Nota sobre a votação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC)

Nota do Senador Aécio Neves sobre a votação do RDC no Congresso Nacional

“Ainda impossibilitado, por recomendação médica, de retornar ao trabalho no Congresso Nacional, o que farei a partir da semana que vem, considerei ser meu dever posicionar-me publicamente, uma vez mais, em relação à adoção do Regime Diferenciado de Contrações Públicas, a ser examinado e votado esta semana no Parlamento.

Sobre a matéria, anoto:

O Brasil foi confirmado como sede da Copa do Mundo da Fifa de 2014 em outubro de 2007 e, dois anos depois, a cidade do Rio de Janeiro foi escolhida como sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, em votação do Comitê Olímpico Internacional.

Desnecessário descrever o quanto essas notícias foram saudadas em todo o País e o forte apoio que ambos os eventos obtiveram no Brasil, por parte dos mais diversos segmentos da nossa sociedade. Da mesma forma, também sempre foram óbvios os esforços de planejamento e execução que as obras de infraestrutura demandariam, capazes de dar suporte adequado aos eventos internacionais.

Passados três anos praticamente em branco, o Governo descobre, agora, que não disporá de tempo suficiente para realizá-las. Por isso, tentou várias vezes propor um regulamento especial para licitações e contratos referentes à Copa e aos Jogos Olímpicos. Na versão oficial, o problema não era a falta de iniciativa, mas a ineficiência do processo licitatório público definido na Lei Geral de Licitações, motivo pelo qual editou, inicialmente, a MP nº 489, de 2010, que não foi apreciada pelo Congresso no prazo constitucional.

O fracasso dessa iniciativa propiciou uma mudança de estratégia, intentada em três diferentes ocasiões: quando da apreciação das MPs nº 503 e 521, ambas rejeitadas pela Câmara, em 2010; e agora, passados seis meses, aproveitando a tramitação da MP 527.

Em todos esses casos, o regulamento passaria a ser proposto não mais pelo Governo, mas surgiria como absoluta inovação num substitutivo apresentado a uma Medida Provisória, durante sua tramitação na Câmara dos Deputados. Esse é o primeiro e fundamental abuso cometido pelo PLV nº 17, de 2011.

Senão vejamos:

– O texto constitucional é claro quando determina que apenas a Presidente da República tem o poder de editar Medidas Provisórias, e somente em casos de relevância e de urgência. Por isso, não pode um relator introduzir, no contexto de um projeto de lei de conversão, um assunto completamente novo. Não há como superar essa limitação de iniciativa sem atropelar a Constituição e sem corromper todas as normas que regem o processo legislativo.

– Num diploma originalmente pequeno, composto de 18 artigos relativos à organização da aviação civil, o substitutivo não pode criar, ao longo de cinco Seções e de 47 artigos adicionais, toda uma nova ordem para a licitação e para o contrato público.

– A mistura de temas numa mesma matéria é também injurídica, uma vez que contraria frontalmente disposição central da Lei Complementar 95, de 1998, que determina, nos incisos I e II de seu art. 7º, que cada lei tratará de um único tema e não conterá matéria estranha a seu objeto, ou a ele não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão.

Mas o RDC apresenta muito mais que o vício de iniciativa. Não existe outra forma de qualificar a previsão do § 2º do art. 1º do PLV senão como inconstitucionalidade flagrante. Isso porque a Constituição Federal, em seu artigo 22, atribui à União a competência para instituir “normas gerais de licitação e contratação (…) para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados (…) e Municípios”. Ora, se uma norma é específica para determinados eventos – para a Copa e as Olimpíadas, nesse caso – ela não é geral. E se não é geral, não é de competência da União. Simples e claro!

Para quem analisa minuciosamente o pacote em que veio embalado esse Regime Diferenciado de Contratações Públicas percebe uma só verdade: cada melhora que ele pretende trazer à eficiência licitatória do Governo é subtraída, de forma desproporcional, com perdas na segurança da aplicação do recurso público.

Ou seja, o Governo imagina que velocidade e segurança são inconciliáveis. E como, em virtude dos atrasos e das procrastinações já perdeu a chance de fazer o percurso na velocidade recomendável, quer abrir mão de qualquer espécie de segurança, mesmo que isso signifique ultrapassar todos os limites permitidos. A isso o direito chama imprudência.

E quem pagará por essa toda essa imprudência? Basicamente o contribuinte, já comunicado de que o orçamento estimativo das obras para a Copa do Mundo, oficialmente calculado em 2,1 bilhões de reais, em 2007, saltou hoje, passados quatro anos, para mais de sete bilhões.

Finalmente, quer o Governo que o Congresso divida com ele o ônus por essa afronta à Constituição e ao bom senso, enquanto chegam ao cúmulo de tentar taxar as vozes que se levantam contra a iniciativa como antipatriotas.

Acresce-se a tudo isso, as inúmeras advertências das instituições de controle:

O Ministério Público divulgou nota na qual, entre outros vícios, denuncia o RDC por não definir claramente os casos em que se aplica; por não permitir uma concorrência justa, dada a falta de clareza acerca do que se está afinal licitando, na “contratação integrada”; e por criar um critério de julgamento, denominado “retorno econômico”, que nada mais é que fumaça.

Da mesma forma, e incomodado com esses mesmos mecanismos, manifestou-se, dia 29 de junho último, o secretário-adjunto de Planejamento e Procedimentos do Tribunal de Contas da União, Marcelo Luiz da Eira. E outros setores organizados da sociedade têm se manifestado contra a tentativa de esconder e de manipular a informação.

Outro alerta vem do ex-deputado Luis Roberto Ponte, líder do Governo na Câmara e ministro-chefe da Casa Civil durante o governo do presidente José Sarney. Do alto de sua experiência de 15 anos como presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção, Ponte alerta a inviabilidade de se produzir, de forma séria e qualificada, no estreito prazo de 30 dias, o projeto básico de toda uma instalação desportiva; e, ainda, o exagerado grau de subjetividade com que foi definida a sistemática de pagamento de prêmios adicionais por desempenho aos contratados.

O primeiro, além de implicar na adoção compulsória de projetos pouco cuidadosos e, a rigor, semi-acabados, impede que concorrentes de menor porte possam participar da disputa, em função do excessivo custo inicial que impõe aos licitantes. O segundo dá margem a que um agente público inescrupuloso possa conceder ao contratado acréscimos de pagamento totalmente subjetivos e arbitrários, onerando desnecessária e injustamente o orçamento votado para as obras.

Ainda há tempo para que o Governo se reposicione e reveja os erros que vem cometendo. O caminho não é o sigilo, mas a transparência; não é a retenção, mas a disseminação da informação; não são as portas abertas às oportunidades e ao descontrole sobre o manejo do dinheiro público, mas o justo, adequado e oportuno controle social.

Acredito que há tempo, sobretudo, para que o Senado Federal possa melhorar e aprimorar uma proposta capaz de propiciar ao Governo, sem riscos, a retomada do ritmo de sua agenda, bem como a definitiva superação dos atrasos nela consignados. Não há, contudo, tempo certo para que, podendo optar pelo melhor, compactuemos com aventuras, como essa para a qual nos querem cúmplices ao argumentarem com a lógica do fato consumado.”

Senador Aécio Neves

Belo Horizonte, 5 de julho de 2011

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