A defesa da ditadura venezuelana foi um desastre ético, político, humanitário e territorial que atinge fortemente a imagem do presidente da República, mas lamentavelmente, atinge também o Brasil enquanto Nação democrática”, diz Aécio Neves, em pronunciamento da Câmara dos Deputados.
Ao subir à tribuna da Casa, nesta noite, Aécio defendeu que o Congresso Nacional se manifeste claramente contra as homenagens prestadas pelo governo brasileiro a Nicolás Maduro. Na segunda-feira, Maduro foi recepcionado com honras pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Palácio do Planalto.
Aécio destacou o papel que o Legislativo brasileiro sempre teve ao longo da história na defesa das liberdades democráticas.
“Em momentos importantes na história do país, quando a democracia e as liberdades foram atacadas, foi o Congresso Nacional, e especialmente esta Casa, que se levantou”, disse.
E acrescentou:
“Aprovamos hoje na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional uma moção de repúdio à presença do ditador no Brasil e a forma como o governo brasileiro o recebeu. Esta manifestação deve se tornar uma manifestação desta Casa e do Congresso Nacional, para que não confundam a posição circunstancial de um líder político, como o presidente da República, com a posição do país e do Congresso Nacional”.
Durante o pronunciamento, Aécio enumerou as denúncias feitas por organismos internacionais sobre as graves violações cometidas pelo regime de Nicolás Maduro contra adversários políticos na Venezuela. Ele citou os documentos divulgados oficialmente pela ONU e pela Human Rights Watch.
Durante o pronunciamento, Aécio enumerou as denúncias feitas por organismos internacionais sobre as graves violações cometidas pelo regime de Nicolás Maduro contra adversários políticos na Venezuela. Ele citou os documentos divulgados oficialmente pela ONU e pela Human Rights Watch.
Assista aqui ao pronunciamento do deputado federal Aécio Neves.
Leia abaixo a íntegra do pronunciamento
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, em primeiro lugar, quero agradecer ao Líder do meu partido, o Deputado Adolfo Viana, e ao Líder do nosso bloco, o Deputado Felipe Carreras, por terem me cedido o tempo do bloco para fazer aqui uma manifestação eminentemente política.
A razão, Sr. Presidente, de eu vir hoje a esta tribuna é para expressar um sentimento que é meu e é do meu partido, mas acredito que seja também de grande parte dos brasileiros. O sentimento é, em primeiro lugar, de assombro e, em seguida, de repulsa, de enorme repulsa às manifestações recentes do Presidente da República, que reduz o Governo ditatorial da Venezuela e as atrocidades cometidas contra seu povo em uma simples narrativa.
O PSDB — como sabe V.Exa., Sr. Presidente — é oposição ao atual Governo, mas jamais deixou de apoiar medidas favoráveis ao País no passado e no presente. Apenas para ficarmos nos dias atuais, podemos lembrar o arcabouço fiscal, que contou com o nosso apoio, ou o novo Bolsa Família. Nós sempre soubemos diferenciar as questões de interesse de Governos, que são circunstanciais, passageiros, efêmeros, com aquelas de interesse do País.
O PSDB jamais seria capaz, por exemplo, em qualquer momento da história, de votar contra o Plano Real, que debelou a inflação, o mais perverso dos impostos a punir os mais pobres, ou mesmo seria capaz de se opor à eleição do Presidente Tancredo Neves, que restabeleceu a democracia neste País. Essa é a nossa formação, Sr. Presidente. Essa é a natureza de um partido que ajudei a construir nos últimos 35 anos. Mas, quando se fala em garantir respeito aos direitos humanos e à própria democracia, não deve haver fronteiras, sejam elas de qualquer ordem, sejam elas políticas, partidárias, ideológicas ou mesmo físicas.
Eu compreendo, Sr. Presidente, meus ilustres colegas, a necessidade de mantermos relações diplomáticas e mesmo comerciais com países que não tenham apreço pela democracia. É assim que gira a roda do mundo. Temos relações com a China — hoje, o nosso maior parceiro comercial —, com a Arábia Saudita e com outras nações. E não seria justo nem justificável que não as tivéssemos com um país vizinho, como é a Venezuela.
Mas não é disso que se trata. E por considerar o que ocorreu no Brasil extremamente grave é que subo a esta tribuna. Sr. Presidente, o que o mundo e vários visitantes ilustres, chefes de nações presentes no Brasil, assistiram assombrados foi o Presidente da República celebrando, quase que em euforia, uma ditadura e considerando um encontro com um ditador um momento histórico.
Sras. e Srs. Parlamentares, em junho de 2015, eu liderei uma comitiva de Senadores da República — eu ocupava uma cadeira no Senado Federal — à Venezuela. Éramos Parlamentares de diversos partidos e íamos lá prestar solidariedade a Leopoldo López, líder de oposição que estava em greve de fome e preso na penitenciária de Ramo Verde. Fomos em emissão oficial. Descemos em Caracas. Já fomos recebidos por um aparato policial ostensivo, que buscava nos intimidar. Depois de muita resistência, entramos numa van e seguimos no caminho que achávamos que nos levaria à penitenciária de Ramo Verde, para prestar uma justa solidariedade política àquele preso eminentemente político, Sr. Presidente. Menos de 10 minutos depois, nosso trajeto foi interrompido, nosso veículo foi cercado por mais de 50 cidadãos, que faziam questão de mostrar o coldre de suas armas, alguns com paus e ferros nas mãos, começaram a bater no nosso carro. E o embaixador do Brasil, desesperado, dentro daquele carro, nos fez retornar ao aeroporto. Resistimos, Sr. Presidente, em retornar ao Brasil, mas fomos quase que expulsos da Venezuela, em uma demonstração clara de como aquele País trata os que discordam das suas posições políticas.
Eu volto rapidamente, no retrovisor da história, para lembrar esse episódio e apenas para dizer que ninguém me contou, Deputado Gilberto. Eu vi, eu vi de perto o que começava a acontecer naquele País. E, de lá para cá, as coisas não melhoraram.
Sr. Presidente, se ainda houvesse alguma dúvida em relação ao que ocorre no País vizinho, uma comissão da ONU, Srs. Deputados, através do seu Comitê de Direitos Humanos, em abril do ano passado, afirmou que o Presidente Lula havia sido vítima de um julgamento parcial, o que foi celebrado por ele e por toda a sua base de apoio, talvez como a necessária e definitiva absolvição política do hoje Presidente da República. Essa mesma organização das Nações Unidas, através de uma comissão especiada criada para avaliar a situação da Venezuela, concluiu — Sr. Presidente, é dela a conclusão, não é minha — que o regime de Maduro, além de promover torturas, espancamentos, asfixia e violência sexual nas prisões, realiza detenções arbitrárias, censura e outras variadas violações de direitos humanos. Quem disse isso, repito, foi a Organização das Nações Unidas, não foi nenhum adversário do Governo daqui nem do Governo de lá.
Além disso, Deputado Osmar Terra, a prestigiosa organização internacional que realiza pesquisas sobre direitos humanos em todo o mundo, a Human Rights Watch, conforme publicou hoje a Folha de S.Paulo, tem denunciado violações sucessivas dos direitos humanos cometidas pelo Governo de Maduro. Desde 2014 — não vamos nos esquecer desses dados —, segundo a organização, ocorreram 15.700 prisões por motivos políticos e hoje, ainda hoje, 280 pessoas permanecem detidas pelos mesmos motivos. Ressalto que o regime passou a controlar o Poder Legislativo e subordinou o Judiciário aos seus interesses.
Democracia, Srs. Parlamentares, sem Parlamento livre, sem Judiciário livre? Seria isso uma narrativa? De acordo com esse mesmo documento também citado pelo jornal ao qual me referi, as crises políticas e econômicas da Venezuela aumentaram a pobreza e criaram uma enorme crise migratória. Segundo a entidade, são 7,2 milhões de venezuelanos que fugiram do País desde 2014. Isso não é narrativa, são dados reais.
As Nações Unidas têm relatado que a desnutrição no País é a mais alta da região, afetando 6,5 milhões de pessoas. Nós estamos falando de um dos mais ricos países da nossa região. E a Human Rights comprovou também o colapso no sistema de saúde daquele País.
Eu cito esses dados, meus ilustres colegas, aqueles que nos assistem, para ilustrar a extensão perversa da opressão que vem ocorrendo nesse País cujo ditador foi aqui homenageado pelo nosso Presidente. Essa mesma entidade cobra do Presidente Lula que demonstre apoio — e abro aspas para ela — “aos presos políticos, aos jornalistas ameaçados, aos doentes e famintos, aos migrantes e refugiados da Venezuela.” E, mantendo as aspas, a entidade diz mais: “O Presidente Lula deveria aproveitar todas as oportunidades para restaurar a liderança que seus comentários imprudentes minaram e cumprir sua promessa de ser um líder na defesa e na promoção dos direitos humanos.”
A crise venezuelana, Sr. Presidente, e a crise migratória que ela gerou continuarão sendo um tema importante sempre que os Líderes sul-americanos se encontrarem. E essa discussão foi a ausência mais sentida na recente reunião dos Líderes sul-americanos. Faltou essa discussão, porque esse encontro ficou definitivamente maculado pelas imprudentes declarações do Presidente da República. De todas as declarações — e foram muitas que ouvimos mundo afora —, eu destaco a fala do Líder de esquerda e Presidente do Chile, Gabriel Boric. Abro aspas para ele: “A situação dos direitos humanos na Venezuela não é uma construção narrativa; é uma realidade grave” — disse ele em solo brasileiro. “Tive a oportunidade de ver. Vi o horror dos venezuelanos que migraram para o Chile. Essa questão exige uma posição firme” — conclui o Presidente chileno.
Jamais, Srs. Parlamentares, jamais, Senador Cid Gomes, nós havíamos visto, em território brasileiro, um chefe de Estado responder com tanta firmeza e afrontar um Presidente da República, mas fez isso com convicção e com justiça. Por isso, Sr. Presidente, estou nesta tribuna, porque, em momentos importantes da vida deste País, quando a democracia, quando as liberdades foram, de alguma forma, atacadas, foi o Congresso Nacional, especialmente esta Casa, que se levantou.
Aprovamos hoje, na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, uma moção de repúdio à presença do ditador no Brasil e à forma como o Governo brasileiro o recebeu. Essa manifestação, Sr. Presidente, deve se tornar uma manifestação desta Casa e do Congresso Nacional, para que não confundam aí fora a posição circunstancial de um líder político, o Presidente da República, com a posição do País e do Congresso Nacional.
Caminho para encerrar, Sr. Presidente, dizendo que não condenar, por exemplo, o recrudescimento do Governo de Daniel Ortega, na Nicarágua, considerar a Ucrânia corresponsável pela invasão do seu próprio território — talvez, por extensão, os cerca de 100 mil civis mortos e os cerca de 14 milhões de refugiados — e, somando-se a essas atitudes, elevar o encontro com o Sr. Nicolás Maduro a um momento histórico, tudo isso retira progressivamente do Presidente Lula a possibilidade de exercer qualquer liderança mundial e coloca em xeque até mesmo uma natural liderança regional.
Encerro, Sr. Presidente, agradecendo o tempo por V.Exa. aqui disponibilizado, para dizer que a defesa da ditadura venezuelana foi um desastre ético, político, humanitário e territorial, que atinge fortemente a imagem do Presidente da República, mas lamentavelmente atinge também o Brasil enquanto nação democrática. Muito obrigado, Sr. Presidente.