Artigo do senador Aécio Neves – Jornal Estado de Minas – 18/01/2015
Nesses dias em que os brasileiros celebram as três décadas da eleição do primeiro presidente da República civil e de oposição após 20 anos de ditadura militar, uma diferenciação se impõe para entender melhor o importante papel que Tancredo Neves assumiu e desempenhou no processo de redemocratização do país: em tudo, ele era Minas.
Desde o começo – e especialmente nas horas mais difíceis – carregou e guardou consigo, a orientar suas decisões, as lições que apreendera com os seus e com aqueles que vieram antes dele e nos legaram um extenso conjunto de valores e princípios que tão bem caracteriza o homem público, na exata acepção da palavra.
Sua caminhada cívica, não por mera coincidência, sempre esteve lastreada pelo chão da história de Minas e foi da sacada do Palácio da Liberdade que ele corajosamente sinalizou a que vinha. Ficou para sempre marcado em nossa memória coletiva a sua inconfundível voz rouca e emblemática, carregada de civismo, proclamando que “o primeiro compromisso de Minas é com a Liberdade”.
No curso da difícil transição política que se cumpria naquele tempo, ele jamais se afastou, um instante sequer, desses princípios. No calor da vontade popular e com o país tomado pelo anseio por amplas liberdades, forjou, com a delicadeza de um artífice e a segurança das suas convicções, as importantes pontes políticas que nos permitiram finalmente fazer a grande travessia sem retrocessos, quando esgotaram-se as possibilidades do sonho comum, das Diretas-Já.
Não era a primeira vez que o país o convocava, adernado em graves crises. Foi assim em outros momentos da sua longa trajetória política, como parlamentar, ministro da Justiça no Governo Vargas, primeiro-ministro de Jango e aliado da primeira hora de JK. Mudavam as circunstâncias, mas não mudavam o brio e a coragem do democrata convicto.
Foi esse democrata que, de cabeça erguida, caminhando lado a lado com outros gigantes daqueles dias, entrou no Colégio Eleitoral, onde, refletindo o desejo da população nas ruas, foi eleito presidente da República. No seu discurso, falou ao coração do Brasil: “Esta foi a última eleição indireta do país”.
Ao recordar a intensidade da comoção daqueles dias, impossível não lembrar da postura adotada pelo PT que se recusou a votar em Tancredo e chegou a expulsar da legenda três parlamentares que, ouvindo as vozes das multidões e das próprias consciências, não seguiram a determinação do partido, dando seus votos ao novo presidente. Já há trinta anos, sempre que precisa escolher entre os interesses do Brasil e a conveniência do partido, o PT escolhe o PT.
Aqueles foram dias especialmente difíceis. Silencioso como era quando se recolhia em sua São João Del Rei para refletir, Tancredo tinha a exata dimensão do que lhe reservara o destino. Por isso, jamais titubeou em aceitar o sacrifício que as circunstâncias lhe impunham e seguiu firme, determinado, até o ultimo momento, pensando primeiro no Brasil.
Quando levou ao extremo a sua preocupação com o país e sucumbiu à doença, deixou-nos importantes exemplos de desprendimento pessoal e patriotismo.
Um de seus traços mais marcantes, a busca permanente pela construção de consensos, dava moldura à política como ele defendia e professava – a mais nobre e recompensadora das atividades humanas quando colocada a serviço do bem comum. Para ele, consenso não significava unanimidade nem fraqueza. Pelo contrário, significava a coragem de abrir mão de interesses menores . Significava a capacidade de não perder de vista o prioritário e de encontrar caminhos que pudessem servir às grandes causas do país.
Ao lado de gigantes, como Ulysses, Montoro, Brizola, Teotônio, Arraes entre outros, Tancredo deixou-nos como maior legado o compromisso com as liberdades democráticas, fim e caminho da Nova República que ainda hoje sonhamos, podemos e merecemos ser.
Reitero, como brasileiro, o meu profundo reconhecimento aos grandes líderes que, há 30 anos, não faltaram ao país.
Como neto, me debruço mais uma vez sobre a saudade, na certeza de que guardo comigo a mais preciosa de todas as heranças: seu exemplo.