Aécio Neves – Pronunciamento em plenário 04/07/2017

Senhoras e senhores senadores,

Retorno hoje a essa tribuna com um conjunto de sentimentos que, a princípio, podem parecer contraditórios.

Mas, na verdade, eles retratam a profundidade das marcas que o episódio de meu afastamento do mandato, que me foi conferido por mais de 7 milhões de mineiros, deixou não apenas em mim, mais em minha família e, acredito, em todos aqueles que, sem julgamentos apressados, acompanham meus mais de 30 anos de vida pública, sempre exercida com seriedade e responsabilidade.

Dentre todos estes sentimentos, sem dúvida o da indignação contra a injustiça e o da tristeza que acaba por atingir de forma mais profunda aqueles que mais amamos, foram os que mais de perto me acompanharam nesses momentos tormentosos.

Mas estejam certos, senhoras e senhores, em nenhum instante, em nenhum instante, perdi a serenidade e o equilíbrio, próprios daqueles que sabem a exata extensão de seus atos e a correção de sua conduta.

Senhoras e senhores senadores, ilustres colegas.

Não cheguei ontem na vida pública. Nessas últimas semanas, deixei-me embalar por certa nostalgia e permiti que me visitasse a memória e a alma o jovem militante que andou por cada canto desse país participando e organizando as grandes manifestações pelas eleições diretas.

Revivi o constituinte de 1988 que apresentou, dentre outras, a proposta que permitiu o voto a partir dos 16 anos e que participou vivamente de inúmeros debates, entre eles os que levaram ao surgimento do novo Ministério Público Federal, com os poderes que detém hoje.

Lembrei-me com orgulho de ter assinado a Constituição que marcou a reconstrução jurídico-institucional do Brasil recém-liberto da ditadura e adentrando à democracia.

Recordei a participação, como líder de bancada e de partido, no ciclo mais importante de reformas do Brasil contemporâneo, iniciado, na década de 1990, com a edição do Plano Real e a conquista da tão sonhada estabilização da economia nacional.

Revisitei o legado institucional construído quando presidi a Câmara dos Deputados, com avanços e instrumentos que funcionam ainda hoje, como a restrição ao uso de medidas provisórias e, especialmente, aquele que ficou conhecido como “pacote ético”, que, entre outros aspectos, reformulou de forma definitiva o conceito da imunidade parlamentar.

Também estiveram comigo por esses tempos as razões da responsabilidade que me guiaram como governador do meu estado e colocaram Minas como referência de inovação e governança pública, segundo os mais rigorosos requisitos das mais respeitadas instituições globais.

Poucas vezes, aliás, pude sentir tão concretamente o valor da boa política.

Ao fim de dois mandatos, alçamos Minas à condição de oferecer a melhor educação básica do país e o mais eficiente sistema de atendimento à saúde de toda a região Sudeste, sempre mantendo durante todos aqueles anos crescimento econômico acima da média nacional.

Foi com esta trajetória, com o enfrentamento e a superação de desafios dessa dimensão que cheguei ao Senado Federal.

Aqui, e muitos dos senhores e das senhoras são testemunhas, sempre atuei na defesa do interesse público, na preservação do patrimônio dos brasileiros e na correção de injustiças que impedem o Brasil de alcançar a condição a que tem direito.

Apresentei e relatei inúmeros projetos que buscavam e buscam dar mais transparência e controle às ações públicas para protegê-las da predação por interesses espúrios.

No Executivo ou no Legislativo, busquei sempre estar ao lado das boas causas, dos interesses dos que mais precisam, dos avanços que nos permitam alcançar um novo patamar de desenvolvimento seja ele econômico ou social.

Sempre respeitando a ética e honrando cada um dos votos que recebi nas minhas quase dez eleições disputadas.

Senhoras e senhores senadores, brasileiros que nos acompanham nesse instante, retorno ao tema central que me traz hoje a essa tribuna.

Não me furtarei de reiterar aqui aquilo que venho afirmando ao longo de todas essas últimas longas semanas. Senhoras e senhores parlamentares, brasileiros e brasileiras, não cometi crime algum.

Não aceitei recursos de origem ilícita, não ofereci ou prometi vantagens indevidas a quem quer que fosse e tampouco atuei para obstruir a ação da Justiça, como me acusaram.

Fui, sim, vítima de uma armadilha engendrada e executada por um criminoso confesso de mais de 200 crimes, cujas penas somadas ultrapassariam mais de 2 mil anos de prisão.

Procurei, sim, esse cidadão cuja face delinquente o Brasil ainda não conhecia e, por meio de minha irmã, ofereci a ele a compra de um apartamento de propriedade de minha família e que já havia sido oferecido a pelo menos outros quatro empresários brasileiros.

Essa venda me ajudaria a arcar com as novas despesas que passei a ter com advogados.

E o procurei, repito aqui, porque tenho que me desfazer de parcela do meu patrimônio familiar exatamente porque, não obtive em tempo algum, vantagens financeiras através da política. E os que me conhecem, e aqui não são poucos, sabem muito bem disso.

Foi desse cidadão, já em tratativas da delação cujos benefícios assombram e enchem de indignação a maior parte dos brasileiros, a iniciativa de propor um empréstimo que seria devidamente regularizado e pago, não fosse outra a intenção do criminoso.

Não houve, ressalto, envolvimento de dinheiro público e muito menos qualquer contrapartida, como as próprias gravações demonstram e ficará cabalmente provado perante a Justiça.

Tratou-se, portanto, de um negócio de pessoas privadas.

E é de se questionar, não fujo do tema, uma vez mais: como alguém pode pagar aquilo que se estabeleceu chamar de “propina” sem que tenha recebido qualquer benefício ou tenha qualquer expectativa de recebê-lo?

Nem mesmo os delatores apontam quais favores lhes teriam sido prestados. Mas isso passou a ser irrelevante. Muito pelo contrário. O delator Ricardo Saud, executivo desse conjunto de empresas, afirma, de forma clara, em um de seus depoimentos. E abro aspas para ele: “Ele (Aécio) nunca fez nada por nós”. Fecho aspas.

Tudo isso terá, como eu disse, local próprio para ser definitivamente provado.

Mas eu quero nesta tribuna dizer que eu errei, e assumo aqui esse erro, em primeiro lugar por me deixar envolver nessa trama ardilosa e, principalmente, ao permitir que meus familiares servissem de massa de manobra para atender aos propósitos espúrios daqueles que, por absoluta ausência de caráter, não se constrangeram em submeter a honra e a vida de pessoas de bem a seus nefastos interesses.

Errei também, e por isso já me desculpei, ao me permitir utilizar, mesmo em conversa que deveria ser privada, vocabulário que não me é comum, como sabem aqueles que comigo convivem diariamente.

Mas retorno, ilustres colegas, ao ponto central que levou a Procuradoria-Geral da República a pedir o meu afastamento do mandato de senador. Na verdade, foram três as principais acusações, que vou enumerá-las:

1 – A primeira, por ter dito em conversa privada, criminosamente gravada e todo o tempo induzida pelo candidato a delator, que deveríamos aprovar uma nova lei de abuso de autoridade, o que acabou ocorrendo por unanimidade na CCJ e, no plenário, com o voto de 54 dos 73 senadores presentes.

2 – Em segundo lugar, porque fiz, nessa mesma conversa que julgava privada, referência à minha visão de que a proposta de criminalização daquilo que se chamou de “caixa 2”, com a definição de novas penas, deveria ser aprovada como propunha o próprio Ministério Público no conjunto das chamadas “10 medidas”, mas seus efeitos só poderiam vigorar após essa aprovação. Nada mais do que a legítima opinião de um parlamentar no livre exercício de seu mandato.

3 – E, por fim, acusam-me pelas críticas que fiz, em privado, ao funcionamento de determinadas áreas do governo.

Pois bem, senhores senadores, senhoras senadoras, esse conjunto de manifestações foi interpretado como uma tentativa de obstrução de Justiça.

Nada mais distante da realidade. Aliás, muito pelo contrário.

O Brasil é testemunha das inúmeras vezes em que, como presidente do PSDB, levantei minha voz em defesa da Operação Lava Jato e das instituições que a conduzem. Essa sempre foi a posição não apenas minha, mas de todo o meu partido.

Jamais interferi em nenhum órgão envolvido nas investigações, embora entenda que existam reparos a serem feitos à atuação de alguns de seus membros.

No dia em que não pudermos mais exercer o contraditório, teremos perdido o essencial: a liberdade que cada um tem de se expressar e exercer seus legítimos direitos.

Em especial, e chamo atenção para este ponto, em relação a nós, parlamentares, é a Constituição Federal, em seu artigo 53, que assegura imunidade por palavras, opiniões e votos.

E não os assegura, é sempre bom destacar, como privilégio de uma casta, mas para garantir que o mandato emanado do soberano voto popular não seja ameaçado.

E também para que não se ponha em risco a separação, a harmonia e a independência entre os poderes e tampouco se permita constranger o exercício do mandato parlamentar.

Foi o ilustre ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que, em sua decisão, tratou de trazer luzes a aquilo que diz a Constituição.

Coube a ele demonstrar com clareza didática que medidas cautelares como o afastamento do mandato de um senador da República ou de um deputado federal representam grave violação de preceitos constitucionais.

Reproduzo aqui alguns trechos que julgo devam ficar registrados nos anais dessa Casa.

Abro aspas para o ilustre ministro.

“O afastamento do exercício do mandato implica esvaziamento irreparável e irreversível da representação democrática conferida pelo voto popular. (…) O Judiciário não pode substituir-se ao Legislativo, muito menos em ato de força a conflitar com a harmonia e independência dos Poderes.”

E continua o ministro:

“À sociedade, e não apenas ao agravante, importa a preservação do interesse primário, a higidez das instituições democráticas, a respeitabilidade à Constituição Federal, e não a feitura de justiça a ferro e fogo, a tomada de providência extrema, o justiçamento. A história é impiedosa considerados atos de força que, em última análise, provocam consequências imprevisíveis.”

O ministro vai além:

“Em quadra de abandono a princípios, de perda de parâmetros, de inversão de valores, de escândalos de toda ordem, cumpre ser fiel aos ditames constitucionais e legais, sob pena de imperar o descontrole institucional com risco para a própria democracia. (…)

“Quando, ensina o ministro, o Direito deixa de ser observado – e por tribunal situado no ápice da pirâmide do judiciário: o Supremo – vinga o nefasto critério da força, e tudo, absolutamente tudo, pode acontecer”.

Fecho aspas.

Trata-se, destaco mais uma vez, de peça jurídica histórica, que sempre servirá para defender não a um parlamentar individualmente, mas as instituições.

Servirá para assegurar a separação entre os poderes, o livre exercício do mandato parlamentar, a defesa dos direitos individuais e, sobretudo, o respeito à Constituição.

Não serve apenas a mim ou a meus 80 colegas senadores ou aos 513 deputados. Serve à história.

Senhoras e senhores senadores,

Fui condenado previamente sem nenhuma chance de defesa. Tentaram execrar-me junto à opinião pública. Fui vítima da manipulação de alguns, da má-fé de muitos e, sobretudo, de julgamentos apressados, alguns feitos aqui mesmo nessa Casa por alguns poucos que parecem não se preocupar com a preservação dos direitos individuais e com o primado da nossa Constituição.

Mas não carrego mágoas, não carrego ressentimentos. Olho para a frente, trabalho para construir o futuro e não para desfazer o passado.

Assistimos hoje, na verdade, a uma enorme disputa que pode acabar por fazer com que algumas instituições do Estado brasileiro prevaleçam sobre outras. E isso não pode ocorrer. Só o equilíbrio interessa a uma sociedade sadia.

O papel de investigar, apontar erros e puni-los é fundamental para o aprimoramento de nossas instituições, mas não pode ser feito ao arrepio do nosso ordenamento jurídico.

O país vive, sim, um importante e inédito acerto de contas com a sociedade e com o mundo político. E temos que estar preparados para ele, separando o que é crime daquilo que não é. Separando condutas ilícitas daquilo que é simplesmente atividade política. Misturar tudo e todos só interessa aos que não querem mudança alguma.

Senhoras e senhores, ilustres colegas.

É com espírito altivo e com absoluta serenidade que retorno hoje a esta Casa. A esta que é também a minha Casa.

Meu retorno se dá, única e exclusivamente, pela estrita observância da lei, pelo respeito a direitos assegurados e pelo que determina a nossa Constituição.

Retorno com o firme propósito de, ao lado de cada um dos senhores e das senhoras, independentemente de filiações partidárias ou de divergências que possamos ter, continuar trabalhando para permitir ao Brasil superar suas gravíssimas dificuldades, evidenciadas no baixo crescimento econômico e na profunda crise social que vivemos.

Quero aqui reafirmar nesse instante meu compromisso e minha crença na necessidade de continuarmos avançando em uma ousada agenda de reformas, que, aliás, foi a razão do apoio do PSDB ao governo do presidente Michel Temer.

Fui eu, inclusive, quem, na condição de presidente do partido e credenciado por cada um dos meus companheiros, condicionou o nosso apoio ao cumprimento dessa agenda, que, devemos reconhecer, apesar de todas as adversidades continua sendo liderada pelo presidente.

Nosso compromisso sempre foi com a transformação do país, e não devemos abandoná-lo.

Faço questão de manifestar aqui minha mais sincera e profunda homenagem ao senador Tasso Jereissati pela forma equilibrada, serena e, sobretudo, democrática com que está conduzindo o partido desde a minha licença.

O PSDB se orgulha e se orgulha muito de, ao longo de toda a sua história, ter colocado sempre os interesses do país acima de eventuais interesses eleitorais. Essa é a nossa marca e dela não devemos jamais abrir mão.

Neste pouco mais de um ano do novo governo, o Brasil conseguiu avanços extremamente importantes, como a queda da inflação, o corte da taxa de juros, o reequilíbrio das contas externas, o fim da recessão, a aprovação de projetos fundamentais para o futuro do país, como o que estabelece o teto dos gastos públicos e a implementação da sempre adiada reforma do ensino médio.

Para tão pouco espaço de tempo, devemos reconhecer, foram conquistas relevantes e que precisam ter continuidade, pois convivemos ainda, essa é a nossa mais amarga realidade, com um contingente de 14 milhões de desempregados e com degradantes indicadores sociais.

Os nossos desafios estão em todas as áreas, e precisamos enfrentá-los – sobretudo aqueles que atingem os mais desprotegidos.

Aproveito essa tribuna para, de público, apelar ao governo para que reconsidere, se realmente verdadeira for, a decisão de não conceder reajuste ao Bolsa Família. Todo esforço deve ser feito no sentido de garantir o poder aquisitivo desses benefícios e, sempre que possível, prover-lhes ganhos reais.

Senhoras e senhores, agradecendo a presença de cada um dos ilustres senadores e parlamentares deste plenário, a cada um que nos acompanha nesse instante, encerro este meu pronunciamento com a constatação, que acredito seja de todos, de que as maiores vítimas de toda essa crise por que passa o Brasil são aqueles brasileiros que menos têm e mais precisam do apoio do Estado.

E será sempre, fica, portanto, esta última mensagem, será sempre através da política, mas da boa política, feita com tolerância e respeito, que vamos conseguir encontrar um novo e virtuoso caminho para o Brasil e para cada brasileiro. Muito obrigado.

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