Pronunciamento em homenagem a Tancredo Neves no Senado Federal

Foto: Alexssandro Loyola


Senhoras e senhores,

Nos reunimos todos aqui hoje para celebrar os 40 anos da redemocratização do Brasil. Triste o povo que não conhece e valoriza a sua história, pois ele terá muito maior dificuldade para construir o seu futuro.

Muitos brasileiros merecem hoje ser aqui homenageados. Mulheres, homens e jovens de todas as partes do país que com seu apoio e mobilização tornaram possível que a transição ocorresse. Homens públicos como Ulysses, Teotônio, Montoro e tantos outros devem sempre ser lembrados e homenageados, pois foram fundamentais para que chegássemos até aqui.

Mas peço licença aos senhores nesse meu despretensioso pronunciamento para me ater ao Presidente Tancredo Neves e ao seu decisivo papel em todo esse processo que nos trouxe ao mais longo período democrático da nossa história.

Antes disso, devo deixar, por dever de justiça, uma palavra de reconhecimento afetivo, mas também político, ao papel essencial e decisivo desempenhado pelo Presidente José Sarney, que todos nós hoje homenageamos, na consolidação do processo de redemocratização do Brasil.

Sua absoluta fidelidade aos compromissos democráticos de Tancredo e sua liderança na garantia de elaboração de uma Constituição democrática e justa, nos permitiram chegar até os dias de hoje, mesmo que atravessando turbulências e enfrentando, ele próprio, inúmeras incompreensões.

A vossa excelência, Presidente José Sarney, em nome da família do Presidente Tancredo Neves, mas também como homem público e como cidadão brasileiro, o meu mais profundo reconhecimento.

Peço, nesse instante, às senhoras e aos senhores parlamentares aqui presentes, licença para trazer aqui um depoimento muito pessoal que já tive oportunidade de fazer em alguns momentos nesses 40 anos que nos separam daquele histórico 15 de março de 1985.

Gostaria de falar hoje sobre Tancredo o homem, sobre Tancredo, o líder, que em silêncio nos relembrou uma antiga, verdadeira e valiosa lição: a de que existem causas que valem mais do que nós mesmos.

Não vou me ater à biografia formal do Presidente.

Em homenagem a ele, e aos desafios que, como parlamentares, enfrentamos todos os dias no Congresso Nacional, vou falar de escolhas.

Porque foram as escolhas que Tancredo fez ao longo da sua vida que o transformaram no homem que ele foi: um homem capaz de liderar multidões e de enternecer indivíduos.

Dizem que os verdadeiros líderes são raros. Porque são poucos os homens capazes de se fundir e se confundir, em determinado momento da história, com o seu próprio povo.

Líderes são fundamentais. Não apenas pelas decisões que são capazes de tomar, mas também por aquilo que são capazes de representar.

Tancredo foi um líder na acepção maior que esta palavra possa trazer.

Por ser um líder, fez as escolhas que fez. E as escolhas que fez fizeram dele um líder ainda maior.

À primeira vista, parece existir dois Tancredos.

Um, extremamente ameno no trato e nas palavras. Outro, corajosamente radical nas ações e nos gestos.

A fusão dos dois fez um homem por inteiro. Comprometido, sempre, com a ordem democrática.

Absolutamente leal aos compromissos assumidos, honrando sempre a palavra empenhada, transformou-se num interlocutor necessário na cena política brasileira durante décadas.

E nunca buscava os holofotes.

Ele costumava dizer: “Na política, só se lembram de mim na hora da tempestade”.

Tancredo assumiu lugar de importância nacional em 1953. Com apenas 43 anos de idade, foi escolhido pelo presidente Getúlio Vargas como seu ministro da Justiça. Havia sido opositor do Estado Novo, advogara para trabalhadores e chegou a ser preso duas vezes naquele período. Mas considerava que Getúlio, ao ser eleito, ganhara legitimidade popular.

Foi fiel ao Presidente Vargas até o fim.

Em 1954, na última reunião do ministério, quando ministros militares já se afastavam de Getúlio e do cumprimento da Constituição, defendendo o afastamento do Presidente, Tancredo pediu autorização a Getúlio para ir pessoalmente dar voz de prisão aos militares rebelados.

“Mas você pode ser morto”, disse um dos ministros presentes. “A vida nos reserva poucas oportunidades de morrer por uma boa causa e essa é uma delas”.

Tancredo costumava se lembrar da última noite de Getúlio com emoção.

Sempre dizia que não conhecera ninguém em quem o senso de dever e o amor ao país fossem tão fortes.

Em reuniões de família, nos lembrava da noite em que já se preparava para sair do Palácio do Catete quando o Presidente Vargas o chamou e lhe entregou a sua caneta pessoal que guardamos com muito carinho até hoje:

“Uma lembrança desses dias conturbados”, disse ele.

Tancredo guardou a caneta que, viria a saber mais tarde, o presidente havia acabado de utilizar para assinar a carta testamento.

Minutos depois, quando já saía do prédio, escutou o tiro com que Getúlio se suicidara. Correu aos seus aposentos e ajudou a filha dele, Alzira, a socorrer o pai.

Dizia que os olhos do presidente circularam pelo quarto, passaram pelos dele até se fixarem nos da filha. Ele morreu olhando para ela.

Extremamente abalado, Tancredo chegou para o enterro do presidente Vargas em São Borja, no Rio Grande do Sul. Fazia muito frio. Oswaldo Aranha lhe emprestou um cachecol que ele guardou, dobrado, na sua gaveta de memórias por toda a vida. Está lá até hoje.

De São Borja, enviou um telegrama ao então governador de Minas, Juscelino Kubitschek, denunciando a ação das forças golpistas. Há quem pense que o suicídio de Getúlio tenha atrasado em dez anos o golpe militar. O ano de 1964 poderia ter chegado em 1954.

Em 1961, a renúncia do presidente Jânio Quadros surpreendeu todo o país. O vice-presidente, João Goulart, se encontrava na China e começaram as articulações para impedir a sua posse. Tancredo divulgou um manifesto à Nação pedindo respeito à ordem democrática e que fosse garantida a posse do vice-presidente. O ambiente político se agravava. Prioritário naquele momento era garantir que Jango chegasse ao país e tomasse posse.

Diante da radicalização de setores militares, surgiu a solução parlamentarista. Tancredo vai de avião ao encontro de Jango no Uruguai.

Haviam sido, amos, ministros de Getúlio. A confiança entre os dois fora selada na antecâmara de uma tragédia, em um momento de crise, em que o caráter e a fibra de um homem não podem se ocultar atrás de discursos ou palavras.

Por isso tinha que ser Tancredo – e não outro – a entrar naquele avião.

Importante naquele momento era garantir que o presidente tomasse posse. Era evitar que 1964 chegasse em 1961.

Jango tomou posse. Tancredo foi indicado primeiro-ministro. Deixou o posto de chefe de governo em 1962 para disputar as eleições para a Câmara dos Deputados. Eleito, transformou-se em líder do governo João Goulart.

Chegou 1964.

O presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, declara vaga a Presidência da República, apesar de o presidente João Goulart se encontrar em solo brasileiro. Diante de uma Casa silenciosamente acovardada, escutam-se algumas vozes e gritos inconformados no plenário. Quem ouvir com atenção o áudio dessa sessão vai escutar, nesses gritos, as vozes da consciência nacional. Eu já ouvi algumas vezes. Uma voz se destaca: “Canalhas, canalhas, canalhas!” Era Tancredo.

Naquela época, também deputado, Almino Afonso conta: “Até hoje me recordo com espanto do deputado Tancredo Neves, em protestos de uma violência verbal inacreditável para quantos, acostumados à sua elegância no trato, o vissem encarnando a revolta que sacudia a consciência democrática do país. Não deixava de ser chocante ver a altivez da indignação de Tancredo e o silêncio conivente de muitas lideranças do PSD”, encerra Almino.

O jornalista José Augusto Ribeiro diz que, ao sair dessa sessão, o indignado Tancredo deu uma entrevista premonitória: “Acabam de entregar o Brasil a 20 anos de ditadura militar!”

Foram 21!

Tancredo enfrentou os soldados para se despedir pessoalmente de Jango.

E o 1964, adiado tantas vezes, finalmente chegara.

O primeiro momento, fortemente simbólico, foi a eleição do marechal Castelo Branco. Tancredo foi o único deputado do PSD a negar seu voto ao Marechal.

Vieram as cassações. Os inquéritos policiais militares. Nem ex-presidentes da República foram poupados. Juscelino foi convocado a depor. Não foi sozinho. Tancredo o acompanhou aos depoimentos. Solidário e solitário.

Exilado, o talvez mais festejado presidente que o país já tivera, se dirigiu ao aeroporto para deixar o Brasil. Era o ex-presidente bossa nova. Era o ex-presidente da República que seguia rumo ao exílio.

Apenas três pessoas acompanharam JK até o avião. Duas eram da família. A outra era Tancredo.

E uma das primeiras cartas escritas de próprio punho pelo ex-presidente logo após desembarcar no exílio foi dirigida exatamente a Tancredo. Escreveu Juscelino:

“Lembro-me bem que a sua, Tancredo, foi a última mão que apertei antes de me dirigir ao avião… Creio que a democracia terá forças para se levantar, sobretudo, porque sobraram homens como você que a poderão irrigar, mantendo-lhe o vigor para novas arrancadas”.

Estava certo. Seguem-se anos de um paciente ostracismo para Tancredo.

Morre o presidente João Goulart no Uruguai. O governo militar a princípio se recusa a permitir que ele seja enterrado no Brasil. Começam diversas articulações. Tancredo recusa conselhos e vai ao general Golbery do Couto e Silva:

“Ninguém pode negar a um Presidente o direito de descansar entre o seu povo!”, disse ele.

E, quando a conveniência indicava o contrário, lá estava Tancredo, de novo, em São Borja.

Mais uma vez, contamos com a memória de Almino Afonso que relembrava: “Tancredo era a única liderança de porte nacional presente no cemitério”.

Era o ano duro de 1976.

Juscelino morre.

De pé, durante toda a noite e madrugada, como numa reverência cívica, Tancredo velou o presidente. E é de Tancredo o mais forte e emocionado discurso em homenagem ao ex-presidente.

Trinta anos depois, é a vez de 1984. A campanha das Diretas Já ocupou as ruas e o coração do país. Tancredo participou, articulou, discursou. Mas conhecia, como ninguém, a história, a política e o Brasil.

Ali estavam maduras as condições para deixar 64 para trás. Ideal que fosse pelo voto direto, claro. Se não pudesse ser, que fosse por outro caminho. Importante era abrir a porta de saída. Apenas protestar não fazia mais sentido naquele momento.

Os anos de 1954 e 1961 ainda estavam muito vivos em sua memória.

Mas a travessia não foi feita sem riscos e sobressaltos. A arquitetura daquele processo, como eu acompanhei de tão perto, precisava de estratégia, coragem e, principalmente, do apoio da sociedade e de todas as forças democráticas do país, independentemente de suas diferenças ou convicções ideológicas.

O que estava em jogo, a ruptura definitiva com os 21 anos de autoritarismo, justificava toda essa união.

Logo após a homologação de seu nome como o candidato das oposições no colégio eleitoral, sob o olhar incrédulo de alguns assessores e de várias lideranças políticas que acreditavam que Tancredo naquele momento deveria concentrar seus esforços nos votos do colégio eleitoral, Tancredo marca, e tive a honra de redigir as suas escolhas pessoas, uma intensa agenda de comícios e atos públicos por todo o Brasil.

“Precisamos que as pessoas continuem mobilizadas nas ruas”, dizia ele, serenamente alerta.

A transição ainda não se concluíra.

Mesmo após sua vitória no colégio eleitoral, ele manteve a vigilância. Ter sido testemunha de outros episódios marcantes da história lhe obrigava a isso.

E, rapidamente, sem alarde, organizou uma viagem ao exterior com um grupo pequeno de assessores, éramos oito pessoas apenas, para se encontrar com as principais lideranças democráticas da Europa e das Américas, buscando ali o testemunho e o apoio desses líderes à transição que se iniciara no Brasil, mas que, para ele, só estaria concluída com sua posse no histórico 15 de março que celebramos hoje.

E em um ato extremo de amor ao Brasil e à democracia, retardou o quanto pode a cirurgia a que deveria se submeter, com receio de que sua eventual ausência viesse a estimular forças reacionárias, ainda inconformadas com o iminente fim do regime a algum ato extremo de retrocesso.

O restante da história, todos nós conhecemos.

Mas me permitam aqui um registro pessoal, acreditando que os erros nos devem servir de lição exatamente para não voltarmos a cometê-los.

Me lembro que até na véspera da eleição que ocorreria no dia seguinte, em 14 de janeiro de 1985, decolamos aqui de Brasília para uma reunião em Minas com o Senador Itamar Franco. Era o último ato político antes da eleição que ocorreria na manhã seguinte. Fomos e voltamos naquela mesma noite. Ao entrarmos no avião para decolarmos de volta, ele perguntou a mim e a outras duas pessoas que o acompanhavam: “Notícias do PT”?

Não, nós não tínhamos.

Até o último instante Tancredo aguardou que o Partido dos Trabalhadores, cuja criação ele saudara 5 anos antes e considerava extremamente importante para o país e para a democracia, se unisse aos demais democratas para todos juntos derrotarmos definitivamente o regime autoritário no Brasil.

Não era uma questão votos, mas o simbolismo que a união de todas as forças democráticas traria naquele momento ainda carregado de incertezas.

Mas, não.

O PT negou a Tancredo e ao Brasil seu apoio e, mais do que isso, expulsou seus 3 deputados, José Eudes, Ayrton Soares e Beth Mendes, que homenageio neste ato e que ousaram ouvir naquele instante a consciência nacional e as suas próprias consciências, para que o presidente Tancredo pudesse, no primeiro instante, logo após declarada a sua vitória, subir na tribuna do Congresso para anunciar:

 “Esta foi a última eleição indireta da história deste país”.

A esses parlamentares e a todos os brasileiros, anônimos ou não que participaram daquele extraordinário movimento cívico que os permitiram estar aqui hoje, o meu reconhecimento.

Mas a história, Senhoras e Senhores, seguiu o seu curso e, de novo, era ele, Tancredo, que precisava tomar e conduzir aquele avião. Um novo voo para um novo resgate da ordem democrática.

E ele nos lembrava sempre: “A pátria não é a aposentadoria dos heróis, mas permanente tarefa a cumprir”.

Getúlio, Juscelino e Jango sabiam muito bem do que ele estava falando. Sabiam o que havia custado chegar até ali.

O avião em busca da rota democrática decolou novamente. Dessa vez, o piloto não desembarcou, mas conduziu o voo a um pouso seguro. E foi seguro porque estava lá vossa excelência para aguardá-lo.

Afonso Arinos certa vez disse que “alguns homens dão a vida pelo país. Tancredo deu mais, deu a morte”.

Lembro-me, Senhoras e Senhores, Presidente José Sarney, caminhando para encerrar, dos olhos marejados de Tancredo recordando com respeito e reconhecimento o extremado senso de compromisso de Getúlio com o país.

“Ele sabia o que estava em risco”, costumava nos dizer nos almoços de família. “Vocês não imaginam o que foi a multidão que acompanhou o funeral do presidente Vargas. Foi ela, em torno do caixão do presidente, que selou o pacto que impediu, naquele momento, o retrocesso da ordem democrática”, insistia em nos explicar e ensinar.

Mal sabia Tancredo que 31 anos depois, em 1985, uma outra multidão velaria o corpo de um outro presidente da República.

E que ele também deixaria a vida para entrar na história.

Pronunciamento nos 35 Anos da Constituição Federal

Sr. Presidente, senhoras e senhores membros da Mesa Diretora destes trabalhos, Sras. e Srs. Parlamentares Constituintes e demais convidados desta sessão histórica, caro Presidente, permita-me lembrar muito rapidamente um ex-Governador do nosso Estado, as Minas Gerais, que teve por muito tempo também uma cadeira aqui no Plenário desta Casa, o Francelino Pereira, que costumava dizer que, quando a autoridade maior, no caso, ele, o Governador, estava presente, todos os demais oradores estavam dispensados de ler a nominata.

Então, peço licença a V.Exa., Sr. Presidente, para na sua pessoa cumprimentar os demais membros da Mesa Diretora destes trabalhos e passar a fazer aqui uma reflexão extremamente pessoal de alguém que viveu — e viveu intensamente — como um jovem, um dos mais jovens Parlamentares que aqui chegava, o mais sublime momento do Congresso Nacional. Nós certamente assistimos a uma inédita reconciliação da sociedade brasileira com os seus representantes.

Eu começo fazendo também um registro histórico de que a ideia inicial do Presidente Tancredo Neves, que havia sido eleito com um discurso nesta mesma tribuna que eu ocupo hoje no Colégio Eleitoral, era de que a Assembleia Nacional Constituinte se iniciaria com uma espinha dorsal, com um pré-projeto que seria a base das discussões que aqui se dariam.

Depois, com o falecimento do Presidente Tancredo, o Presidente Sarney — e aqui é importante que se faça um justo registro, muitas vezes omitido, da importância do Presidente Sarney, que foi, na verdade, quem convocou a Assembleia Nacional Constituinte para que os trabalhos se dessem daquela forma, daquela maneira — optou por iniciar do zero.

Isso, se trouxe alguns desencontros, o acirramento dos ânimos em alguns debates, e vão se lembrar disto os Senadores Renan Calheiros e Paulo Paim, que aqui estavam, possibilitou que esta a Casa, Senador Rodrigo Pacheco, fosse ocupada, literalmente, fisicamente, pelos mais diversos movimentos da sociedade brasileira, de direita, de esquerda, movimentos ambientais, movimentos sociais, o agronegócio, enfim, todos tinham espaço para debater os mais variados temas e faziam isso com uma certa harmonia. Esses corredores, essas galerias, hoje ocupados por jovens estudantes, eram permanentemente lotados por setores da sociedade brasileira que queriam influenciar de forma definitiva na construção dos nossos destinos.

Certamente, longe disto, não fizemos uma Constituição perfeita. Ao contrário, ela trouxe desencontros, ela é por demais detalhista, mas foi ela que nos permitiu superar, nos anos recentes, momentos graves para a democracia brasileira, com o impeachment de dois Presidentes da República, com os inomináveis atos do dia 8 de janeiro, sem que as nossas instituições de qualquer forma estivessem abaladas.

Foi essa Constituição, foram esses debates que permitiram que nós passássemos a ter uma jornada de trabalho de 8 horas diárias e 44 horas semanais, o 13º salário, o direito ao aviso prévio, a licença-maternidade de 120 dias, a licença-paternidade, o direito de greve. Qualquer cidadão que entrou no mercado de trabalho após a promulgação da Constituição, colega Valmir, talvez ache que esses direitos já estavam incorporados na sua vida sem que houvesse qualquer esforço para isso, mas eles só ocorreram porque os debates nesta Casa vieram de forma extremamente calorosa, franca e ampla.

Portanto, todos nós que de alguma forma tivemos o privilégio de testemunhar aqueles momentos sentimos, Sr. Presidente, um certo orgulho, uma certa ponta de satisfação ao ver que aquela Constituição, tão combatida e tão atacada nos seus primórdios, é hoje quase uma unanimidade nacional.

Certamente, os avanços na área da saúde, que é pela primeira vez considerada um direito social, um direito do cidadão brasileiro, ou os avanços na educação que estabeleceram os limites de participação de cada ente federado na construção de uma educação de melhor qualidade no Brasil, tudo isso contribui para que nós hoje estejamos, de forma geral, através dos mais variados espectros ideológicos da vida brasileira, celebrando a nossa Constituição.

Mas não foi sempre assim. Eu me permito, com enorme franqueza, Sr. Presidente, em respeito à história, fazer aqui alguns registros. A vida dá a nós homens públicos oportunidades extraordinárias, muitas vezes até a de escrever um novo destino ou um futuro para a nossa sociedade, como aconteceu na Assembleia Constituinte, mas ela não dá a nenhum de nós, nem àqueles que se acham circunstancialmente e excessivamente poderosos o poder de reescrever a história. Não. A história está lá com os seus fatos, a história está lá com os seus registros para nos ensinar a não cometer os erros do passado novamente.
Caro Senador Renan, triste é um povo ou uma sociedade que não conhece a sua história, porque terá muito maiores dificuldades, Deputado Marcel, de construir o seu futuro.

E faço aqui um registro histórico, uma lembrança que me parece oportuna, porque eu estava sentado nessas cadeiras, eu via quão frágil era a Constituição nos seus primórdios, nos seus primeiros meses, nos seus primeiros anos. O combate a ela era muito grande. Nenhum dos setores aos quais eu me referi, senhoras e senhores, jovens que nos acompanham, estava plenamente satisfeito com o desfecho da nossa Carta Magna, o que era positivo. Não poderíamos ter uma Constituição que atendesse a determinado segmento totalmente em detrimento de outro. Ela era, na verdade, a busca da síntese, do equilíbrio entre as várias proposições. Mas, desde o seu início, demonstrava de forma clara que tinha uma prioridade, que era os avanços sociais. Inclusive o Capítulo dos Direitos Sociais, diferente de todas as Constituições anteriores, passa a ser o segundo dessa Constituição, atrás apenas dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, como uma sinalização à sociedade brasileira de que aquela era a nossa prioridade absoluta.

Mas infelizmente, Sr. Presidente, no momento mais difícil de afirmação daquela Constituição que os analistas não sabiam se duraria 6 meses, se duraria 1 ano ou anos, ela caminha hoje para ser a mais longeva de todas as Constituições da nossa era republicana, já que a primeira delas, a Constituição da República de 1889, completou 43 anos, não muito distante dos 35 anos que comemoramos hoje.

Mas eu me lembro e trago aqui esse registro — peço licença a todos para tratá-lo como uma reflexão histórica —, que, no dia 22 de setembro de 1988, reunimo-nos nesse plenário lotado todos os Srs. Constituintes, as galerias repletas de participantes, para encaminharmos a votação do texto final da nossa Carta Magna. Todos estavam compreendendo as suas limitações, os equívocos que poderiam constar do texto, mas também a relevância e a importância de aprovarmos a nossa Constituição.

Houve uma voz dissonante, Sr. Presidente — e fica aqui o registo histórico principalmente às novas gerações. Um importante Líder partidário subiu nesta tribuna que ocupo hoje e disse: “Ainda não foi desta vez que a classe trabalhadora pôde ter uma Constituição efetivamente voltada para os seus interesses. Ainda não foi dessa vez que a sociedade brasileira, a maioria dos marginalizados vai ter uma Constituição em seus benefícios”. E, dessa forma, encaminhou o voto “não” e levou o seu partido a ser o único a votar contra a Constituição que hoje todos homenageiam. Essas palavras foram do, então, Líder do PT nesta Casa, Luiz Inácio Lula da Silva, hoje Presidente da República.

Reconhecer os erros e equívocos do passado é o caminho mais sensato, é o caminho mais curto para não voltarmos a cometê-los no futuro.

E faço aqui esse registo, porque, naquele momento, o PT incorreu novamente e repetiu um erro que havia cometido há 3 anos, quando o Presidente Tancredo Neves — repito —, nesta tribuna, anunciou ao Brasil que: “Esta será a última vez que o colégio eleitoral se reunirá”. Falava de forma premonitória, porque já são quase 40 anos em que as eleições diretas prevalecem no País. Pedia o apoio e a compreensão de todos os atores políticos aliados ou não. E, naquele momento, infelizmente — e essa mágoa ele levou pelo restante da sua vida —, o Partido dos Trabalhadores não só não votou pela conclusão do processo de redemocratização, como expulsou os Parlamentares que ousaram votar a favor de Tancredo, cuja eleição garantiu a convocação da Assembleia Nacional Constituinte.

Fica aqui, Sr. Presidente, este registro de que todos nós erramos. A Constituição certamente tem muitos erros. É natural que, em qualquer obra humana, os erros estejam presentes. Mas quem sabe, nesta oportunidade de tantas homenagens à Constituição e à própria Assembleia Nacional Constituinte, não tenha chegado, Sr. Presidente, mesmo que tardiamente, o momento de o Presidente da República, Líder até então do seu partido nesta Casa, e que hoje está convalescente de uma recente cirurgia e desejamos a ele pronta e plena recuperação, quem sabe, fica aqui uma sugestão neste momento emblemático em que o Congresso Nacional se reúne para saudar a nossa Carta Magna, não seja o momento de ele se dirigir à sociedade brasileira e ao País e pedir desculpas pelo equívoco que seu partido cometeu? Se houvesse vencido essa posição, nós não teríamos esta Carta Magna que garante a democracia no Brasil e que todos nós respeitamos e hoje aplaudimos.

Pronunciamento de Aécio Neves em seminário da CPLP – Lisboa – 11-11-21

Pronunciamento do deputado Aécio Neves durante o seminário internacional Jornada Agostinho da Silva – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

Lisboa (Portugal) – 11-11-21

Boa tarde aos senhores e senhoras que prestigiam hoje este evento.

Quero cumprimentar o presidente da Câmara dos Deputados do meu país, deputado Arthur Lira, grande responsável pela viabilização desse nosso encontro, ou talvez melhor dissesse reencontro. Obrigado presidente Arthur Lira pela disposição em apoiar esta iniciativa. Quero saudar o presidente da Assembleia Popular de Guiné-Bissau, com muita honra nossa aqui se faz presente, Dr. Cipriano Cassamá, uma honra tê-lo aqui presidente. Quero saudar da mesma forma o presidente do grupo parlamentar de amizade Brasil-Portugal, caríssimo deputado Nuno Carvalho, dedicado muito a este tema e a essas nossas relações.

De forma também muito especial saúdo e agradeço a presença ilustre do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que também prestigia este evento. Caríssima colega senadora Kátia Abreu, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado Federal, corresponsável também por este evento, a minha saudação, o meu agradecimento por esta extraordinária parceria e, em seu nome, me permitam cumprimentar os inúmeros parlamentares brasileiros que aqui hoje se fazem presentes. Deputados e senadores.

E é com enorme honra que os saúdo, em nome da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara dos Deputados, cada uma das senhoras e dos senhores que se dispuseram a participar desse reinício das nossas relações.

A Língua Portuguesa que nos aproximou é a mesma que nos permite avançar como comunidade. Fomos sete países na criação, há 25 anos. Hoje somos nove países que buscam aprimorar sua capacidade de entendimento e cooperação. E estamos bem acompanhados: nesses 25 anos. 18 nações amigas se tornaram Estados associados da CPLP. Todos com o objetivo primeiro de contribuir para a promoção da nossa língua portuguesa e nossos laços culturais.

Imbuídos desse espírito da amizade, não poderíamos deixar de homenagear, neste jubileu de prata da CPLP, Agostinho da Silva, cuja trajetória é síntese da história que compartilhamos. Agostinho da Silva dizia que “o brasileiro é o português à solta”. Podemos ir mais longe e reconhecer que nossa comunidade é a língua portuguesa à solta.

Com esse espírito aventureiro, tão característico de nossos irmãos lusitanos, Agostinho deixa Portugal em 1944 e busca abrigo no Brasil, onde se naturalizou em 1958. Em um exemplo extraordinário do potencial que imigrantes trazem para nossas nações, deixou como legado, no Brasil, pelo menos quatro universidades: na Paraíba, em Santa Catarina, Brasília e Goiás.

Agostinho da Silva não declarava o Brasil país do futuro porque estivesse atrasado, mas porque precisaria esperar até que a Europa evoluísse, segundo ele considerava, no que realmente interessa, ou seja, nas “capacidades de simpatia humana, de imaginação artística, de sincretismo religioso, de calma aceitação do destino, de inteligência psicológica, de ironia, de apetência de viver…”.

Inspirado em Agostinho da Silva, a quem considerava como “o grande formulador de tempo novo da lusofonia”, José Aparecido de Oliveira, aqui hoje representado seu filho José Fernando Aparecido de Oliveira, lança as bases do Instituto Internacional da Língua Portuguesa sob a orientação do presidente José Sarney, na histórica São Luiz do Maranhão.

Quando o grande José Aparecido se tornou embaixador do Brasil aqui em Portugal na década de 1990, levou adiante suas ações que resultaram na criação do Grupo de Concertação em 1994, e, finalmente, na nossa Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, em 1996.

Como dizia um poeta da minha terra Carlos Drummond de Andrade, neste “mundo, mundo, vasto mundo”, mais do que países, nossa língua reúne povos. E é isso que estamos aqui hoje celebrando. Nossos povos anteviam um mundo onde o desenvolvimento econômico conjunto será capaz de erradicar a pobreza, que ainda atinge duramente grande parte dos 300 milhões de habitantes de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Desde 1996, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa constrói instituições que harmonizam a cooperação técnica internacional. Sempre respeitando a soberania de nossos países, a CPLP vem se esforçando igualmente para promover o aperfeiçoamento das práticas democráticas e da boa governança em nossas nações.

Senhoras e senhores, são inúmeros os desafios que temos no presente. Quando enfrentamos o triplo desafio, num só momento, da pandemia, da pobreza e da mudança do clima, a cooperação mais do que nunca é relevante. Já avançamos juntos em áreas centrais para nossa própria sobrevivência, mas tenho certeza que podemos fazer ainda muito mais.

O atual desequilíbrio entre vacinados e não vacinados no mundo é inaceitável. Temos no Brasil, por exemplo, várias instituições capazes de contribuir para o esforço de incrementar a produção mundial de vacinas e medicamentos anti-COVID. Esse é o papel que a sociedade brasileira pode desempenhar desde já, e contando com a colaboração do Congresso Nacional. Aprovarmos recentemente, também com o apoio do presidente Arthur Lira e de um grande número de parlamentares, alguns deles aqui presentes, a nossa nova lei de patentes. Nós a flexibilizamos, permitindo que, em situações de pandemia, possamos avançar de forma rápida, produzindo medicamentos não só para o consumo interno nacional, mas também para atender países que ainda não tiveram acesso a eles.

Nossa cooperação na agenda de clima também deve se aprofundar. O Brasil tem matriz energética limpa e larga experiência em tecnologias verdes, como os biocombustíveis. Devemos, portanto, avançar na transferência de tecnologia dentro dos países da CPLP. Não será impondo metas inatingíveis e discriminando a agricultura tropical que vamos superar os desafios da mudança do clima. Não nos esqueçamos de que o conceito de sustentabilidade inclui também os pilares econômico e social. Quanto mais barreiras ao comércio, maior a pobreza entre as nações.

Senhoras e senhores, vamos iniciar nossa jornada rumo aos próximos 25 anos da CPLP já de posse do recém-concluído Acordo sobre Mobilidade entre os Estados Membros da CPLP, celebrado em julho, em Luanda. O instrumento terá a capacidade de nos deixar mais próximos, e quanto mais mobilidade tivermos, maior nosso sentimento de pertencimento à nossa comunidade.

Aproveito também para agradecer a presença entre nós do Dr. Zacarias da Costa, secretário executivo da CPLP que nos recebeu nesta manhã em um belo evento por ele preparado.

Para esses próximos 25 anos, precisamos promover a produção e disseminação de conteúdos impressos e audiovisuais em língua portuguesa e encarar de forma estratégica a presença de comunidades lusófonas em países que não são os nossos. Essas minorias, espalhadas por todos os continentes, são os verdadeiros embaixadores de nossa língua no exterior. Estou absolutamente convencido de que, além de ser um oceano que veicula cultura há quase mil anos, a língua portuguesa é um instrumento geopolítico capaz de potencializar objetivos diplomáticos comuns.

Quero, ao final da minha fala, fugindo do protocolo, dizer que o que estamos buscando é uma integração cada vez maior das nossas nações. Ela se dá de várias formas. Mas existe uma que é muito natural, que nos une, nos emociona, nos faz rir e nos faz chorar que é o esporte. E dentro do esporte temos um vínculo que se dá através do futebol que poucas outras regiões do mundo têm. Nos aproxima e nos faz sentir muitas vezes uma só nação.

E eu tenho uma honra muito grande de poder ter presente aqui hoje uma figura que simboliza muito isso e que se dispôs a colocar o seu talento, a sua visibilidade, mas também o seu trabalho social à disposição da CPLP, funcionando quase que como nosso embaixador. Eu queria, portanto, antes de ouvir os demais membros da mesa, chamar aqui ao palco, se me permitam os senhores, o futebolista, recordista de prêmios e de campeonatos, mais recentemente medalha de ouro nas Olimpíadas de Tóquio, o grande Daniel Alves. Por favor, Daniel, chegue aqui e traga um pouco dessa sua naturalidade, dessa sua compreensão da relevância dessa parceria que hoje estamos aqui construindo. Seja bem-vindo.

Pronunciamento de Aécio Neves durante homenagem a Tancredo Neves – 27-10-21

Câmara dos Deputados – 26-10-21

Sr. presidente, deputado general Peternelli; Sras. e Srs. parlamentares, é com uma alegria imensa que subo hoje a esta tribuna. Quantas vezes, ao longo da minha vida parlamentar, tive o privilégio de sentar na cadeira que V.Exa., com muita honradez e dignidade, ocupa hoje; de ocupar as duas tribunas do Plenário, defendendo as causas que eu acreditava que eram as melhores para o país. Mas hoje tenho um sentimento diferente, deputado General Peternelli, e agradeço a generosidade de V.Exa. de aguardar essa minha palavra já no encerramento desta sessão.

Eu aprendi muito cedo que é triste o povo que não conhece a sua história, pois esse mesmo povo terá uma dificuldade imensa de construir o seu futuro. A Câmara dos Deputados do Brasil, deputado Paulo Abi-Ackel, deputado e líder Rodrigo de Castro, deputado Eduardo Cury, permite, a partir da homenagem que se faz ao ex-presidente Tancredo Neves, ao transformá-lo em Patrono da Redemocratização, que os brasileiros das novas gerações compreendam as etapas que vencemos, os obstáculos que superamos e que nos trouxeram até aqui, e os valores democráticos pregados por Tancredo e por tantos outros.

Essa não é, caríssimo presidente, homenagem que se faz a um homem, a um cidadão, por mais que ele, pela sua trajetória política e pessoal, as mereça. Ao transformar Tancredo em Patrono da Redemocratização, a Câmara dos Deputados do Brasil homenageia uma geração de brasileiros que soube, com tenacidade, mas com paciência, construir o caminho que nos permitiu trilhar o das liberdades e da democracia. De lá para cá, tivemos inúmeros desafios a serem superados, mas, em nenhum momento, assistimos à democracia em risco. As nossas instituições democráticas se solidificaram ao longo do tempo e permitem que a alternância do poder se dê da forma mais cristalina e tranquila possível.

Digo isso, Sr. presidente e líder Rodrigo de Castro, porque esses valores essenciais da democracia deverão ser sempre o nosso norte, deverão ser o pilar absolutamente fundamental e definitivo para superarmos também as eventuais dificuldades por que passamos, enxergando sempre o futuro.

Tancredo era um pacificador, mas era um homem de coragem. Sabia enfrentar aqueles que deveria enfrentar, mas sabia estender a mão, colocando sempre em primeiro lugar o interesse maior da sociedade brasileira em todos os momentos da sua vida. Como Ministro da Justiça de Getúlio, foi firme ao defender a constitucionalidade numa reunião ministerial tão famosa para aqueles que conhecem a história do Brasil, dispondo-se a prender o Ministro do Exército. Tancredo foi o homem do entendimento enquanto Primeiro-Ministro, para permitir uma transição entre o regime presidencialista e o regime parlamentarista.

Tancredo, ao retornar a seu Estado, Minas Gerais, e governá-lo, sabia sua missão era muito maior. Ele disse uma frase, deputado General Peternelli, que guardo comigo com muita força, que se faz muito presente na minha história pessoal e que serve para todos nós que nos dedicamos à política. Ele disse: “Para aventuras não contem comigo, mas para correr riscos, quando eles vêm em favor da sociedade que nós representamos, é inerente à nossa atividade”. E foi correndo riscos que ele se elegeu presidente da República, neste mesmo Plenário que sediou o colégio eleitoral. E foi exatamente correndo riscos em relação à sua própria vida que ele garantiu que a transição, o episódio da transferência do poder militar para o civil se desse sem traumas, sem derramamento de sangue. Era, sim, o homem da conciliação.

Acompanhei-o na sua primeira viagem pelo mundo apresentando às principais democracias do Ocidente o Brasil democratizado. O Brasil era recebido com respeito, o Brasil era recebido com reverência.

E ele tinha a noção clara de que a sua missão maior era permitir a consolidação da transição democrática. Certamente não foi feliz, mas foi em paz, sabendo que a maior das missões da sua vida tinha sido concluída com êxito.

Que saibamos nós, Sr. presidente, Sras. e Srs. parlamentares, honrar a sua história e a de tantos outros brasileiros, como Ulysses Guimarães, como Teotônio Vilela, como Leonel Brizola, como José Richa, como Montoro, como Mário Covas e tantos outros que ao seu lado conseguiram fazer com que a nossa transição se transformasse em algo exemplar para a nossa região, onde as rupturas se davam de forma extremamente traumática!

Venho aqui, portanto, para reconhecer e agradecer aos Srs. parlamentares a generosidade desse gesto, mas também para pedir que ele sirva de reflexão, de norte e de bússola para que não nos afastemos das nossas convicções democráticas em momento nenhum da nossa história. Que saibamos ultrapassar as nossas dificuldades e fazer o contraditório, respeitando as nossas instituições e o maior dos legados que nos deixou Tancredo e toda a sua geração.

Foi daí, presidente Peternelli, da cadeira em que V.Exa. hoje está sentado, que ele trouxe a sua última mensagem ao Congresso Nacional no dia da sua eleição. E é com emoção que me lembro daquele momento. Vejo em V.Exa. uma feliz coincidência do destino, pois V.Exa., militar respeitado que é e que por esses desígnios do destino hoje preside esta sessão, serviu na São João del-Rei, tão querida, do presidente Tancredo e certamente lá ouviu muitas das suas histórias.

E termino essa minha mensagem aos brasileiros lembrando o amor que ele tinha por sua terra e que V.Exa., presidente, aqui também me lembrava. No último sábado, eu estive em São João del-Rei e, mais uma vez, num gesto solitário, num final de tarde, fui visitá-lo e vi ali novamente aquela mensagem que ele havia me pedido para guardar no bolso, para que, no dia em que ele faltasse, ela estivesse transcrita em seu túmulo. E aquela mensagem, que encontrei e fiz com que ali fosse transcrita, está lá até hoje e diz: “Ó, terra minha, amada querida, tu terás os meus ossos, que serão a última identificação do meu ser com este rincão abençoado”.

Tancredo amava sua terra São João del-Rei, amava Minas, que governou e a que se dedicou durante toda a sua vida, mas era acima de tudo um brasileiro generoso, capaz dos maiores sacrifícios possíveis para que nós pudéssemos hoje viver em plena democracia. Que nós tenhamos a capacidade de fazê-la perene para as próximas gerações.

Muito obrigado, Presidente.

Pronunciamento Aécio Neves – PL 12/21 Patentes – 06-07-21

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares, boa tarde.

Inicialmente, eu quero me dirigir a V.Exa., Presidente Arthur Lira, para agradecer a deferência que teve com este antigo Parlamentar ao indicar-me Relator de uma matéria de tamanho relevo.

V.Exa. sabe que já tive a oportunidade de ocupar por inúmeras vezes, por seis mandatos parlamentares, esta tribuna, que já tive a honra suprema de ocupar a cadeira hoje ocupada por V.Exa. Quero dizer, Presidente Arthur, que em poucos momentos me senti tão gratificado e recompensado em exercer a atividade parlamentar quanto neste em que tenho a oportunidade de aprimorar e avançar no importante projeto já apresentado e aprovado no Senado da República, de autoria do ilustre Senador Paulo Paim, lá relatado pelo Senador Nelsinho Trad.

A partir de consultas que fizemos a todo o País, a especialistas na matéria, com o apoio de inúmeras entidades representativas dessa matéria, e também de consultas que fizemos às legislações do exterior, eu tenho a honra de dizer aos meus pares que, aprovada hoje esta matéria, nós vamos dotar o Brasil de uma das mais avançadas e modernas legislações no que diz respeito à propriedade intelectual e às suas excepcionalidades.

Portanto, Sr. Presidente, no momento em que V.Exa. determina que eu ofereça parecer a 13 projetos apensados na Câmara dos Deputados, cabe a mim fazer aqui, de início, pela relevância da matéria, algumas considerações.

A primeira delas é que esse Projeto de Lei nº 12, de 2021, como eu disse, de autoria do Deputado Paulo Paim e relatado pelo Senador Nelsinho Trad, foi aprovado já no Senado por uma imensa maioria de votos. Já há o entendimento de que as alterações e, parece-me, os avanços incontestes que nós introduzimos no projeto serão incorporados também no Senado, que manterá, segundo esse acordo, o texto aqui conosco negociado.

Na verdade, ele “propõe a alteração da disciplina legal dada ao licenciamento compulsório de patentes, prevista no art. 71 da Lei de Propriedade Industrial, para incluir os pedidos de patentes como objetos dessa licença, que somente poderão beneficiar entidades com efetivo interesse e capacidade econômica para a sua exploração.

A proposição em apreço, em seu art. 1º, prevê a publicação de lista por parte do Poder Executivo, passível de revisão periódica, contendo as tecnologias que atendam às necessidades quando for declarada emergência nacional ou interesse público ou reconhecido estado de calamidade pública de âmbito nacional, com a participação de órgãos públicos, instituições de ensino e pesquisa e entidades representativas da sociedade civil.

O dispositivo também cria a obrigação de os titulares das patentes fornecerem as informações necessárias e suficientes à efetiva reprodução do objeto protegido pela patente ou pelo pedido de patente e os demais aspectos técnicos aplicáveis ao caso em espécie, assim como os resultados de testes e outros dados necessários à concessão de seu registro pelas autoridades competentes, bem como o material biológico essencial.

A recusa no fornecimento das informações e do material biológico pode levar à nulidade da patente. Além disso, autoridades públicas serão autorizadas a compartilhar informações de que tenham posse em favor dos licenciados. O Projeto de Lei contempla também nesse dispositivo situações que podem excluir patentes e pedidos de patentes da lista elaborada pelo Executivo.

No que tange à justa remuneração ao titular da patente, a proposta, ainda constante do art. 1º, é que sejam consideradas as circunstâncias de cada caso, levando-se em conta, obrigatoriamente, o valor econômico da licença concedida, a duração da licença e as estimativas de investimentos necessários para sua exploração, custos de produção e preço de venda no mercado nacional do produto a ela associado. Enquanto esse valor não for definido, será pago 1,5% sobre o preço líquido de venda do produto, sendo devida ao titular do pedido de patente somente após a concessão da patente. Além disso, prevê a possibilidade de exportação, por razões humanitárias, dos produtos elaborados com base em licença compulsória.

Além disso, o art. 1º ainda prevê a possibilidade de exportação, por razões humanitárias, dos produtos elaborados com base em licença compulsória.

Nos termos de seu art. 2º, a proposição estabelece que a Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), declarada em decorrência da infecção humana pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), caracteriza-se como emergência nacional nos termos do art. 71 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996.

O art. 3º enfatiza o caráter complementar dos indispensáveis esforços do Governo Federal junto aos demais países e organismos internacionais a fim de viabilizar a cooperação internacional para possibilitar o acesso universal aos produtos farmacêuticos, vacinas e terapias necessários para o combate ao coronavírus e outras epidemias ou graves crises de saúde pública.

O art. 4º da proposição em comento determina que o Poder Executivo deverá editar, no prazo de 30 (trinta) dias a partir da publicação da futura norma, os regulamentos necessários ao seu adequado cumprimento, ao passo que o art. 5º trata da usual cláusula de vigência.

Por força de Despacho da Presidência desta Casa, datado de 17 de junho de 2021, o presente Projeto de Lei nº 12, de 2021, foi encaminhado à apreciação das Comissões de Seguridade Social e Família; de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços; e de Constituição e Justiça e de Cidadania (Art. 54 do RICD). Por meio desse ato, a Presidência da Câmara dos Deputados determinou o apensamento do Projeto de Lei nº 1.320, de 2020, e de seus apensados à proposição em comento. Posteriormente, com o deferimento do Requerimento nº 1.269/2021, foi determinado o apensamento do Projeto de Lei nº 1.184, de 2020, e apensados à proposição em comento.

Em virtude dos apensamento supracitados, o Projeto de Lei nº 12/2021” — esse que estaremos a votar em seguida — “passou a tramitar com 13 proposições apensadas”, aqui já listadas pelo ilustre Presidente.
(…)
“Foi aprovado o Requerimento de Urgência nº 1.354/2021, estando a matéria pronta para apreciação em Plenário”.

Passo ao voto do Relator, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Parlamentares.
“II. Voto do Relator

Trata-se de projeto de lei de autoria do Senado Federal” — como aqui já externei — “(…), que tem o objetivo de alterar a sistemática da licença compulsória de patentes concedida de ofício. Conforme resumido no relatório precedente a este voto, ao projeto do Senado foram apensadas outras 13 proposições que tratavam da mesma temática, ou seja, estamos a apreciar, nesta ocasião, 14 projetos de lei que têm o objetivo comum de propor alterações ao regime jurídico das licenças compulsórias de patentes para os casos de emergência nacional e interesse público.

Esse tipo de licença é atualmente regulado pelo art. 71 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, consonante, no plano internacional, com os dispositivos do Acordo TRIPS, celebrado no âmbito da Organização Mundial do Comércio — OMC.

Saliente-se que o tema da licença compulsória de patentes tem merecido, ultimamente, muito destaque em diversas discussões em todo o mundo, principalmente por causa do processo de imunização contra a COVID-19, doença responsável por uma pandemia que causou e vem causando impactos estarrecedores na sociedade brasileira e em outras nações do mundo. A doença já causou cerca de 4 milhões de óbitos, número que pode ser bem mais alto, tendo em vista a esperada subnotificação. Somente no Brasil, o número de mortes já superou 516 mil.” O número de proposições em tramitação sobre o assunto é outro indicativo da relevância que o assunto adquiriu com o surto do novo coronavírus.

Além da crise sanitária, a pandemia impactou negativamente a economia, o trabalho e a renda da população, o sistema de ensino, a saúde mental de muitos sobreviventes e de familiares das vítimas. Na verdade, ainda é muito difícil estimar o alcance real de todos os danos que foram e continuam sendo causados pela COVID-19.

Nesse contexto, as tecnologias que podem, de alguma forma, servir para conter a transmissão do patógeno e para combater os danos causados pela doença ao organismo humano são encaradas com muita esperança por todo o mundo, e não é diferente no Brasil. Entre as tecnologias úteis, as vacinas merecem um lugar de destaque, pois são instrumentos preventivos, que podem impedir a infecção ou contribuir para que o quadro clínico da doença em pessoas imunizadas seja mais leve. Não há dúvidas, Sr. Presidente, acerca do alto potencial de proteção à vida e à dignidade humana conferido pela imunização ativa por meio da administração das vacinas” — e é disso que trata e tratará esse projeto.

“Se, por um lado, há vontade de ampliação de acesso de todos os indivíduos à vacinação tempestiva, por outro, há limitações a isso, como as restrições à produção de ingredientes farmacêuticos ativos — IFAs, assim como das formulações finais prontas (…)”, para aplicação nos pacientes. Do mesmo modo, a proteção conferida pelas patentes pode ser vista como mais uma restrição à produção de vacinas em uma escala mais ampla, que consiga aproximar a oferta à demanda e permitir uma velocidade maior na imunização de toda a população brasileira.

“As proposições em comento têm como principal objetivo excluir a possível restrição que as patentes possam representar contra o acesso ampliado às vacinas e a outras tecnologias úteis no enfrentamento às situações observadas ou consideradas como de calamidade pública, emergências nacionais e defesa do interesse público, como as que ocorrem atualmente na luta contra o vírus (…)” da COVID -19.

Temos que reconhecer a nobreza desse objetivo principal e, em razão desse reconhecimento, exaltar todos os autores dos projetos de lei ora aqui listados, entre outros. Leio — e aqui faço este registro — os nomes dos autores principais de cada um dos projetos: Deputada Jandira Feghali, Deputado Alexandre Padilha, Deputada Dra. Soraya Manato, Deputada Erika Kokay, Deputado Paulo Ramos, Deputado Lucas Gonzalez, Deputado Heitor Freire, Deputado Luizão Goulart, Deputado Célio Studart, Deputado Danilo Cabral, Deputada Jaqueline Cassol, Deputado Hildo Rocha. Apenas cito alguns e, na pessoa de S.Exas., homenageio todos aqueles que subscreveram os inúmeros projetos que neste instante passo a relatar.

Por isso, entendo que “o Projeto de Lei nº 12, de 2021, já possui um texto que foi objeto já de intensos debates e de inúmeras contribuições de diversos segmentos sociais” — aqui cumprimento e agradeço a todos —, “consubstanciando o consenso daquela Casa acerca do tema, o que recomenda agora o seu uso como ponto de partida da presente análise. Muitas das alterações sugeridas por essa proposição, algumas inclusive presentes no vigente Decreto nº 3.201, de 6 de outubro de 1999, e outras veiculadas em grande parte das proposições apensadas, de modo integral ou parcial, revelam-se meritórias para o enfrentamento de emergências e para o regramento do instituto da licença compulsória de patentes conferida diretamente pelo Poder Público e merecem seu acolhimento”.

Em linhas gerais, quero afirmar que o nosso projeto permitirá, como disse agora há pouco, que o Brasil possa ter uma das mais avançadas e modernas legislações do mundo em relação a essa matéria, para que, no futuro, outras cepas desse mesmo vírus ou outras pandemias não nos façam novamente depender de um número extremamente restrito de fabricantes, cerca de 10 países no mundo, o que tem elevado, sem dúvida alguma, o número de óbitos e, obviamente, de doentes no Brasil.

Dessa forma, passo a ler o substitutivo ao Projeto de Lei nº 12, de 2021, para o qual peço o apoio dos meus ilustres pares nesta Casa.

“Substitutivo ao Projeto de Lei nº 12, de 2021.
(…)

Altera a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, para tratar de licença compulsória nos casos de emergência em saúde pública de interesse nacional ou internacional.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, para dispor sobre a licença compulsória de patentes nos casos de declaração de emergência em saúde pública, de interesse nacional ou internacional, e de reconhecimento de estado de calamidade pública.

Art. 2º O art. 71 da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou internacional, ou de interesse público, declarados em lei ou em ato do Poder Executivo Federal, ou de reconhecimento de estado de calamidade pública de âmbito nacional, pelo Congresso Nacional, poderá ser concedida licença compulsória, de ofício, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente ou pedido de patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular, desde que seu titular ou seu licenciado não atenda a essa necessidade.

§ 1º O ato de concessão da licença estabelecerá seu prazo de vigência e a possibilidade de prorrogação.

§ 2º Nos casos previstos no caput deste artigo, o Poder Executivo federal publicará lista de patentes ou pedidos de patente, não sendo aplicável o prazo de sigilo previsto no art. 30 desta lei, das tecnologias potencialmente úteis ao enfrentamento dessas situações, no prazo de até 30 (trinta) dias após a data de publicação da referida declaração ou de reconhecimento da calamidade pública, excluindo-se as patentes e os pedidos de patentes que forem objetos de acordos de transferência da tecnologia de produção ou de licenciamento voluntário capazes de assegurar o atendimento da demanda interna, nos termos regulamentares’.”

Ressalto esse ponto. Será dada sempre prioridade aos entendimentos e à transferência voluntária do conhecimento para o atendimento à população nacional.

“‘§ 3º Entes públicos, instituições de ensino e pesquisa e outras entidades representativas da sociedade e do setor produtivo deverão ser consultados no processo de elaboração da lista de patentes ou pedidos de patentes que poderão ser objeto de licença compulsória, nos termos previstos em regulamento.

§ 4º Qualquer instituição pública ou privada poderá apresentar pedido para inclusão de patente ou pedido de patente na lista especificada no § 2º deste artigo.

o§ 5º A lista prevista no § 2º deste artigo conterá informações e dados suficientes para permitir a análise individualizada” — como determina o Acordo TRIPS — “acerca da utilidade de cada patente e pedido de patente e contemplará, pelo menos:

I – o número individualizado das patentes ou dos pedidos de patentes que poderão ser objeto de licença compulsória;
II – a identificação dos respectivos titulares; e
III – a especificação dos objetivos para os quais será autorizado cada licenciamento compulsório.

§ 6º A partir da lista publicada nos termos do § 2º deste artigo, o Poder Executivo realizará, no prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período, a avaliação individualizada das tecnologias listadas e somente concederá a licença compulsória, de forma não exclusiva, para produtores que possuam capacidade técnica e econômica comprovadas para a produção do objeto da patente ou de pedido de patente, desde que conclua pela sua utilidade no enfrentamento da situação que a fundamenta.

§ 7º Patentes ou pedidos de patente que ainda não tiverem sido objeto de licença compulsória poderão ser excluídos da lista definida no § 2º deste artigo nos casos em que a autoridade competente definida pelo Poder Executivo considerar que seus titulares assumiram compromissos objetivos capazes de assegurar o atendimento da demanda interna” — mais uma vez, priorizando o entendimento — “em condições de volume, preço e prazo compatíveis com as necessidades de emergência nacional, de interesse público ou de estado de calamidade pública de âmbito nacional por meio de uma ou mais das seguintes alternativas:

I – exploração direta da patente ou do pedido de patente no País;
II – licenciamento voluntário da patente ou do pedido de patente; ou
III – contratos transparentes de venda de produto associado à patente ou ao pedido de patente.

§ 8º O titular da patente ou do pedido de patente objeto de licença compulsória fica obrigado a fornecer as informações necessárias e suficientes à efetiva reprodução do objeto protegido pela patente ou pelo pedido de patente e os demais aspectos técnicos aplicáveis ao caso em espécie, assim como os resultados de testes e outros dados necessários à concessão de seu registro pelas autoridades competentes, sob pena de declaração de nulidade da patente, nos termos do Capítulo VI do Título I desta Lei.

§ 9º As instituições públicas que possuírem informações, dados e documentos relacionados com o objeto da patente e dos pedidos de patente ficam obrigadas a compartilhar todos os elementos úteis à reprodução do objeto licenciado, não sendo aplicáveis, nesse caso, as normas relativas à proteção de dados, nem o disposto no inciso XIV do art. 195 desta Lei.

§ 10. No arbitramento da remuneração do titular da patente ou do pedido de patente, serão consideradas as circunstâncias de cada caso, levando-se em conta, obrigatoriamente, o valor econômico da licença concedida, a duração da licença e as estimativas de investimentos necessários para sua exploração, bem como os custos de produção e preço de venda no mercado nacional do produto a ela associado.

§ 11 A remuneração do titular da patente ou do pedido de patente objeto de licença compulsória será fixada em 1,5% (um inteiro e cinco décimos por cento) sobre o preço líquido de venda do produto a ela associado até que seu valor venha a ser efetivamente estabelecido.

§ 12 A remuneração do titular de pedido de patente objeto de licença compulsória somente será devida caso a patente venha a ser concedida, sendo que o pagamento, correspondente a todo o período da licença, deverá ser efetivado somente após a concessão da patente.

§ 13 O INPI dará prioridade à análise dos pedidos de patentes que forem objeto de licença compulsória” — este artigo vai ao encontro de uma proposta da Liderança do PDT nesta Casa.

§ 14 Os produtos que estiverem sujeitos ao regime de vigilância sanitária deverão observar todos os requisitos previstos na legislação sanitária e somente poderão ser comercializados após a concessão de autorização, de forma definitiva ou para uso em caráter emergencial, pela autoridade sanitária federal, nos termos previstos em regulamento.

§ 15 No caso específico de emergência em saúde pública de interesse nacional ou internacional, a licença compulsória de patentes ou de pedidos de patentes das tecnologias úteis na prevenção e combate das causas da emergência poderá ser concedida por lei” — essa é uma inovação que trago neste substitutivo — “independentemente do ato de ofício previsto no caput deste artigo, com vigência limitada ao período em que perdurar a declaração de emergência.”
Chamo a atenção das Sras. e dos Srs. Parlamentares para a inclusão de um novo artigo que prevê, em havendo omissão do Poder Executivo, a possibilidade de o Congresso Nacional, a partir de um projeto de lei, alcançar o mesmo objetivo, que é a quebra temporária de patentes, para permitir a produção de insumos, durante determinado período, em atendimento ao interesse público.

“(…) O art. 3º A Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 71-A:
Art. 71-A Poderá ser concedida, por razões humanitárias e nos termos de tratado internacional do qual a República Federativa do Brasil seja parte, licença compulsória de patentes de produtos destinados à exportação a países com insuficiente ou nenhuma capacidade de fabricação no setor farmacêutico para atendimento de sua própria população.”

Volto ao § 16:

“§ 16 Independentemente da concessão de licença compulsória, o poder público dará prioridade à celebração de acordos de cooperação técnica e de contratos com o titular da patente para a aquisição da tecnologia produtiva e de seu processo de transferência.”

Sras. e Srs. Parlamentares, esse é o texto final do substitutivo. Faço aqui apenas, ao final, uma referência a duas emendas de plenário que foram aqui aprovadas e a elas emito parecer.

A Emenda nº 1, de autoria do Deputado Wolney Queiroz, Líder do PDT, sugere o acréscimo de um dispositivo que determina ao INPI a priorização das análises dos pedidos de patentes que foram objeto de licença compulsória. Incorporamos no texto esta proposta, antes mesmo da formalização da emenda. Mas aqui fica ao Deputado Wolney os nossos cumprimentos pela corretíssima iniciativa.

Já tendo o conhecimento de que outras emendas de plenário foram apresentadas, neste instante eu concluo a leitura do meu parecer, registrando, mais uma vez, que este substitutivo é fruto da colaboração de inúmeros Parlamentares, das mais variadas colorações partidárias ou mesmo convicções ideológicas. Este é um projeto para o Brasil, o Brasil do futuro, para que, no futuro, se novamente estivermos frente a novas pandemias, a novas emergências sanitárias, sejam globais ou nacionais, nós possamos ter à mão dos legisladores brasileiros e do poder público no Brasil instrumentos eficazes, que possibilitarão ao nosso parque industrial, razoavelmente instalado, a produção desses insumos e dessas vacinas, obviamente aquelas para as quais nós detemos tecnologia e capacidade produtiva, para enfrentarmos crises como essa.

Sr. Presidente, encerro este meu relatório dizendo que, em questões e em momentos excepcionais, as medidas devem também ser excepcionais. Esta matéria e este texto se acoplam ao Acordo TRIPS, à legislação internacional, e, por isso, tivemos o cuidado de negociá-lo e discuti-lo também com autoridades fora do Brasil. Não tenho dúvidas, Sr. Presidente — e agora realmente encerro —, de que nós estamos, conjuntamente, dando ao Brasil, como eu disse, uma das mais avançadas legislações mundiais sobre o tema.

Pronunciamento de Aécio Neves em debate sobre voto impresso

“Venho a esta tribuna pedir a Vossa Excelência, pela responsabilidade que tem, pela alta função que ocupa hoje como presidente do TSE, que contribua para que possamos desinterditar esse debate. Não me filio à corrente daqueles que acham que houve fraude nas últimas eleições e, por isso mesmo, as urnas eletrônicas precisam ser auditadas. Tampouco posso concordar com o que acabamos de ouvir que isso seria um retorno ao voto de cabresto e ouvi isso de um ilustre parlamentar desta Casa e, tampouco ministro, que esta discussão possa nos remeter ao tempo do orelhão ou trazer um caos à vida pública brasileira.

Ao contrário, Vossa Excelência fez referência a isso, e eu concordo, se nós tivemos uma medida que trouxe um caos ao nosso sistema político foi a equivocada decisão da Suprema Corte, e Vossa Excelência não estava lá, faço aqui esse registro até porque sei que concorda comigo, já disse isso em outros fóruns, que derrubou a cláusula de barreira pela qual lutamos muito nesta Casa. Aquilo sim, nos trouxe de uma cerca de seis ou sete partidos para mais de 30 partidos hoje funcionando no Parlamento.

O que estamos buscando é aprimorar o sistema que nasceu aqui nesta Casa. Os argumentos, me permita ilustre ministro da forma mais respeitosa possível, trazidos por Vossa Excelência não são diferentes daqueles que enfrentamos nos idos de 1994. Era líder do PSDB nesta Casa pouco antes de assumir a sua presidência. E a questão dos custos para a implementação do voto eletrônico era uma questão central. Não sei se tiramos da Educação, da Saúde, dos índices do desperdício da máquina pública, mas encontrou-se recursos para garantir o aprimoramento do nosso sistema.

Nada mais do que isso nós queremos, ministro Barroso, aprimorar o nosso sistema. E se de um lado, aqueles que dizem que o sistema vem sendo fraudado não ajuda a esse debate, tampouco aqueles, como diz recentemente o procurador-geral eleitoral do TSE de que esta proposta é uma teoria da conspiração para manipular e insuflar a mente de determinados segmentos e criar um estado de confusão mental sobre as pessoas. Ainda dizia ele: o problema não é o sistema eletrônico, são os atores públicos que querem antecipar o futuro, querem concorrer com mãe Diná. Esse tipo de colocação em nada ajuda essa discussão.

Em qualquer parte do mundo o processo eleitoral precisa ter duas características. Eficácia, e o nosso tem, eu sou o primeiro a reconhecer isso, e confiabilidade. E é isso que estamos buscando. No ano de 2015, cerca de 350 deputados e 56 senadores votaram a favor da auditagem e não do voto impresso, essa é uma outra distorção grande nessa discussão. Não estamos discutindo urna eletrônica versus voto impresso. Portanto, não sei se esses dados da pesquisa Datafolha julgaram essas duas alternativas. Fico pensando que se juntar a urna eletrônica com o voto aditável não teríamos 100% de aprovação. Portanto, o que estamos querendo é aprimorar o sistema.

Vossa Excelência fez um registro sobre a questão do sigilo ou da fraude, que o eventual comprador do voto pode querer conferir lá através do pedido de recontagem, se aquele voto foi entregue. O boletim da urna é publicado às 5 horas da tarde. Esse comprador pode ir lá e conferir se o voto que comprou foi entregue ou não. Me desculpe, mas este argumento não me parece adequado nesse momento. O que eu rogo é que, esse debate vai longe ainda, se olharmos o que está acontecendo no mundo, as recomendações da União Europeia, é para que todos os sistemas eletrônicos venham acompanhados de um sistema de auditagem. E sobre a judicialização, não há sentido. Vossa Excelência disse agora que se um candidato a presidência da República pedir uma recontagem de 150 milhões de votos. Se não houver razão para isso, é claro que não Justiça Eleitoral não deferirá.

Vossa Excelência citou aqui o bom exemplo do presidente Trump que entrou com 50 ações buscando recontagem ou questionando o resultado das eleições e nenhuma foi acatada. Ao contrário, o que ocorreu lá, e alguns aqui dizem que o presidente da República busca seguir o mesmo caminho do presidente Trump para questionar o resultado das eleições, balela, falácia. Na verdade, não houvesse a recontagem dos votos naqueles estados onde ele dizia que havia perdido, talvez nós tivéssemos ainda na porta do Capitólio até hoje acampados.

Queremos aprimorar esse sistema. Participei do seu nascedouro. Das discussões desde o seu início. De todas as etapas. Confio nas urnas eletrônicas, mas é preciso que população brasileira confie. Isso é que nós queremos. Não podemos demonizar este debate considerando que aqueles que estão aqui dedicados a este tema ao querer aprimorar este sistema estão, na verdade, querendo volta aos tempos das trevas. Não é verdade. E confio na liderança de Vossa Excelência, nas boas intenções de Vossa Excelência, aqui ninguém duvida delas, para que possamos desinterditar esse debate para que ele ocorra de forma transparente, profunda em benefício do processo eleitoral, mas em benefício, sobretudo, da democracia.”