Encontro Marcado

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 08/02/2016

A maior festa popular do Brasil está no seu auge e não cogito azedar a folia de ninguém. Os brasileiros merecem se divertir e mostrar ao mundo a sua criatividade e alegria.

Quem é capaz de organizar uma festa com esta dimensão, envolvendo grandes eventos de rua, desfiles hollywoodianos e doses infindáveis de talento e originalidade é uma gente acostumada a ver a vida com olhos de esperança e otimismo. É uma gente que não se intimida com as adversidades, que empreende com coragem e que põe o bloco na rua, faça chuva ou faça sol.

Esse Brasil vibrante e colorido bem poderia inspirar o ano que prossegue, tão logo se esvaziem as passarelas. Já na quarta-feira teremos de nos ver diante de uma realidade que não enseja grandes celebrações. Não bastasse o sofrimento com a epidemia ditada pelo mosquito Aedes aegypti, o cenário econômico e social se revela ainda mais sombrio.

A indústria teve o seu pior desempenho em mais de uma década. Sem confiança, os empresários estão deixando de investir nas fábricas e máquinas que sustentam o crescimento. A produção mensal de veículos, por exemplo, caiu para o menor nível desde 2003. A recessão fechou 1,5 milhão de postos de trabalho. Com a inflação no calcanhar, viver ficou bem mais caro. A cesta básica já custa grande parte do salário mínimo de um trabalhador. Endividados, os brasileiros promoveram, em janeiro, a maior retirada de recursos da poupança em 20 anos.

E diante do país que desmorona, o que faz o governo?

Cumprindo os ritos institucionais, a presidente da República foi ao Congresso falar de suas propostas para o ano. Infelizmente, de novo uma retórica vazia e pouco crível. A presidente claramente não tem nada a propor, além de pedir a volta da CPMF e acenar com um esboço de reforma da Previdência, imediatamente contestadas pelo seu próprio partido.

Não podemos nos conformar com a paralisia e a indecisão que caracterizam o governo, incapaz de apresentar à nação um caminho viável para a superação da crise que ele mesmo criou. É preciso agir.

O momento agora é de Carnaval. Tão logo cesse a folia, temos um encontro marcado com o Brasil real, escasso de alegrias. É nesse contexto que devemos alinhar forças e responsabilidades para construir uma agenda de trabalho capaz de mobilizar o país. Não podemos nos acomodar.

Em tempo:

Comovente e esclarecedora a reportagem da Folha em Pernambuco sobre os casos de microcefalia ligados ao vírus da zika. O trabalho dos repórteres expondo o drama de mães e filhos desamparados pela falta de assistência mostra o quanto ainda estamos distantes de assegurar às famílias o mínimo suporte para enfrentar a tragédia. O Brasil tem a obrigação de fazer muito mais.

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Déficit em contas externas no 1º trimestre é o maior da história

As transações do Brasil com o exterior registraram um déficit de US$ 6,2 bilhões em março, contribuindo para o pior resultado no primeiro trimestre desde o início da série do Banco Central (BC), em 1947. No acumulado dos três primeiros meses do ano, o saldo negativo soma US$ 25,2 bilhões. Até então, o maior déficit nas contas externas havia sido registrado no primeiro trimestre de 2013, quando chegou a US$ 24,7 bilhões. Em março do ano passado, o saldo negativo foi de US$ 6,8 bilhões. Esses números, divulgados ontem pelo BC, consideram balança comercial, balança de serviços e transferências unilaterais, como doações e remessas de lucros.

O chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, disse que o resultado do primeiro trimestre se deve, em grande parte, a uma reação lenta da balança comercial. No mês passado, o Brasil exportou apenas US$ 112 milhões a mais do que importou. No acumulado do trimestre, há um déficit de US$ 6 bilhões.

E esse cenário não deve mudar a curto prazo. Estudo da consultoria americana Boston Consulting Group (BCG), também divulgado ontem, mostra que o custo da produção no Brasil aumentou nos últimos dez anos, tornando o país um dos mais caros entre os 25 maiores exportadores mundiais.

 

Custo de produção sobe no país

Aumentos significativos de salários, crescimento lento da produtividade, mudanças cambiais desfavoráveis e elevação nos custos com energia estão entre os fatores da elevação do custo produtivo do país. E isso reduz a competitividade, ainda mais em um cenário no qual concorrentes seguiram caminho contrário: o custo de produção no México já é inferior ao da China, enquanto nos Estados Unidos está entre 10% e 25% abaixo dos dez maiores exportadores do mundo, à exceção dos chineses.

— No Brasil, só tivemos aumento de custos, o que fez com o que o país se tornasse caro e ficasse excluído das cadeias globais de produção. Com isso deixamos de agregar valor ao produto exportado, exportando matéria-prima. E, ao fazer isso, no fundo estimulamos o concorrente a produzir lá fora e vender de volta para o Brasil — afirma José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

Para o professor de economia da Fundação Dom Cabral Rodrigo Zeidan, o alto custo de produção no Brasil é reflexo da baixa produtividade do trabalho e do capital:

— Isso mostra que os gargalos continuam. É o custo Brasil, algo que só existe aqui. E isso não é um problema de curto prazo. Para mudar, são necessárias medidas de Estado.

Essa perda de competitividade, no entanto, não é exclusiva do Brasil. China, República Tcheca, Polônia e Rússia, tradicionalmente vistas como áreas de baixo custo, também estão sob pressão.

“Muitas empresas estão tomando decisões de investimento de produção com base em visões de décadas atrás que estão totalmente desatualizadas. Ainda veem a América do Norte e a Europa Ocidental como áreas de alto custo, e América Latina, Leste Europeu e a maior parte da Ásia — especialmente a China — como de baixo custo. Há países de baixo e alto custo produtivo em quase todas as regiões do mundo”, explica Harold L. Sirkin, sócio do BCG e um dos autores da análise.

E quando as empresas perceberem essa mudança no cenário produtivo mundial podem alterar suas escolhas. A greve que paralisa fábricas de Nike e Adidas na China desde o último dia 14 é um sinal de alerta para o país asiático, cuja vantagem de produção sobre os EUA encolheu, em uma década, para menos de 5%, segundo o BCG. Desde 2010, a Nike produz mais tênis no Vietnã do que na China.

Apesar do mau desempenho das contas externas, Maciel, do BC, observou que o déficit de março foi inferior ao de fevereiro deste ano e ao de março de 2013. E destacou que o déficit em transações correntes no acumulado em 12 meses, de US$ 81,5 bilhões, está em 3,64% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos).

Com a balança comercial cada vez mais debilitada, o BC projeta um rombo de US$ 80 bilhões nas contas externas deste ano. Além do comércio exterior no vermelho, o Brasil tem apresentado déficit relevante na conta de serviços — que inclui, além das viagens internacionais, itens como pagamento de fretes e de aluguel de equipamentos.

 

Dólar alto, menos gasto no exterior

A conta de serviços foi deficitária em US$ 3,7 bilhões em março e US$ 10,4 bilhões no primeiro trimestre. Só o item viagens internacionais foi responsável por uma despesa líquida de US$ 1,3 bilhão no mês. Já os gastos dos turistas brasileiros no exterior ficaram em US$ 1,84 bilhão em março, queda de apenas 1,3%. As despesas de viajantes estrangeiros no Brasil, por sua vez, recuaram 10,7%, para US$ 535 milhões. No primeiro trimestre, as despesas de turistas brasileiros no exterior somaram US$ 5,87 bilhões, contra US$ 5,98 bilhões no mesmo período de 2013.

— O dólar ficou mais caro e isso desestimulou as viagens — disse Maciel.

Para o economista Bruno Lavieri, da Tendências Consultoria, a redução na entrada de recursos de estrangeiros pode estar relacionada a uma mudança na dinâmica de viagens devido ao carnaval tardio, em março, já que algumas pessoas costumam emendar fim de férias e carnaval.

Lavieri estima que o déficit das transações correntes chegará a 3,9% do PIB no fechamento do ano, acima dos 3,6% de 2013. Para ele, mais grave que o crescimento dessa cifra é o fato de os Investimentos Estrangeiros Diretos — que somaram US$ 4,9 bilhões em março, contra US$ 5,7 bilhões um ano antes — não garantirem mais o financiamento do déficit em conta corrente:

— O investidor não vê grandes fatores de atração para colocar seu dinheiro no país e acaba fazendo isso por questões financeiras, atrás de juros.

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A pior petrolífera

Artigo do jornalista Carlos Alberto Sardenberg – Jornal O Globo – 27/02/2014

 

O melhor negócio do mundo é uma companhia de petróleo bem administrada; o segundo, dizia Nelson Rockefeller, é uma petrolífera mal administrada. E o terceiro, acrescentou um gaiato brasileiro, é a Petrobras.

Seria a venezuelana PDVSA a quarta?

A gestão do negócio é um desastre. Na era chavista, num momento de alta demanda pelo óleo, a empresa conseguiu perder produção e reservas. Isso foi consequência de incapacidade gerencial, na medida em que os postos de comando da estatal foram preenchidos por políticos e militantes. Menos engenheiros, mais companheiros.

Mas como petróleo dá dinheiro mesmo com ofensas, o segundo grande desastre venezuelano foi na utilização das receitas da PDVSA. O que seria o certo? Investir primeiro na própria companhia, de modo a torná-la mais produtiva e mais rica — quando, então, pagaria mais dividendos e mais impostos para o caixa do governo. Com esse bom financiamento, o governo poderia fazer as políticas sociais que quisesse.

Chávez, porém, avançou no caixa da empresa. Convenhamos que era uma tentação irresistível para um político populista: todo mês, aquela montanha de dinheiro ali, dando sopa… Precisa comprar fogão para distribuir nas favelas? Manda a PDVSA comprar. Quem precisa de petróleo e faz fogo barato? A China. Negócio fechado.

Para Cuba e outros amigos, a PDVSA passou a entregar petróleo quase de graça e, ainda assim, pago com o trabalho de médicos e agentes do serviço secreto. Verdade que os médicos também são muito mal remunerados e os agentes, muito úteis para reprimir protestos. Mas o óleo continua saindo barato para os amigos e caro para a PDVSA.

Com tudo isso, não espanta que um dos maiores produtores e exportadores de petróleo do mundo tenha conseguido ficar sem dólares. O caos econômico em que o chavismo meteu a Venezuela é o desastre da PDVSA em escala nacional.

A Petrobras não é a PDVSA — qualquer um percebe isso. Mas, olhando no detalhe, parece que tem muita gente do governo querendo imitar os companheiros venezuelanos.

A estatal brasileira divulgou lucro em seu balanço na última terça. Ontem, as ações da companhia despencaram na bolsa. As ordinárias caíram abaixo dos R$ 13. Valiam mais de R$ 50 há apenas cinco anos.

Não é especulação de mercado. Reflete, por exemplo, a queda na produção nacional, embora existindo muito petróleo para ser explorado. Uma queda tão expressiva que se a produção subir 7% neste ano — conforme promessa da empresa — voltaria ao nível de 2010. Ou seja, a empresa está fazendo muito menos do que poderia. Por isso, vale menos.

A presidente da Petrobras, Graça Foster, ali colocada pela presidente Dilma, não critica a gestão anterior, do tempo de Lula. Mas tudo que ela faz e diz é, sim, crítica a seus antecessores. Diz que, para recuperar a companhia, está cortando custos e mudando sistemas de modo a ganhar mais eficiência e eliminar desperdícios. Feitos por quem?

Também criou um programa de prevenção a fraudes. Notaram a palavra “prevenção”? Pois é, por que não colocaram “combate” à corrupção? Porque seria um ataque direto aos antecessores, também petistas, como elas, Dilma e Graça.

Mas está claro para todo mundo que o programa foi anunciado quando apareceram denúncias fortes, inclusive no exterior.

O governo brasileiro não está avançando diretamente no caixa de sua petrolífera. Mas indiretamente, está. Ao reprimir os preços da gasolina e do diesel, para combater a inflação, o governo obriga sua empresa a importar por um preço e vender aqui mais barato. Prejuízo na veia, dívida em alta.

Nesse ambiente, manda a Petrobras ampliar seus investimentos, inclusive em refinarias alocadas politicamente, uma delas, a de Pernambuco, em sociedade com, ela mesma, a PDVSA.

Graça Foster diz, em resumo, o seguinte: OK, tivemos problemas, mas daqui em diante será diferente. Mas faz algum tempo que diz isso. E faz algum tempo que não consegue seus objetivos, como a crucial correção dos preços dos combustíveis.

E há detalhes, digamos assim, que inquietam. Descobriram que a Petrobras entrou com R$ 650 mil em patrocínios para o Congresso Nacional do MST — aquele em que os congressistas tentaram invadir o Supremo Tribunal Federal. Perguntada, a Petrobras disse que o dinheiro se destinava a uma mostra de cultura camponesa, parte do congresso, e que o patrocínio se alinha com o programa da estatal na direção de uma “produção inclusiva e sustentável”.

Petróleo “inclusivo e sustentável”? Nem a PDVSA conseguiria frase, assim, mais reveladora.

 

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Agronegócio

Semana passada, vi de perto, dessa vez na cidade de Sorriso (MT) – considerada a capital nacional do agronegócio e nosso maior produtor individual de soja -, exemplos práticos das contradições que comprometem o desempenho da nossa economia.

Ao mesmo tempo em que nos orgulham os ganhos formidáveis de produtividade no campo, é desoladora a descrença dos produtores na capacidade do governo federal de prover investimentos mínimos, em logística e em infraestrutura, que garantam menores custos e maior competitividade no momento de escoar a produção. A frustração é de tal ordem que ouvi de muitos deles o desejo de plantar menos, já na próxima safra, por não haver sequer condições adequadas de armazenagem.

Leia Mais: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/aecioneves/2013/09/1338956-agronegocio.shtml

A economia piorou

Artigo da jornalista Míriam Leitão – Jornal O Globo – 03/07/2013

 

Aumentou o pessimismo em relação à economia brasileira. A queda da produção industrial de 2% em maio — período anterior ao início dos protestos de rua — mostra uma vez mais o resultado dos equívocos da política econômica. A resposta do governo diante dos novos desafios não faz sentido algum. As projeções para o PIB do ano estão sendo revistas para baixo.

Além disso, ronda a economia o medo da crise do grupo de Eike Batista e a dúvida sobre que empresas ou bancos podem ser afetadas pelos problemas do empresário. Para piorar, o mundo passa por novo período de mudanças e deslocamento do ativos.

O economista José Roberto Mendonça de Barros, da MB Associados, acha que a produção industrial tende a encolher mais no segundo semestre:

— Vai murchar porque a venda de veículos em comparação com o ano passado estará em queda. Da ótica da demanda, o que deu errado foi o consumo das famílias, que diminuiu por causa da alta da inflação. As pessoas tiraram os outros bens do orçamento e deixaram apenas o essencial, e por isso o consumo das famílias foi de apenas 0,1% no primeiro trimestre.

A queda de 2% da produção industrial de maio vem após dois meses de alta — março e abril —, uma queda forte em fevereiro, que ocorreu depois de alta forte em janeiro. Enfim, apesar da montanha-russa, o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio, acha que a tendência é de queda.

Leia o texto completo aqui

Incoerência

Ninguém questiona a importância de o país adotar incentivos à produção nacional frente à grave ameaça de desindustrialização em curso. Alcançar esse objetivo exigirá de nós, no entanto, muito mais do que um esboço de política industrial que ignora a agenda da competitividade.

Chamam a atenção os remendos dos socorros pontuais a alguns poucos privilegiados. A mais recente iniciativa nesse sentido foi o anúncio de que o Ministério da Saúde planeja pagar até 25% a mais por máquinas e equipamentos médicos e hospitalares e produtos farmacêuticos produzidos no Brasil.

Leia mais:

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/20259-incoerencia.shtml