Combate à indústria do crime

Aécio Neves – Estado de Minas – 06/05/2017

As cenas de violência e medo a que temos assistido ocorrer no interior de Minas Gerais, com assaltos a agências bancárias e dos Correios, expõem mais uma vez o problema da segurança pública no país.

Vivemos sob o signo do terror no Brasil inteiro, nas capitais e no interior. Os números são eloquentes: são mais de 160 registros de mortes violentas por dia, ou 60 mil por ano, índice superior ao de países em guerra.

As crianças e os adolescentes são vítimas diretas dessa realidade. Por um lado, eles alimentam precocemente as estatísticas da violência. Segundo o relatório Cenário da Infância e Adolescência no Brasil, divulgado recentemente pela Fundação Abrinq, 10.465 crianças e jovens foram assassinados no Brasil, em 2015. Por outro lado, as facções criminosas têm cada vez mais recrutado menores de idade para o cometimento de crimes, jogando sobre eles a responsabilidade de tais atos.

O crime se aproveita, como poucos, da vulnerabilidade social e econômica da população infantil no Brasil. Esse mesmo relatório informa que 40% das crianças até 14 anos, no país, vivem na pobreza. Elas são a mão de obra mais disponível e frágil que o crime pode empregar.

É certo que a questão da segurança pública no país exige ações amplas e profundas, em várias frentes, incluindo o enfrentamento dos nossos desafios sociais. Mas é certo, igualmente, que não podemos ficar de braços cruzados vendo o crime avançar sobre os jovens brasileiros, com a sociedade cada vez mais refém de organizações criminosas. Nesse sentido, na última quarta-feira, dia 3, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou, por unanimidade, projeto de minha autoria, que recebeu substitutivo do senador José Pimentel, tornando muito mais rigorosa a pena para adultos que exploram crianças e adolescentes na prática de crimes.

É preciso combater com firmeza essa verdadeira indústria de utilização de menores para a prática de crimes que se formou no Brasil. O projeto traz importantes mudanças. A proposta prevê a aplicação de penas em dobro para o adulto condenado pelos crimes tipificados na Lei de Drogas e de Organizações Criminosas, sempre que houver a participação de criança ou adolescente no ato. Da mesma forma, aumenta a pena para o crime de corrupção de menores, que, pela legislação em vigor, tem penas entre um a quatro anos. Nesse projeto, pode chegar a 12 anos de reclusão para o adulto, a depender do crime cometido.

A proposta também prevê que o menor de idade autor de atos cometidos por meio de violência e grave ameaça, considerados pela Justiça como similares a crime hediondo, poderá ter sua pena ampliada para até oito anos de internação, contra os três anos autorizados pela legislação atual. Nesse período de internação, mesmo a provisória, permanece como obrigatório o acesso ao ensino fundamental, médio e profissionalizante.

Um importante avanço nos direitos já garantidos no ECA está na formalização do acesso do adolescente a trabalho externo durante o cumprimento da medida socioeducativa, desde que autorizado pela Justiça.

O desafio que a luta contra a violência impõe à sociedade brasileira é enorme. No longo e penoso embate contra o crime, cada vitória é a celebração da vida. As nossas crianças e adolescentes não podem viver à mercê de um destino cruel e injusto. É nosso dever protegê-los. Precisamos romper o ciclo vicioso e covarde que perpetua a violência e a exploração dos jovens brasileiros.

O desafio da seca

Aécio Neves – Estado de Minas – 25/03/2017

Já lá se vão mais de 500 anos, desde que o escrivão Pero Vaz de Caminha lavrou a carta inaugural da presença colonizadora no país. “Águas, são muitas, infindas”, ele relatou à corte portuguesa. A fartura hídrica é mesmo espantosa. O país ostenta a maior bacia hidrográfica do planeta e a maior planície alagável do mundo, entre outras referências superlativas. No entanto, em pleno século 21, no que se refere à gestão deste patrimônio único de água doce, o Brasil ainda apresenta um atraso secular.

A seca que assola algumas regiões do país é o retrato de uma calamidade recorrente. Entre 2003 e 2015, os casos de seca que levaram a decretos de situação de emergência ou calamidade pública no país cresceram 409%, segundo a Agência Nacional de Águas. O Nordeste vive a sua pior crise de estiagem dos últimos 50 anos, com a devastação de várias culturas agrícolas e criações de animais. Até mesmo o Distrito Federal foi obrigado a adotar o racionamento de água desde o início do ano.

Em Minas, prefeitos do Vale do Mucuri estão pleiteando junto ao governo federal o refinanciamento das dívidas dos produtores rurais com a União. Em encontros realizados esta semana, ouvi o relato contundente do impacto da seca que vem atingindo a região – parte importante do rebanho local foi dizimada, o desemprego avançou e os municípios registraram alta queda na arrecadação.

Infelizmente, o Brasil parece só funcionar no improviso do curto prazo. Em momentos de crise, anuncia-se a criação de poços artesianos, o transporte de carros-pipa e a realização de obras emergenciais. Os problemas são mitigados à custa de muito sacrifício das populações e do socorro prestado pelos bancos públicos. É preciso fazer diferente. A gestão hídrica deve ser necessariamente uma política de Estado, planejada e permanente. Há inúmeros bons exemplos no mundo de que é possível conviver com a aridez do solo e manter atividades produtivas o ano todo, como é o caso de Israel, país líder na reciclagem de águas residuais (esgoto doméstico) para utilização na agricultura.

Não há solução fácil para a questão hídrica, tal a complexidade de fatores envolvidos. O crescimento populacional e a urbanização acelerada, a industrialização, a expansão da agricultura e as mudanças climáticas são eventos que contribuem diretamente para a escassez dos recursos hídricos. Ao mesmo tempo, o país convive com desafios muito diversificados, como a destruição de florestas nativas, o desperdício na distribuição e no consumo de água, a falta de infraestrutura e de investimentos em áreas como abastecimento e saneamento público, para citar apenas alguns.

Um bom caminho parece exigir a convergência de ações de conservação do patrimônio natural, o uso de boas tecnologias e a adoção de práticas sustentáveis de administração da água, pautadas em planejamento rigoroso. Acima de tudo, precisamos de boas políticas públicas e de uma gestão comprometida com bons resultados. Afinal, nossos recursos podem ser enormes, como bem avaliou o primeiro escriba português, mas são finitos e devem ser preservados como um ativo valioso para as presentes e futuras gerações.

Reféns da violência

Aécio Neves – Estado de Minas – 11/03/2017

Somos um país em guerra. É este o sentimento quando nos confrontamos com o quadro da violência no Brasil. Nas grandes cidades ou no interior, o medo tornou-se um componente da vida cotidiana. São mais de 160 homicídios por dia, ou quase 60 mil por ano, número superior ao de uma Síria em conflito. Em sua grande maioria, as vítimas são jovens, negros e pobres.

Segundo dados do Unicef de 2014, o Brasil está em segundo lugar no ranking dos países com maior número de assassinatos de adolescentes. Uma juventude anônima e esquecida que sai de cena antes da hora e que deixa também de servir ao país. Os anos de vida perdidos atingem em cheio a economia. Estudo recente do Banco Interamericano de Desenvolvimento estima que o custo do crime e da violência alcança 3,7% do PIB brasileiro.

As mulheres são vítimas preferenciais dessa realidade de violência, notadamente a doméstica. Mesmo com conquistas como a Lei Maria da Penha e as Delegacias da Mulher, os dados do Atlas da Violência de 2016, organizado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que 13 mulheres são assassinadas por dia no país. Na semana em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, é triste constatar que ainda há tanto por fazer em prol da dignidade feminina.

A verdade é que vivemos sob risco constante. O Atlas da Violência revela ainda que, em seis estados do Nordeste, entre os anos de 2004 e 2014, a taxa de homicídio por 100 mil habitantes apresentou crescimento superior a 100%. Números como esses configuram um quadro de epidemia. Nesse contexto, importante relembrar os dados de Minas que mostram que, na mesma época, houve crescimento de apenas 1%. Entre 2004 e 2010, a taxa de homicídio caiu de 22,3% para 18%, uma redução de quase 20%.

Diante da barbárie que amedronta a sociedade, é preciso acreditar em mudanças. Creio ser perfeitamente possível combater a violência com ações de prevenção e políticas públicas mais amplas. Se o Estado se omite ou é ineficaz, os grupos criminosos, as milícias urbanas e o tráfico ocupam o território vazio. É preciso apostar em ações como a recuperação de espaços públicos, a implantação de programas de apoio às famílias em escolas situadas em áreas de risco e o envolvimento das comunidades em projetos de prevenção da violência.

Em Minas, projetos que implantamos e fortalecemos durante os nossos governos como o Fica Vivo, que reduziu em 50% o índice de homicídios entre jovens de até 24 anos nas regiões onde foi implantado, o Campos de Luz, que iluminou campos de futebol de várzea em vários municípios, e o Escola Viva, Comunidade Ativa, que incentivou a integração de alunos, professores, pais e moradores da comunidade em atividades culturais, artísticas, esportivas e recreativas na própria escola, são exemplos de iniciativas bem-sucedidas de resgate de espaços públicos em favor da população.

Além de políticas sociais e culturais voltadas para a promoção da inclusão, precisamos agir em várias frentes. Velhas questões precisam ser enfrentadas, como a descentralização necessária de recursos e poder. Os municípios brasileiros estão à míngua para cuidar da segurança de seus cidadãos. O Código Penal carece de reformas e já estamos atrasados na implantação do novo plano nacional de segurança pública.

Estamos diante de um desafio gigantesco. Esta guerra só será vencida com a cooperação efetiva do governo federal, dos governos estaduais e municipais, das universidades e escolas, das organizações religiosas, da sociedade civil e das instituições internacionais comprometidas com a questão. Há muito a ser feito, mas a tarefa não é impossível. O que não podemos aceitar é que nos tornemos reféns da violência.

A resposta está na política

O Brasil deu um passo importante esta semana rumo à implantação de uma reforma política, essencial ao ambiente de transparência e amadurecimento do país. A aprovação em 1º turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de minha autoria e do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), representa uma vitória significativa da democracia brasileira. Ao coibir a proliferação e a mercantilização de partidos políticos, a emenda contribui para ampliar a legitimidade daquelas agremiações realmente representativas das ideias e princípios de parcelas significativas da população.

Não temo dizer que o consenso inédito obtido no Senado em torno dessa proposta representa a decisão mais importante do Congresso Nacional nos últimos 20 anos, em termos de fortalecimento e racionalização do nosso processo político. A democracia tem imperfeições, mas ainda não existe nenhum outro sistema político melhor. Cabe à sociedade como um todo – e aos seus representantes, em particular – o zelo permanente quanto à conservação e aprimoramento das instâncias de representação política. A decisão tomada pelo Senado nos encoraja a seguir em frente na defesa de reformas estruturais.

As medidas aprovadas avançam em pontos absolutamente necessários ao reordenamento do processo político brasileiro. Temos hoje 36 partidos registrados no país e mais de 30 aguardando regularização junto aos tribunais regionais eleitorais e ao TSE. Essa proliferação de legendas, além de tornar inviável o bom funcionamento do Congresso, está longe de representar a pluralidade de vozes que emergem no tecido social.

Infelizmente, em que pese a existência de pequenos partidos bem fundamentados do ponto de vista ideológico e que representam parcelas legítimas do pensamento da sociedade, essa não é a marca de muitas das legendas em questão. Essas siglas de aluguel são muitas vezes trampolins para manobras que afrontam as reais escolhas dos cidadãos. É preciso dar um basta nisso. De acordo com a PEC, só terão acesso aos recursos públicos do Fundo Partidário e ao tempo de propaganda na TV e rádio os partidos que atingirem um percentual mínimo de 2% dos votos válidos em pelo menos 14 estados. A regra será introduzida gradativamente, a partir de 2018, de forma a garantir tempo suficiente para a transição e será totalmente incorporada em 2022, quando o percentual mínimo de votos a ser obtido por cada legenda subirá para 3%.

A proposta também acaba com as coligações proporcionais nas eleições para vereador e deputados estadual e federal, a partir de 2020. É o fim daquele processo que permite a um candidato, mesmo sem representatividade, se eleger às custas de um partido maior com o qual, muitas vezes, não guarda nenhuma identidade. O fim das coligações proporcionais obrigará os partidos a se fortalecerem, a discutir e se mobilizar em torno de projetos das suas regiões, das suas cidades, dos seus estados. A ter mais nitidez aos olhos da sociedade.

É muito importante destacar que a PEC não impede a criação ou atuação de partidos pequenos, que terão direitos iguais aos demais, desde que reunidos no chamado sistema de federação, atuando como blocos nos legislativos e com regras novas.

Por fim, a PEC valoriza a questão da fidelidade partidária ao prever a perda de mandato para quem mudar de partido. A regra, já válida para deputados e vereadores, se estende também a todos os outros cargos – prefeitos, senadores, governadores e presidente da República.

Este conjunto de medidas certamente vai ao encontro do sentimento da sociedade brasileira, ávida por credibilidade e legitimidade da sua representação política. O exercício da boa política é a melhor resposta ao desalento da sociedade expresso nas últimas eleições.

O recado que veio das urnas

Os brasileiros falaram alto nas eleições municipais do último domingo. Com clareza e coragem, os eleitores apontaram a direção para onde desejam ver caminhando o país. Até mesmo na elevada taxa de abstenção e de votos brancos e nulos é possível identificar as vozes que clamam por um país novo. Reconhecer este país que emerge das urnas de outubro é essencial para fundamentar as escolhas a serem feitas para o futuro.

O Brasil quer mudança. A mensagem ficou mais clara na derrota do PT em todas as regiões. Depois de governar por 13 anos, o partido perdeu quase dois terços das prefeituras que ganhou em 2012. Um desempenho tão frágil que o deixou atrás de outros nove partidos. Foi uma dieta de votos radical, com o seu eleitorado municipal caindo para menos da metade.

Ao mesmo tempo em que declarou a sua insatisfação com a forma como o país vinha sendo conduzido, o eleitor brasileiro canalizou para a representação política que mais personificou a oposição ao petismo um testemunho inequívoco de confiança. O PSDB conseguiu resultados extraordinários. Nada menos que 17,6 milhões de votos para seus prefeitos e nove milhões para os vereadores.

Com isso, o PSDB se transforma no partido político que maior volume de votos recebeu em todo o país. É também o partido que elegeu proporcionalmente o maior número de prefeitos em relação à eleição de 2012. A partir de janeiro próximo, pelo menos 793 municípios brasileiros terão prefeitos tucanos – número esse que poderá se ampliar com os resultados do segundo turno. Em Minas, o PSDB já elegeu 132 prefeitos, enquanto o PT apenas 41.

A forma como o PT se apropriou do Estado para sustentar um ciclo político de continuidade, a inépcia e leniência na gestão dos recursos públicos, o desvio das bandeiras éticas e a tragédia econômica provocada por crenças equivocadas, afundando o país em uma das maiores crises de sua história, tudo isso constitui um retrato definitivo do Brasil que não queremos mais.

Em contraponto, o PSDB se apresenta como um partido que manteve a sua coerência programática, com posições claras em defesa de uma gestão responsável do ponto de vista econômico e fiscal, com uma agenda pública comprometida com a retomada do crescimento, com a eficiência administrativa, com o aperfeiçoamento dos programas sociais, com a visão de um país moderno e globalmente integrado. Só assim conseguiremos avançar, de fato.

O que as urnas também ecoam, não esqueçamos disso, é que há uma distância ainda expressiva entre a sociedade e a representação política parlamentar. Aparentemente menos interessados em política, o número de jovens eleitores entre 16 e 17 anos caiu 20% no pleito recente. Não se pode desperdiçar o vigor, a criatividade e a capacidade de mobilização desta parcela de brasileiros. A presença da juventude na vida pública é essencial para a reconstrução do país que se projeta desde o colapso do governo Dilma e que precisa ser aprofundada com a implementação de reformas estruturais.

É a hora de dar uma resposta clara a todos que votaram pela mudança. É alinhado com este sentimento de transformação que caminha o PSDB. Em direção a um país muito melhor.