Intolerância e Omissão

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 22/06/2015

 

Na última quinta-feira (18) estive na Venezuela, na companhia de outros sete senadores, em visita de caráter oficial para levar solidariedade aos presos políticos do regime de Nicolás Maduro. Queríamos visitar o líder oposicionista Leopoldo López, no presídio desde fevereiro de 2014, e Antonio Ledezma, prefeito metropolitano de Caracas, mantido em prisão domiciliar.

Não conseguimos ir muito além do aeroporto. A estrada de acesso a Caracas estava bloqueada. Nosso carro foi cercado e impedido de continuar. Hostilizados e sob ameaça de agressão física, apesar de outras tentativas, não conseguimos avançar.

Nossa viagem atendeu ao apelo feito pelas mulheres dos líderes presos e se insere no conjunto de mobilizações e visitas de lideranças de outros países que têm ido à Venezuela levar apoio aos cidadãos perseguidos por discordarem do governo. Não há nada de original nesse esforço. Muitos devem se recordar da importância de gestos de solidariedade internacional como esses, ocorridos em favor de presos políticos brasileiros durante a ditadura implantada em 1964.

O que não nos deixaram ver na Venezuela nos dá uma ideia do que é viver hoje em condições de democracia ameaçada onde não há lugar para vozes dissonantes, para o diálogo e o confronto legítimo de opiniões. Onde a verdade pertence ao governo, como em velhos manuais aposentados pela história.

É inconcebível que ainda haja países onde os princípios invioláveis são permanentemente colocados em risco. Onde há prisões, cassações, pressões de todo tipo para constranger e imobilizar as vozes contrárias. Vozes que têm direito de se expressar e de serem ouvidas.

É incompreensível o apoio da presidente Dilma –em função da própria biografia de ex-presa política– a um governo que tenta silenciar seus opositores pela força.

Quem cala consente. O silêncio do Brasil é constrangedor e imoral. Em pleno século 21, é intolerável a existência de presos políticos. Não se transige com a liberdade. Há valores que, por sua força e significado, estão acima de diferenças partidárias e políticas. Temos o direito de viver com nossas opiniões e crenças. E de não sofrer violência de qualquer espécie por pensar diferente do governo de plantão.

Antes de ser política ou partidária, esta é uma causa humanitária. O tempo do vale-tudo, que justifica qualquer arbitrariedade em nome de um discurso político, precisa ser enterrado. A dignidade do homem deve sempre prevalecer sobre qualquer conveniência política. É isso o que, surpreendentemente, o governo brasileiro ignora, mesmo tendo a presidente Dilma vivido e sentido pessoalmente o que a intolerância é capaz de fazer. 

 

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Aécio responsabiliza governo brasileiro por incidentes na Venezuela

O senador Aécio Neves declarou que as últimas revelações sobre os incidentes registrados nessa quinta-feira (19/06), na Venezuela, deixam claro que o governo de Dilma Rousseff tem parcela de responsabilidade na ação do regime de Nicolás Maduro que impediu a visita da comissão de senadores brasileiros da oposição aos presos políticos mantidos presos em Caracas.

Aécio citou declaração do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, que falou ontem a um grupo de parlamentares que houve determinação do governo brasileiro para que o embaixador do país na Venezuela deixasse de acompanhar a delegação dos senadores.

“A responsabilidade pela exposição da delegação brasileira é, sim, também do governo brasileiro”, disse Aécio em pronunciamento no Senado, em aparte à fala do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP). O senador também contestou a omissão do governo Dilma ao crescimento da violência e do autoritarismo no país vizinho.

Aécio anunciou que o PSDB apoiará a proposta do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) para a convocação do ministro  Mauro Vieira à Comissão de Relações Exteriores do Senado, presidida pelo senador Aloysio Nunes, para que sejam feitos os esclarecimentos sobre a conduta do governo do PT em relação aos episódios de violência e de intolerância política ocorridos na Venezuela.

 

Papel do Congresso

O presidente do PSDB lembrou que a visita dos senadores à Venezuela não cumpriu somente uma tarefa humanitária, mas também de monitorar o respeito à democracia em um país com o qual o Brasil possui relações diplomáticas.

“Nós, do Congresso, somos responsáveis por ratificar os acordos binacionais firmados pelo Brasil. E, a partir do momento em que somos signatários, também somos responsáveis pela fiscalização”, disse. Tanto Aécio quanto Aloysio Nunes lembraram da cláusula do Mercosul que determina, a todos os países que integram o bloco, a proibição de regimes autoritários.

Aécio contestou afirmações que classificaram a visita dos senadores à Venezuela como uma missão ‘não-oficial’ e composta somente por membros da oposição. Ele lembrou que havia integrantes de partidos da base aliada no grupo e que os parlamentares viajaram em um avião da Força Aérea Brasileira.

“Era uma delegação oficial do Congresso Nacional e, ali, a questão partidária deveria ter sido irrelevante”, apontou.

 

Solidariedade internacional

Ao criticar a omissão do governo federal em relação às violações na Venezuela, Aécio destacou que a presidente Dilma Rousseff, durante o regime militar brasileiro, foi presa política. E recordou que, quando o Brasil vivia sob o autoritarismo, manifestações de líderes internacionais foram fundamentais para fortalecer a mobilização dos que lutavam pelo retorno às liberdades democráticas.

“Não fomos à Venezuela para derrubar o regime. Fomos à Venezuela defender aqueles que, como ocorreu como a presidente, no passado, por expressarem as suas posições, estavam com a liberdade cerceada”, apontou.