Artigo de Aécio Neves publicado nos jornais Correio Braziliense e Estado de Minas
Tenho me dedicado à defesa da tese da flexibilização das patentes das vacinas anti-covid-19, como presidente da Comissão de Assuntos Exteriores e de Defesa Nacional, da Câmara Federal. Decidi lutar por este caminho alternativo depois de ouvir especialistas demonstrarem que esta é a única fresta de luz que temos neste momento de verdadeira tragédia nacional e escassez mundial do imunizante.
Não se desconhece a legitimidade e legalidade da propriedade das patentes e o papel crucial que exercem os centros de pesquisas no mundo. Por isso mesmo, a nossa proposta não se assenta no simples princípio da quebra de patentes, mas sim na sua flexibilização temporária e negociada, com pagamento de royalties por doses disponibilizadas. Ou seja, os proprietários das patentes continuariam a ser remunerados por terem desenvolvido o imunizante.
A escala da pandemia que vivemos é um inédito desafio para todos. Para o setor público e privado. Para toda a cadeia de produção e distribuição de medicamentos. É uma questão de responsabilidade coletiva explorar todas as possibilidades de aumento de oferta de medicamentos, vacinas e equipamentos médicos. Novos desafios exigem novas soluções. E, nesse caso, soluções rápidas.
O fato – que muitos estranhamente sequer se permitem discutir – é que já se vão um ano e três meses de pandemia, com milhares de mortos no mundo e em especial no Brasil e continuamos absolutamente dependentes da produção de IFA e de vacinas em larga escala. O agravante é que agora somos o epicentro da pandemia, com cerca de 1/3 dos óbitos do planeta, apesar de termos menos de 3% da população mundial.
Só para dimensionar corretamente o tamanho do problema: as Nações ricas e de renda média alta, com 1/5 da população mundial, já adquiriram, por contrato, 6 bilhões de doses de vacinas. Três em cada quatro doses de vacinas aplicadas hoje são feitas nos países desenvolvidos. Países em desenvolvimento só conseguiram adquirir 2,6 bilhões de doses, das quais, 1,1 bilhão por meio do consórcio COVAX da OMS. Mantendo esse ritmo e proporção, a vacinação de 70% da população em países mais pobres pode levar muito mais que dois anos, em alguns casos, quase uma década.
Proposta da Índia e da África do Sul apresentada à OMC defende uma moratória temporária nos direitos de propriedade intelectual para equipamentos e medicamentos (inclusive vacinas) relacionados ao combate da Covid, como forma de agilizar a produção dos mesmos. A proposta tem o apoio de mais de 100 países. O Diretor Geral da OMS e diversas organizações não governamentais, como o Médicos Sem Fronteiras e a Anistia Internacional também têm defendido a medida.
Em recente reunião, levamos ao Dr. Tedros Adhanom (OMS) duas propostas: a primeira, de mudança nos critérios de distribuição da vacina pelo Consórcio COVAX, que passaria a levar em consideração o agravamento da pandemia e não mais apenas a questão populacional. E a flexibilização temporária das patentes, mediante royalties compensatórios, ambas recebidas com entusiasmo pelo comando daquela instituição multilateral. Mas o foro decisivo infelizmente não é este: é a Organização Mundial do Comércio – OMC, que disciplina a matéria e precisa urgentemente ampliar o diálogo mundial em torno do tema.
No Brasil, o Parlamento tem importante contribuição a dar no fortalecimento desse debate. Precisamos amplificar a discussão em torno de propostas e alternativas com a coragem e urgência que o tema requer. A nossa responsabilidade precisa ser do tamanho do desafio que precisamos vencer.