Fernando, coração civil

Aécio Neves – Jornal Estado de Minas – 14/06/2015

 

A ausência de Fernando Brant tem ocupado um lugar especial no meu coração. Não é difícil entender por quê. Pego de surpresa pela sua partida, percebo que ela nos deixa o mesmo aprendizado de sua poesia. Precisamos ficar atentos para que o tempo seja nosso aliado e para não nos esquecermos do que é realmente fundamental nesta vida: a solidariedade, o afeto, a esperança, que ganham a forma,  o rosto e o nome daqueles que respeitamos e amamos.

Ao me despedir de Fernando, no último sábado, assim como outros amigos,  me despedi do que tivemos e do que não tivemos. Lamentei os encontros a mais que gostaria de ter marcado e não pude, das outras conversas que imaginei que um dia teríamos e que, agora, sei que não vão mais acontecer. Era nisso que eu pensava enquanto caminhava pelo salão triste do Palácio das Artes, para velar o grande poeta. Ali, revivi o nosso último encontro, há pouco mais de um mês, e suas palavras ganharam para mim profético sentido – “a hora do encontro é (sempre) também despedida”.

Entre tantas e tantos amigos, em comovido silêncio, revisitamos, cada um a seu modo, a já longa jornada de cada um de nós e tenho certeza que outros, como eu, relembraram a presença de Fernando em suas vidas. Nas minhas lembranças, eu o vi em momentos cruciais do país, em que partilhamos a construção do Brasil contemporâneo – a busca por liberdade, direitos e justiça, em um país ainda em plena construção.

Fernando nos deixou um legado de rara beleza e sensibilidade, no qual vida e obra se confundem.  Sua biografia compõe um hino declarado à vida e ao bem-querer. Nas reuniões festivas e sagradas com a família, na companhia fraterna dos amigos ou nas conversas noite adentro sobre o presente e o futuro do país, era sempre o homem cordial, apaixonado, vibrando com as mesmas convicções.

Agora, enquanto nos recordamos de tantas canções que falam de um tempo que nunca se esgotará, entendemos melhor a dimensão desse repertório inesgotável de humanismo.  Não à toa, somos muitos os que choramos essa perda, em todo o Brasil.

Nas dezenas de letras que escreveu, Fernando traçou um itinerário de afetos, crenças e esperanças. Cantou a sua terra como poucos, celebrou o amor e a fraternidade, clamou por justiça e traduziu as dores e alegrias das grandes paixões. Foi sábio, sem ser jamais arrogante. Foi um dos homens mais simples com quem tive a sorte de conviver, mesmo sendo um dos grandes artistas de sua época. Em seu mundo, cabiam a amizade e a solidariedade, não havia espaço para a descrença, a inveja e o desperdício dos sentimentos. A vida tinha de ser leve, é o que parecia nos dizer com seu jeito discreto e ameno.

Ao mesmo tempo, o homem afável e generoso não se furtava à luta pública a favor das boas causas. Na defesa intransigente dos direitos dos autores, batalha na qual militou na linha de frente, ou na luta pela redemocratização e pela consolidação de governos comprometidos com as liberdades, a democracia e a valorização da cidadania e da cultura, Fernando foi um guerreiro convicto, resoluto, íntegro.

Nossos caminhos se cruzaram há mais de três décadas, quando ele abraçou a campanha de Tancredo ao governo de Minas, em 1982. A partir daquele momento, estivemos juntos em muitas caminhadas, desde a memorável mobilização pelas Diretas até a campanha presidencial do ano passado, quando, mais uma vez, ele me honrou com sua confiança e apoio. Estivemos juntos no mesmo sonho de Minas e do Brasil, e a implantação do Circuito Cultural da Praça da Liberdade foi um dos projetos que nos uniu e mereceu a sua defesa pública.

Em tudo o que fez e escreveu, sua terra emergia como fonte inspiradora e mobilizadora. Minas esteve sempre cravada na alma desse mineiro que, sem precisar sair daqui, alargou as nossas fronteiras para muito além das montanhas e rios que ele expressou como ninguém.

Sou do ouro, sou vocês, sou do mundo, sou Minas Gerais. A esse mineiro do tamanho do mundo, o meu sincero e profundo reconhecimento. Foi uma honra, Fernando!

 

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