Senhoras e senhores senadores, brasileiros e brasileiras que, em todos os cantos do país, acompanham essa sessão histórica do Senado da República. Não estamos aqui hoje na Tribuna do Senado Federal para votar contra uma pessoa. Não estou eu e não estão os demais senadores da República, hoje, nessa Tribuna, para votar a favor ou contra um partido político.
Estamos aqui hoje para cumprir com o nosso dever constitucional de analisar a admissibilidade de um processo contra a senhora presidente da República que foi aprovado por mais de dois terços da Câmara dos Deputados e depois a partir de uma comissão, constituída por Vossa Excelência, também nela aprovado por ampla maioria. Um cumprimento especial ao senador Raimundo Lira que presidiu com serenidade, mas com extrema vitalidade, os trabalhos daquela comissão. E me permitam uma palavra especial nesse início ao meu correligionário, amigo, irmão, senador Antonio Augusto Anastasia.
Na verdade, ao ver, ao perceber, ao ouvir as análises feitas não apenas pelos políticos, mas pelos cidadãos brasileiros a partir do trabalho desenvolvido por Vossa Excelência nessa histórica missão, encontrei em uma frase ou em uma citação de um outro conterrâneo nosso, Afonso Arinos de Mello Franco, algo que resume com exatidão em que para tantos brasileiros, e mineiros em especial, se transformou Vossa Excelência.
Disse certa vez Afonso Arinos – que foi nosso colega na Constituinte, na Câmara dos Deputados – e abro para ele aspas. Disse o grande mestre: “Minas é o centro, e o centro não quer dizer imobilidade, porém peso, densidade, nucleação, vigilância atenta, ação refletida, mas fatal e decisiva.”
Vossa Excelência, senador Anastasia, foi Minas na sua grandeza e na sua integridade. Em cada um dos passos que deu para apresentar ao Brasil, através dos seus representantes no Senado Federal, uma histórica peça jurídica e política e que dá a todos nós o conforto necessário para tomarmos uma decisão dessa grandeza, dessa dimensão e dessas consequências
Seria oportuno que fizéssemos um rápido passeio pela história para que compreendamos de forma mais clara aquilo que estamos aqui efetivamente fazendo. No regime presidencialista, diferente do que ocorre no parlamentarismo, ou mesmo no semi-presidencialismo, os poderes e as atribuições são claramente distintas, são claramente perceptíveis as diferenças de atribuição e as complementariedades entre aquelas que são o Poder Executivo e aquelas que são do Poder Legislativo.
No presidencialismo, que é o nosso caso, o chefe do poder reúne sob seu comando uma gama imensa de poderes. É ele o chefe de Estado a representar a nação nos seus interesses internos e principalmente externos. É o chefe do governo, ao estabelecer as políticas públicas necessárias a melhorar a qualidade de vida da gente que representa. É o chefe das Forças Armadas, ao garantir através do comando do nosso arsenal bélico a paz social e as nossas fronteiras, por exemplo.
E é além de tudo isso o chefe da administração pública, cabendo a ele, através da delegação que dá àqueles por ele nomeados, exercer a funções que a cada um caiba, para melhorar a qualidade no atendimento à saúde pública, a mobilidade urbana, a educação, enfim, a segurança, um conjunto de atribuições que ele delega, não transfere, delega aos seus subordinados.
E por isso o artigo 76 da nossa Constituição, combinado com o 87, diz que é discricionária a composição do ministério por parte do presidente da República. Pode ele escolher quantos ministros quiser, pode ele indicar quem bem entender, portanto, pode sim o presidente da República delegar aos seus auxiliares atribuições, mas jamais pode transferir a eles responsabilidades que são eminentemente suas, se fosse assim, não seria, como acabo de dizer, discricionária essa indicação ou essa composição do seu governo.
E aqui volto à questão central objeto da discussão que hoje ocorre no Senado da República. A responsabilidade pela condução das finanças públicas e da execução orçamentária é absolutamente intransferível.
E o nosso regime, e o nosso sistema, senador Anastasia, funciona, como disse V. Exª no seu relatório, com freios e contrapesos. E é por isso que o Congresso Nacional, que, diferente do Poder Executivo, age de forma colegiada, tem a função fundamental, prioritária de examinar as contas presidenciais, aprovar e garantir a execução orçamentária e fiscalizar o governo no conjunto das suas ações.
Na Constituição – não apenas na nossa – de qualquer país democrático do mundo, em qualquer uma, os senhores e as senhoras encontrarão lá a previsão do eventual afastamento da presidente da República ou do presidente da República em caso de crimes cometidos.
Na verdade, o que nós estamos fazendo, aqui, neste instante, é exercendo, na plenitude, as prerrogativas do Congresso Nacional, como o fez, com autonomia e com grandeza, a Câmara dos Deputados.
E não foi um conjunto de parlamentares – e vejo vários aqui, cuja presença agradeço – que decidiu, por conta própria, retirar da presidente da República a imunidade que só eles poderiam retirar para que ela pudesse, eventualmente, estar sendo julgada a partir da eventual admissibilidade desse processo pelo Senado Federal. Foi o povo que fez isso.
Foram os brasileiros, em primeiro lugar, que foram às ruas de todas as partes do Brasil, sem exceção, para dizer um basta definitivo a tanto desprezo à verdade, à ética e à correção na gestão da coisa pública. Mas foi o povo brasileiro, através de cada um de vocês, na Câmara dos Deputados, que os representa, porque, gostem ou não do Congresso Nacional, em especial da Câmara, representação da população brasileira, é ela que representa, de forma mais clara e melhor, os vários extratos da sociedade brasileira. E, ali, os senhores fizeram o que deviam fazer. Discutiram e aprovaram, na Comissão Especial, o relatório do Deputado Jovair Arantes e, depois, permitiram ao Congresso Nacional, agora ao Senado Federal, cumprir, aqui, com as suas funções.
O voto exemplar do senador Anastasia dá a todos nós a absoluta tranquilidade em votarmos pelo prosseguimento desta ação. Mas muitos brasileiros perguntam, também em todas as partes do país, o que o eventual crime de responsabilidade ou a tão conhecida pedalada fiscal, ou mesmo o descumprimento da lei orçamentária tem a ver com a vida cotidiana de cada brasileiro, de cada família que nos ouve neste instante? Tem tudo a ver, porque é exatamente o desequilíbrio das finanças públicas que gera instabilidade num país, que faz com que os investimentos deixem de vir e o desemprego passe a florescer.
Na verdade, foi exatamente o descontrole da economia, conduzido pelo governo da atual presidente da República, que levou o Brasil a dois anos de queda expressiva de seu produto interno e à maior recessão de toda a nossa história republicana.
Foram os atos conscientes da presidente da República que nos trouxeram a maior inflação desde 2002, de quase 10%. Foi a irresponsabilidade deste governo no descumprimento da legislação à qual ele estava submetido que levou o Brasil a dois anos de queda expressiva do seu produto interno e à maior recessão de toda nossa história republicana. Foram os atos conscientes da presidente da República que nos trouxeram a maior inflação desde 2002, de quase 10%.
Foi a irresponsabilidade deste governo no descumprimento da legislação à qual ele estava submetido que levou o Brasil a ter hoje cerca de 11 milhões de desempregados, 3 milhões em apenas um ano. Foi a irresponsabilidade deste governo que levou à queda de 24% dos investimentos desde o início de 2014, a uma queda de 25% da nossa produção industrial, e a 303 mil empresas fechadas apenas no ano de 2015.
E o que isso tem a ver com a vida cotidiana dos brasileiros? Tudo. São 59 milhões de brasileiros e brasileiras, que nos ouvem neste instante, com suas prestações atrasadas, não porque são maus pagadores, ao contrário, porque perderam as condições de honrar os seus compromissos pela recessão profunda na qual a irresponsabilidade deste governo nos mergulhou. Foi essa mesma irresponsabilidade que levou ao aumento da nossa dívida pública em pelo menos 14% do PIB desde 2013.
Portanto, foi, sim, a irresponsabilidade da atual presidente da República e do seu governo, ao conduzir as finanças públicas, que está fazendo com que 7,8 milhões de brasileiros estejam retornando às classes D e E, apenas entre o ano de 2015 e 2016. Foi, sim, essa irresponsabilidade que levou à primeira queda de renda e ao aumento simultâneo da desigualdade desde 1992. Cortes de mais de 80% nos tão propagandeados programas sociais: Programa Minha Casa, Minha Vida, de mais de 70%; construção de creches, de mais de 90%; além do Fies, do ProUni, do Ciência sem Fronteiras.
Aliás, esta é uma marca dos governos populistas: sempre agem com irresponsabilidade fiscal e, quando fracassam, usam sempre o velho discurso da divisão do País entre nós e eles. E, ao final, quem paga o preço? São sempre – sempre! – os mais pobres, aqueles que mais precisam da ação do Estado e que são costumeiramente manipulados por esses governos.
Mas nada disso começou agora. Disputei as eleições presidenciais com a atual presidente da República, ao lado do honrado senador Aloysio Nunes Ferreira. Tentamos, em todos os instantes, estabelecer um debate altivo e republicano para que pudéssemos encontrar saídas em favor do povo brasileiro e para a superação da nossa grave crise que já se anunciava. Falava de queda do PIB, éramos derrotistas, temerários, terroristas; falava da ameaça ao emprego, não conhecíamos o Brasil; falava da intervenção absurda no setor elétrico, éramos os pessimistas de sempre torcendo contra o Brasil.
Eu me lembro que, nos últimos debates presidenciais – um no dia 19 de outubro e outro no dia 24 de outubro –, a pouquíssimos dias das eleições, já no segundo turno, eu alertava a Srª presidente da República, em cadeia de rádio e de televisão, para as pedaladas fiscais que estavam sendo feitas. Com a Caixa Econômica, o governo já tinha um débito de 10 bilhões; com o Banco do Brasil, de 8 bilhões. Alertei à presidente da República, que, por não compreender aquilo naquele instante, sequer respondeu a essas indagações.
Fez isso o governo para quê? Para que pudesse, com os recursos do Tesouro, ampliar os seus gastos e, aí, vencer as eleições. O ano de 2014 não está sendo discutido neste instante, mas seria como retirar o ar que nós respiramos, deixar de trazer a história como ela é. Foi lá trás, com irresponsabilidade, com a sensação absoluta de impunidade, de que estava este governo acima da lei e da ordem, que foram tomadas medidas atentatórias à estabilidade da economia e à melhoria da qualidade de vida dos brasileiros.
Portanto, vamos cumprir o nosso dever com altivez, com serenidade. Teremos um dia diferente amanhã, duro, para enfrentarmos. Lembro, neste momento, permita-me senador Renan, um bravo brasileiro, que ocupou por diversas vezes essa tribuna e eu ainda menino o assistia desta galeria. Disse há cerca de 30 anos atrás aqui mesmo meu avô Tancredo Neves. Abro aspas para ele: “Nesse momento alto da história, orgulhamo-nos de pertencer a um povo que não seja abate, que sabe afastar o medo e não aceita acolher o ódio.”
Esse é o povo e esse povo brasileiro se reencontra com essa instituição a partir de amanhã cedo para que juntos, sem ódio, sem rancores, olhando para o futuro, possamos tomar as medidas necessárias a permitir que os brasileiros resgatem aquilo de mais valioso que lhe foi furtado por este governo: a sua esperança e a capacidade de sonhar com um futuro melhor.
Muito obrigado.