Luta pela vida

Aécio Neves – Jornal Estado de Minas – 20/02/2016

No momento em que o Brasil mais demanda a mobilização de todas as forças da sociedade no combate aos surtos epidêmicos provocados pelo mosquito Aedes aegypti, torna-se evidente o quanto estamos despreparados para enfrentar uma crise de tamanha proporção. Ao quadro lastimável das condições de saneamento básico, resultado de anos de descaso com a saúde pública, soma-se a inépcia do poder público para o enfrentamento das adversidades.
Até aqui, infelizmente, estamos perdendo a guerra contra o mosquito. O retrato sem retoques do drama que vivemos está nos municípios brasileiros, que deveriam ser a primeira instância no combate ao mosquito e no atendimento às populações atingidas. Já fragilizados pela voracidade com que a União se apodera da maior fatia do bolo dos recursos tributários, e com a retração econômica provocando a queda no repasse do Fundo de Participação dos Municípios, os gestores municipais estão à míngua, abandonados à própria sorte.
Com os cofres vazios, não há como honrar compromissos. Em Minas, por exemplo, cerca de 40% das prefeituras já não têm como pagar os servidores públicos. Na saúde, faltam recursos para manter hospitais, custear medicamentos, ampliar os centros de atendimento e até para promover campanhas preventivas. O resultado é que, no vácuo da atuação do poder público, as epidemias proliferam, fazendo milhares de vítimas país afora.
O cenário é desolador, mas previsível. O país tem um enorme déficit na área de saneamento e de saúde pública. Mais de 42% da população urbana brasileira não tem acesso a redes coletoras de esgoto. A meta brasileira é alcançar a universalização dos serviços de água tratada, coleta e tratamento de esgotos até 2033, mas, a continuar o ritmo atual de investimentos, esse índice só será alcançado em 2054.
Além disso, as restrições orçamentárias impostas pelo governo para enfrentar a recessão econômica atingem diretamente a área da saúde. Em 2015, justo quando o país atingiu recorde de casos de dengue e viu avançar o zika vírus, o governo federal cortou em 9,2% os gastos com a prevenção e controle de doenças contagiosas.
Os municípios sentiram diretamente os efeitos da falta de recursos, a começar pela dificuldade de contratar agentes sanitários e manter as atividades de vigilância epidemiológica. Até mesmo a Fiocruz, principal instituição brasileira na pesquisa de doenças contagiosas, teve seu orçamento reduzido em 34% nos últimos dois anos.
A tragédia plantada pela crise é, antes de tudo, humanitária. Em 2015, o Brasil teve 1,6 milhão de casos notificados de dengue, com 863 mortes. E já são quase cinco mil notificações de suspeita de vítimas de microcefalia, com 462 casos confirmados. De longe, são estatísticas que assombram. De perto, são histórias de tristeza, desamparo e coragem. O heroísmo cotidiano das mães que enfrentam a falta de apoio e toda sorte de dificuldades para lutar pela saúde de seus filhos, especialmente nos municípios mais carentes, é uma página de bravura da gente brasileira. Essas mulheres estão lutando pela vida das futuras gerações. Estão lutando pelo Brasil.

Desafio

Aécio Neves – Correio de Uberlândia – 17/02/2016

Não há assunto que deva ocupar mais as autoridades públicas neste momento do que a epidemia de casos relacionados ao vírus zika. O Brasil tornou-se epicentro de uma preocupação de proporções mundiais. Todos os esforços precisam ser dedicados a combater a doença e proteger a população. Estados e Municípios estão abandonados pelo Governo Federal, como ocorre no conjunto dos serviços da saúde, em um lamentável “salve-se quem puder”.

Parece incrível que o Brasil diante de todos os gravíssimos problemas que enfrenta tenha em um mosquito seu principal inimigo da hora. Mas é a mais pura verdade. A epidemia de doenças que têm no Aedes aegypti o seu vetor – a dengue, a chikungunya e a microcefalia – é o retrato da falência de um governo incapaz de cuidar dos serviços básicos à população.

A presidente Dilma Rousseff age atrasada e age muito mal ao transformar o combate ao mosquito em uma cruzada cujo primeiro objetivo é tornar-se escudo para proteger o governo do desgaste que vive em função do fracasso econômico. A guerra contra a Aedes deveria ter sido deflagrada pelo governo do PT muito antes.

O resultado do descaso pode ser medido agora pelo tamanho do desafio que todo o País vive. Em apenas quatro meses, o número de casos de microcefalia relacionados ao zika multiplicou-se por 12. Não foi por falta de aviso. Há anos, o Brasil convive com explosões de dengue. Antes de bater recorde em 2015 e matar como nunca (quase 900 vítimas fatais), a doença vivera seu pico histórico em 2013. Não se viu ação à altura por parte deste governo que há 13 anos comanda a nação. Ilustra esta omissão o absoluto desleixo em relação a nossos centros de pesquisa.

O Instituto Butantã, por exemplo, passou meses à espera de aval da Anvisa para iniciar a fase de testes da vacina contra a dengue e, agora, clama pela liberação de verba federal para buscar um antídoto contra o vírus zika. É um tempo precioso que se desperdiça e vidas que se perdem. Nunca antes neste país, a ciência foi tratada com tanto descaso.

Transformada em uma das moedas do troca-troca político-partidário que enovela o governo petista, o Ministério de Ciência e Tecnologia perdeu mais de um quarto de sua verba ano passado, concentrado em quitar dívidas pretéritas e não em produzir mais saber. A Fiocruz viu 22% do seu orçamento serem reduzidos, desde 2014. Sem ciência, sem estrutura adequada de saneamento, o país vale-se de técnicas rudimentares de combate às doenças, apela ao voluntarismo, depende da iniciativa da população e do altruísmo de alguns cientistas. Torce pelo triunfo da sorte.

O Brasil, infelizmente, vive problemas de toda natureza, e são graves. Mas, entre todos eles, a prioridade deve ser sempre salvar vidas, dar conforto a mães e qualidade de vida a filhos que viverão com limitações pelo resto de suas vidas. É na face pungente de cada bebê vitimado que a presidente da República e o governo federal deveriam se inspirar antes de ir para a guerra contra o Aedes aegypti, e não em suas estratégias de marketing.

A Campanha da Fraternidade, lançada semana passada, elegeu como tema, para este ano, o direito essencial de todos ao saneamento público. A iniciativa é mais que oportuna. É hora de cobrar do poder público menos retórica e mais responsabilidade.

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Realidade e Marketing

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 15/02/2016

O final de semana foi pródigo em imagens planejadas com afinco para ganhar o noticiário e a simpatia popular: ministros estrategicamente espalhados pelos Estados e até a presidente da República, no Rio, na tentativa de passar a ideia de uma aliança entre governo e população, combatendo um inimigo comum.

Nada contra o esforço de mobilização nacional de combate ao mosquito Aedes aegypti. O lamentável é quando a máquina de propaganda se sobrepõe às iniciativas efetivas do poder público. Não é de hoje que a saúde pública no Brasil vai de mal a pior.

Metade das residências brasileiras não tem acesso a esgotos coletados e tratados. Ao contrário do que diz a presidente, o seu governo não prioriza o saneamento no país. Este ano, os recursos reservados no Orçamento para o setor tiveram forte queda na comparação com 2015. Sobre esse tema, é oportuno lembrar a proposta do PSDB de isentar de impostos empresas de saneamento como forma de aumentar os investimentos no setor. Assumida pela candidata Dilma como compromisso, na campanha eleitoral de 2010, foi abandonada em seguida.

O mosquito sem controle reflete omissões e erros imperdoáveis. Por exemplo: em meio a uma emergência mundial decretada pela OMS, o Ministério da Saúde atrasou em meses a entrega aos Estados de kits para exames de detecção de dengue. A vida real não comporta tal lentidão. Só nas três primeiras semanas deste ano, o número de casos de dengue cresceu 48% em relação ao mesmo período de 2015.

De 2013 a 2015, o programa de pesquisas e estudos sobre a dengue perdeu fôlego –ano passado, o pagamento efetivado pelo governo foi menos da metade do previsto. No verão de 2015 a dengue explodiu no Nordeste. Agora, temos um surto de microcefalia associada ao vírus da zika.

A realidade não comunga dos roteiros do marketing.

Apesar da grave crise enfrentada pelo país, o governo federal e as empresas públicas mantêm um bilionário orçamento de publicidade. Juntos, Petrobras, Caixa, Banco do Brasil e Correios possuem verba anual de mais de R$ 1 bilhão! No caso da Petrobras e dos Correios não há sequer o pretexto da disputa de mercado. O governo federal tem orçamento semelhante.

Pois bem, em vez de distribuir panfletos em esquinas de grandes e poucas cidades, por que não encontrar uma forma de, ao menos esse ano, destinar grande parte desses valores ao patrocínio de grandes e estratégicas ações de comunicação, informação e mobilização da sociedade? Se o dinheiro público pode patrocinar a divulgação da Olimpíada, por que não pode patrocinar também a defesa da população?

O desafio é novo, urgente e imenso. Não será vencido com mais do mesmo.

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Encontro Marcado

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 08/02/2016

A maior festa popular do Brasil está no seu auge e não cogito azedar a folia de ninguém. Os brasileiros merecem se divertir e mostrar ao mundo a sua criatividade e alegria.

Quem é capaz de organizar uma festa com esta dimensão, envolvendo grandes eventos de rua, desfiles hollywoodianos e doses infindáveis de talento e originalidade é uma gente acostumada a ver a vida com olhos de esperança e otimismo. É uma gente que não se intimida com as adversidades, que empreende com coragem e que põe o bloco na rua, faça chuva ou faça sol.

Esse Brasil vibrante e colorido bem poderia inspirar o ano que prossegue, tão logo se esvaziem as passarelas. Já na quarta-feira teremos de nos ver diante de uma realidade que não enseja grandes celebrações. Não bastasse o sofrimento com a epidemia ditada pelo mosquito Aedes aegypti, o cenário econômico e social se revela ainda mais sombrio.

A indústria teve o seu pior desempenho em mais de uma década. Sem confiança, os empresários estão deixando de investir nas fábricas e máquinas que sustentam o crescimento. A produção mensal de veículos, por exemplo, caiu para o menor nível desde 2003. A recessão fechou 1,5 milhão de postos de trabalho. Com a inflação no calcanhar, viver ficou bem mais caro. A cesta básica já custa grande parte do salário mínimo de um trabalhador. Endividados, os brasileiros promoveram, em janeiro, a maior retirada de recursos da poupança em 20 anos.

E diante do país que desmorona, o que faz o governo?

Cumprindo os ritos institucionais, a presidente da República foi ao Congresso falar de suas propostas para o ano. Infelizmente, de novo uma retórica vazia e pouco crível. A presidente claramente não tem nada a propor, além de pedir a volta da CPMF e acenar com um esboço de reforma da Previdência, imediatamente contestadas pelo seu próprio partido.

Não podemos nos conformar com a paralisia e a indecisão que caracterizam o governo, incapaz de apresentar à nação um caminho viável para a superação da crise que ele mesmo criou. É preciso agir.

O momento agora é de Carnaval. Tão logo cesse a folia, temos um encontro marcado com o Brasil real, escasso de alegrias. É nesse contexto que devemos alinhar forças e responsabilidades para construir uma agenda de trabalho capaz de mobilizar o país. Não podemos nos acomodar.

Em tempo:

Comovente e esclarecedora a reportagem da Folha em Pernambuco sobre os casos de microcefalia ligados ao vírus da zika. O trabalho dos repórteres expondo o drama de mães e filhos desamparados pela falta de assistência mostra o quanto ainda estamos distantes de assegurar às famílias o mínimo suporte para enfrentar a tragédia. O Brasil tem a obrigação de fazer muito mais.

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A vida sem começo

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 01/02/2016

“Eu tinha tantos planos para ele.” O desalento de um pai, na semana passada, ao ser informado de que seu filho recém-nascido era portador de microcefalia traduz o sofrimento das famílias já afetadas pela epidemia do vírus zika que, tendo o Brasil como epicentro, amedronta o mundo. Quem mantém viva no coração a memória do instante do nascimento dos próprios filhos, pode avaliar bem o tamanho da dor.

Já são mais de 4 mil casos suspeitos. A perspectiva é muito pior. Milhares de brasileiros sem autonomia, inteiramente dependentes, para sempre, da atenção familiar e da proteção do poder público. É uma tristeza sem fim. Chegamos a esse ponto por descuido e incompetência. Números como esses não nascem do acaso. Nascem do descaso.

O vírus zika sem controle retrata o fracasso das políticas públicas de saúde. Ações do governo são fundamentais, mas seria ingênuo supor que, nesse estágio, seriam suficientes para debelar a epidemia. Essa luta exige comprometimento efetivo de toda a nação.

Precisamos de uma grande mobilização que envolva, além do Poder Executivo em todas as esferas, empresas, instituições de pesquisa, escolas, universidades, igrejas, Forças Armadas, além da sociedade civil. Muitas vezes incorremos no Brasil em uma distorção do conceito do que é responsabilidade pública: se é pública, parece ser de ninguém quando, na verdade, é de todos. Temos, nesse desafio, uma responsabilidade coletiva.

O Congresso também precisa dar a sua contribuição. Se o governo falhou ao não prevenir a tragédia, que possamos somar forças no seu enfrentamento. Precisamos implementar ações objetivas de apoio às famílias vítimas da microcefalia e debater, com urgência, medidas efetivas que vão desde a ampliação do prazo de licença maternidade, ao suporte financeiro e ao apoio às instituições que podem ajudar essas crianças e seus responsáveis diretos a construírem a nova vida familiar.

Não podemos permitir que essas crianças sejam relegadas à sombra da omissão do poder público, quando deixarem de ser manchete de jornal. O debate deve ultrapassar a fronteira da generalidade e alcançar a dimensão concreta da realidade. Números aterrorizantes de estatísticas precisam ganhar rostos e nomes.

Precisamos ter coragem de enfrentar perguntas difíceis. Onde esses pequenos brasileiros vão se tratar? Onde famílias de baixa renda encontrarão recursos e apoio para rotinas que serão marcadas por tantas dificuldades?

Milhares de crianças serão para sempre o retrato da incompetência do governo. Que possam ser acolhidas e se transformar também no testemunho da dimensão da solidariedade brasileira. Como pais e como país, devemos isso a cada uma delas.

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Ano Novo

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 04/01/2016

Em tempos difíceis, o cultivo da esperança implica renovar o nosso estoque de confiança na humanidade. É preciso acreditar que podemos fazer melhor do que já fizemos. Essa é uma boa forma de começar o ano novo.

O ano que passou foi dramático, no mundo e no Brasil. A imagem do menino sírio inerte nas areias da praia turca escancarou a tragédia dos refugiados do Mediterrâneo –e estamos longe de equacionar este drama. Já são mais de 60 milhões os refugiados e deslocados no planeta em função de conflitos étnicos, tribais e políticos.

Não há como não se comover com o retrato de nossa impotência em conter os desmandos e a intolerância que tornam insuportável a vida para boa parte da população mundial. Mas a comoção não basta. Da mesma forma, quando extremistas fanáticos perpetram atos abomináveis de violência, seja na Síria, na Nigéria ou na França, somos conclamados a agir.

Agir significa cuidar do que está ao nosso redor. Dizer não ao radicalismo e à barbárie implica compromisso com a vida, a dignidade, a justiça. Ao longo de 2015, vivemos episódios lamentáveis no Brasil, como a tragédia ambiental de Mariana, a maior de nossa história, e o massacre rotineiro de nossos jovens, como o assassinato de cinco inocentes fuzilados numa triste noite brasileira.

Encerramos o ano imersos no fracasso econômico, fruto de uma gestão política temerária e equivocada. Demos vexame em crescimento, empregos, inflação e equilíbrio fiscal, a ponto de sermos rebaixados e perder o título de bons pagadores.

Sofremos, agora, com uma epidemia de microcefalia que promete ser uma das maiores crises da história da saúde pública no país.

No entanto, as ruas mobilizadas de paixão e vontade, de um lado, e a solidez de nossas instituições, de outro, são indicadores de que nem tudo está perdido.

Mesmo o mundo nos deu boas novas, como o reatamento das relações entre EUA e Cuba e as eleições na Argentina e Venezuela, que sinalizam um distanciamento das ideologias populistas que acabam prejudicando justamente aqueles em cujo nome dizem agir. Há pouco tempo, a Conferência Mundial do Clima terminou com um acordo histórico. São sinais que devem nos animar.

A decisão recente do papa Francisco de canonizar Madre Teresa de Calcutá, Nobel da Paz em 1979 e símbolo maior da caridade e da dedicação desmedida aos esquecidos do mundo, nos enche de esperança nestes dias propícios à reflexão.

Sim, podemos fazer mais. Escassas, as boas notícias devem ser construídas com obstinação, coragem, generosidade. Façamos o bem e o certo. Com gestos e atitudes. Com escolhas. Sempre em direção a uma sociedade mais justa e solidária. A um futuro melhor.

Teremos o 2016 que soubermos construir.

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