a reforma do próprio estado que havia prometido lá atrás. Onde está a grande reforma ministerial, onde está o enxugamento desse ministério. Não é possível que um país como o Brasil ser governado com 40 ministros. Sem dúvida alguma a presidente sequer tem condições de despachar com cada um deles. Talvez até nem os conheça a todos pelo nome. Isso não é bom para o Brasil. E nós vamos estar vigilantes, apesar de sermos minoritários no Congresso Nacional. Vamos estar buscando uma identificação do nosso discurso com a inquietude e, muitas vezes, o desapontamento que atinge setores importantes da sociedade brasileira.

O senhor concorda com a vinda do ministro da Fazenda aqui no Congresso para dar explicações?

Acho que sempre que solicitados, os ministros deveriam estar dispostos a vir ao Congresso. O ministro Mantega já veio aqui inúmeras vezes, inclusive, trazendo esclarecimentos extremamente positivos. Não vejo nada de perturbador com a vinda do ministro aqui. Acho que ele poderia tomar a iniciativa e vir ao Congresso.

O que o senhor achou da mensagem da presidente Dilma?

Mais uma mensagem de boas intenções. Assistimos, no ano passado, um conjunto de boas intenções, propostas, boa parte delas que não se consolidou, do ponto de vista da melhoria da qualidade do atendimento na saúde, na educação. O governo, a meu ver, patina. O governo, até por ter uma base extremamente heterogênea, que não se amalgama, não se une em torno de um projeto, tem tido dificuldade enorme de tratar dos grandes temas. O que eu vejo é que passou-se o primeiro ano. Já estamos no ano que é um ano eleitoral e, por isso mesmo, as atividades do parlamento têm uma dinâmica diferente . A partir do segundo semestre será muito difícil votar matérias de maior relevo. A partir daí já se foi metade do mandato da presidente. As grandes reformas, enfrentar os grandes contenciosos, é algo para se fazer no início de governo, mas a presidente, como eu disse, se viu mergulhada em crises sucessivas na estrutura do seu governo e não demonstrou aquela coragem que dela se esperava para enxugar a máquina pública, sair desse número de 40 para alguma coisa entre 20 e 25 ministérios, ou voltar ao padrão de 27 ministérios da época anterior ao governo do PT e investir na eficiência. Não há uma medida eficaz, efetiva hoje no plano do governo federal, diferente do que ocorre em muitos estados, para qualificar a gestão pública no Brasil. O aparelhamento da máquina pública e a sua desqualificação continuam sendo a maior e mais importante marca do governo do PT.

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