Vendedor de Ilusões

Artigo da jornalista Miriam Leitão – Jornal O Globo – 14/01/2015

 

Ninguém se iludiu, mas o governo tentou vender ilusões. Quem acompanha o setor de energia viu e alertou que a crise que estava se formando era grande e bateria no bolso do consumidor. O governo criou a crise quando fez uma intervenção que desequilibrou empresas, mudou contratos e tentou revogar as leis de mercado. Ninguém sabe ainda o tamanho da encrenca.

A crise hídrica apenas revelou o erro do governo, mas em algum momento ele estouraria no bolso do consumidor. Para reduzir artificialmente os preços de energia em 2013, o governo editou uma Medida Provisória ignorando os alertas do setor. Antecipou o fim de contratos de concessão, impôs preços irreais às estatais federais de geração. Depois, deixou as distribuidoras expostas ao mercado de energia de curto prazo. Aí veio a queda do nível de chuvas e tudo se agravou.

Faltou planejamento, como em 2001, mas sobrou arrogância. O governo Fernando Henrique, pelo menos, admitiu o erro e montou um gabinete de crise. Decretou o racionamento e iniciou a construção das térmicas para serem a garantia do sistema. Empresas e famílias tomaram medidas imediatas para a redução do consumo e, assim, diminuíram o custo dos erros do governo.

Desta vez, quando a seca chegou, o setor estava financeiramente desequilibrado pela intervenção da MP 579 e pelos erros nos leilões de compra e venda de energia. As distribuidoras foram obrigadas a comprar uma parte da energia no mercado de curto prazo a um preço muito maior do que podiam cobrar. Os buracos foram sendo cobertos por dinheiro do Tesouro ou por empréstimos cujo aval era o repasse futuro para as contas de luz. Tudo o que incomodasse o eleitor foi adiado, como o uso do sistema de bandeiras tarifárias, previsto para começar no ano passado, ou até mesmo uma campanha de economia de energia. O governo preferiu vender ilusões.

– Não agrada a ninguém ter que aumentar a tarifa, mas também não adianta viver em um mundo de ilusão. Se o custo efetivo está em outro patamar, a única forma de aumentar a sustentabilidade é encontrar um realismo tarifário – disse Romeu Rufino, da Aneel.

Pois é. Foi isso que os analistas sérios e as pessoas sensatas do setor tentaram dizer durante todo o ano passado. A resposta de todas as autoridades foi negar que houvesse problema. A Aneel deu aval para os empréstimos bancários: uma garantia de que aquele custo dos créditos e dos juros poderia ser repassado ao consumidor ao longo de três anos. E quem pegou o empréstimo? A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, um órgão das empresas do setor e que não tem ativos. Houve conflito dentro da CCEE porque, obviamente, aquele não era o caminho para o empréstimo, mas ele foi feito assim para que parecesse uma solução privada. Os bancos públicos deram a maior parte do dinheiro, o governo negociou diretamente.

Os aportes do Tesouro na Conta de Desenvolvimento Energético – que passou a pagar uma parte do custo da redução das tarifas – e os empréstimos de R$ 18 bilhões não foram suficientes. As distribuidoras chegam agora com novo pedido de socorro. As geradoras federais estão com dificuldades financeiras, a Eletrobrás não consegue pagar pelo óleo que compra da Petrobras. E esse problema das geradoras nem foi tocado ainda.

O governo vendeu ilusões e agora chegou a hora de pagar. Será paga por nós. A conta é alta. Toda a queda do preço em 2013 foi neutralizada pelos aumentos e este ano haverá um tarifaço em três parcelas: o início das bandeiras, o aumento extraordinário e o reajuste anual. A conta seria menor se a realidade tivesse sido enfrentada mais cedo.

ENTREVISTA – ‘Pela primeira vez temos uma oposição conectada com a realidade’, diz Aécio

O senador e presidente nacional do PSDB garantiu que em 2015 a “oposição chega revigorada e com representação contundente”. “Será a oposição que mostrou força durante a discussão da LDO.” Quanto as sabatinas no Senado, a bancada deve assumir um tom mais duro. Aécio admitiu ainda que houve uma espécie de acordo entre oposição e situação para chancelar o nome de Vital do Rêgo para o Tribunal de Contas da União. Ou seria Vital ou um petista.

 

Assista à entrevista que Aécio Neves deu à TVeja: http://veja.abril.com.br/multimidia/video/pela-primeira-vez-temos-uma-oposicao-conectada-com-a-realidade-diz-aecio?utm_source=redesabril_veja&utm_medium=twitter&utm_campaign=redesabril_veja&utm_content=feed&

Questão de estilo

Conciliar a campanha eleitoral com o exercício do mandato ainda em vigor é um dos desafios impostos a políticos que ocupam cargos eletivos e decidem concorrer à reeleição ou a outras funções públicas. A fronteira entre o que é ou não permitido pela lei eleitoral muitas vezes é tênue e as discussões sobre eventuais abusos de poder inundam a pauta dos órgãos de fiscalização em ano de eleição. Enquanto não há uma reforma política capaz de dirimir essas questões fundamentais ao exercício da democracia, a população volta os olhos para o comportamento individual do candidato. A presidente Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB) se encontraram nesse contexto em 2014, mas ambos adotaram posturas distintas na hora de lidar com o bem público. Dilma precisava manter suas funções ativas no Executivo, enquanto lutava pela reeleição, e Aécio no Legislativo, no mesmo tempo em que estava em campanha para alcançar a Presidência da República. Nos últimos dois meses que antecederam a eleição, a presidente foi ao Palácio do Planalto, seu local oficial de trabalho, em apenas cinco ocasiões – quatro em agosto e uma em setembro. Já o senador Aécio Neves, que ensaiou tirar licença do Senado durante a campanha, mas desistiu, compareceu a quatro sessões. A diferença crucial é que, no período, enquanto Aécio devolveu seus honorários, Dilma recebeu integralmente o salário, conforme mostram os holerites que podem ser acessados pelo Portal da Transparência. O valor bruto recebido pela presidente e pelo senador é de R$ 26.723,13. Quando descontados impostos e previdência oficial, o salário líquido fica em R$ 19.850,31.

Durante a campanha, a presidente recebeu ministros e aliados no Palácio da Alvorada, a residência oficial. Em determinados encontros, assuntos de governo foram até discutidos, mas em geral eles ocorriam para tratar da campanha eleitoral. No Planalto, em agosto, Dilma recebeu no dia 1º o primeiro-ministro do Japão, Abe Shinzo, sancionou ao lado de empresários a lei que altera o Simples Nacional no dia 7 e promoveu encontros com doadores da campanha e posteriormente com a CEO da General Motors, Mary Teresa Barra, no dia 14. No fim do mês, no dia 25, ela esteve no Planalto para um encontro marcado com o presidente da CNBB, dom Raymundo Damasceno Assis. Em setembro, Dilma só compareceu em seu gabinete no dia 19 para receber atletas olímpicos e paraolímpicos, já que os próximos Jogos Olímpicos serão no Rio de Janeiro. Aquele dia, uma sexta-feira, foi o último em que os funcionários do Planalto viram a presidente em seu local oficial de trabalho. Dilma só voltou a fazer despachos do Planalto três dias após a reeleição, na quarta-feira 29 de outubro.

Nesse período, Dilma estava dividida entre gravações para programas eleitorais na TV e no rádio, viagens pelo País em busca de votos, debates e outras atividades de campanha. A assessoria de imprensa do Planalto chegou a informar que a presidente estaria realizando despachos internos e recebendo ministros normalmente. Apesar de não ir ao Palácio durante a campanha eleitoral e dedicar boa parte do seu tempo em prol da reeleição, Dilma recebeu seu salário integralmente durante os meses de junho, julho, agosto e setembro. Já o senador Aécio Neves cogitou tirar licença do Senado, mas optou por se manter no cargo por conta da estrutura de seu gabinete e também para não descartar o plenário para possíveis discursos. O tucano tomou a decisão de permanecer como senador no dia 6 de agosto e ainda afirmou que devolveria os salários de julho a outubro – período em que esteve empenhado na campanha –, e assim fez. Documentos obtidos por ISTOÉ comprovam que Aécio devolveu o salário à União por meio de um guia de recolhimento. “Devolver o salário fica a cargo de cada um, não há nada na legislação que fale sobre isso. Deveria ter uma legislação específica para falar sobre salários. É o caso de abrir uma discussão sobre isso”, pondera o cientista político Gaudêncio Torquato.

A Constituição obriga secretários e ministros a deixarem os cargos caso decidam concorrer no ano eleitoral. O mesmo não se aplica aos governadores e parlamentares. Eles até podem tirar licença, deixando a cadeira para o suplente ou para o vice. Contudo, são raros os políticos que se licenciam de seus mandatos para concorrer à eleição ou reeleição.

 

Leia também aqui.

O PT fora do eixo

O PT não é um partido muito tolerante já a partir de seus próprios pressupostos originais e de seu nome: quem se pretende um partido “dos” trabalhadores, não “de” trabalhadores, já ambiciona de saída a condição de monopolista de um setor da sociedade. Mais ainda: reivindica o poder de determinar quem pertence, ou não, a essa categoria em particular. Assim, um operário que não vota no PT, por exemplo, não estará, pois, entre “os” trabalhadores; do mesmo modo, o partido tem conferido a “carteirinha” de operário padrão a pessoas que jamais ganharam o sustento com o fruto do próprio trabalho.

A fórmula petista é conhecida: a máquina partidária suja ou lava reputações a depender de suas necessidades objetivas. Os chamados bandidos de ontem podem ser convertidos à condição de heróis e um herói do passado pode passar a ser tratado como bandido. A única condição para ganhar a bênção é estabelecer com o ente partidário uma relação de subordinação. A partir daí não há limites. Foi assim que o PT promoveu o casamento perverso do patrimonialismo “aggiornado”, traduzido pela elite sindical, com o patrimonialismo tradicional, de velha extração.

Afirmei no final de 2003 o que nem todos compreenderam bem, que o petismo era o “bolchevismo sem utopia”. Aproxima-se do bolchevismo nos métodos, no propósito de tentar se estabelecer, se possível, como partido único; nas instâncias decisórias aproxima-se do chamado “centralismo democrático”, que nada mais é do que a ditadura da direção central do partido. É bolchevista também na certeza de que determinadas ações até podem ser ruins para o Brasil, mas serão implementadas se parecerem boas para o partido. Como se considera que é ele que conduz a História do Brasil, não contrário, tem-se por certo que o que é bom para o partido será, no longo prazo, bom para o País e para o povo. Nesse sentido particular os petistas ainda são bastante leninistas.

Quando afirmei que lhes faltava a dimensão utópica, não estava emprestando um valor necessariamente positivo a essa utopia. Na minha ação política miro a terra que há, não a Terra do Nunca. E nela procuro sempre ampliar aquilo que é percebido como os limites do possível. De todo modo, é inegável que o bolchevismo tinha um devir, uma prefiguração, um sonho de um outro amanhã, ainda que isso tenha desembocado na tragédia e no horror stalinista. Mas isso não muda a crença genuína de muitos que se entregaram àquela luta. Isso o PT não tem. E chega a ser piada afirmar que o partido, de alguma maneira e em alguma dimensão, no que concerne à economia é socialista ou mesmo de esquerda. Muitas correntes de esquerda são autoritárias, mas convém não confundir o autoritarismo petista com socialismo. O socialismo tem sido só a fachada que o PT utiliza para lavar o seu autoritarismo – associado, infelizmente, a uma grande inépcia para governar, de que tenho tratado sempre nesta página.

Quero chamar a atenção é para o recrudescimento da face intolerante do partido. Como também já abordei aqui, vivemos o fim de um ciclo, que faz cruzar, episodicamente, a História do Brasil e a do PT. As circunstâncias que permitiram ao petismo sustentar o modelo que aí está – que nunca foi “de desenvolvimento”, mas de administração oportunista de fatores que não eram de sua escolha – se esgotaram. Na, infelizmente, longa agonia desse fim de ciclo temos a economia semiestagnada, os baixos investimentos e a desindustrialização, os déficits do balanço de pagamentos em alta e a inflação reprimida. E, nota-se, o partido nada tem a oferecer a não ser a pregação terrorista de que qualquer mudança implicará desgraça nacional.

Não tendo mais auroras a oferecer, não sabendo por que governa nem por que pretende governar o País por mais quatro anos, e percebendo que amplos setores da sociedade desconfiam dessa eterna e falsa luta do “nós” contra “eles”, o petismo começa a adentrar terrenos perigosos. Se a prática não chega a ameaçar a democracia – tomara que não! –, é certo que gera turbulências na trajetória do País. No apagar das luzes deste mandato, a presidente Dilma Rousseff decide regulamentar, por decreto – quando poderia fazê-lo por projeto de lei –, os “conselhos populares”. Não por acaso, bane o Congresso do debate, verticalizando essa participação, num claro mecanismo de substituição da democracia representativa pela democracia direta. Na Constituição elas são complementares, não excludentes. Por incrível que pareça – mas sempre afinado com o bolchevismo sem utopia –, o modelo previsto no Decreto 8.243 procura substituir a democracia dos milhões pela democracia dos poucos milhares – quase sempre atrelados ao partido. É como se o PT pretendesse tomar o lugar da sociedade.

Ainda mais detestável: o partido não se inibe de criar uma lista negra de jornalistas – na primeira fornada estão Arnaldo Jabor, Augusto Nunes, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Guilherme Fiuza, Danilo Gentili, Marcelo Madureira, Demétrio Magnoli e Lobão –, satanizando-os e, evidentemente, expondo-os a riscos. É desnecessário dizer que tenho diferenças, às vezes severas, com vários deles. Isso é parte do jogo. É evidente que o regime democrático não comporta listas negras, sejam feitas pelo Estado, por partidos ou por entidades. Mormente porque, por mais que se possa discordar do ponto de vista de cada um, em que momento eles ameaçaram a democracia? Igualmente falsa – porque há evidência dos fatos – é que sejam tucanos ou “de oposição”. Não são. Mas, e se fossem? Num país livre não se faz esse tipo de questionamento.

Acuado pelos fatos, com receio de perder a eleição, sem oferecer uma resposta para os graves desafios postos no presente e inexoravelmente contratados para o futuro, o PT resolveu acionar a tecla da intolerância para tentar resolver tudo no grito. Cumpre aos defensores da democracia contrariar essa prática e essa perspectiva. Não foi assim que construímos um regime de liberdades públicas no Brasil. O PT está perdendo o eixo e tende a voltar à sua própria natureza.

 

Leia também aqui.

Pacote de repetição

Artigo da jornalista Miriam Leitão – Jornal O Globo – 20/06/2014

 

O governo anunciou mais do mesmo que veio distribuindo à indústria nos últimos anos e que, até agora, não garantiu o crescimento do setor nem manteve a economia em crescimento. O mandato da presidente Dilma Rousseff está chegando ao final com baixa confiança dos empresários na economia e um crescimento pífio na média dos quatro anos.

As medidas anunciadas na quarta-feira, depois de uma reunião a portas fechadas com os empresários, foram tão previsíveis que impressionaram. Até o último minuto imaginava-se que novo passe seria tentado em campo, mas foi o mesmo jogo já jogado. Foi um pouco mais de cada uma das medidas conhecidas e anunciadas em outros pacotes.

Mais uma pitada de Reintegra, programa em que os exportadores recebem um percentual em dinheiro do que pagam de impostos para exportar; mais um tempo do PSI, que é dinheiro barato do BNDES para a compra de máquinas, equipamentos e caminhões; mais um percentual e novo prazo para as compras governamentais com sobrepreço. Além da reapresentação do programa de pagamento de dívidas tributárias à prazo.

Ambição zero. Nenhuma proposta para enfrentar os problemas estruturais. Dado o adiantado da hora de um mandato que tem mais seis meses, tudo o que o governo fez foi avançar sobre o período seguinte e garantir que os presentes valerão também para 2015. Quem estará no comando no ano que vem é o eleitor que dirá, por isso, foi ato de campanha reunir-se para prometer o que se fará a partir de janeiro.

A proposta de nas suas rência ao produto nacional, mesmo se for 25% mais caro, já existia — como tudo do pacotinho —, mas foi engordada. A ideia tem o defeito de incentivar a ineficiência, o sobrepreço pré-autorizado, e, além disso, pode nos criar problemas na Organização Mundial do Comércio (OMC).

O PSI é uma contradição no próprio nome. Está em vigor há tempos, chama-se Programa de Sustentação de Investimento, mas não tem sustentado o investi- mento. Incentivou um pouco compras de má- quinas e de caminhões, mas principalmente serviu para transferir recursos subsidiados para as empresas, sem que seus efeitos tenham aparecido nos dados da taxa de investimento do país. Ela tem caído.

O ministro da Fazenda não sabia dar detalhes, mostrando que o pacote foi preparado às pressas para atender à determinação do ex-presidente Lula de que o governo Dilma melhorasse o diálogo com o empresariado, que estaria muito agastado com o governo.

Na verdade, os investidores estão inseguros por bons motivos. Não se sabe qual é o preço futuro da energia. Não foi debelada a inflação, mesmo após um ano de elevação dos juros. Há preços represados que terão que ser corrigidos, e isso dificulta o trabalho do Banco Central. O governo disse que tinha inventado uma fórmula nova de crescimento — a nova matriz macroeconômica — e, se ela existe, ninguém sabe, ninguém viu. O país cresceu muito pouco nos últimos quatro anos. Não houve reformas nem há movimento na direção de mudanças estruturais que enfrentem obstáculos que estão há muito tempo impedindo o crescimento sustentado da economia. A logística não melhorou; o pagamento de impostos continua sufocante, principalmente pela complexidade dos tributos; os gastos públicos continuam em alta, o que indica mais impostos à frente.

Os empresários saíram dizendo que melhor isso que nada. Claro, quem não gostaria de saber que o maior comprador do país, o governo, aceita pagar 25% a mais pelo seu produto do que o valor cobrado pelo seu competidor estrangeiro? Quem não gosta de mais prazo para pagar dívidas ou menos juros em novos créditos oferecidos pelo banco estatal?

O problema é que nada disso destrava a economia ou restabelece a confiança empresarial. Todos os índices de expectativas estão em níveis baixos. Há razões antigas para a descrença, mas as mais emergenciais são a inflação represada e o temor do preço da energia. O governo tem evitado falar em público sobre o fato de que as distribuidoras precisarão de nova ajuda, que terá que ser paga, ao fim das contas, pelo consumidor na conta de luz, da mesma forma que o empréstimo de R$ 11,2 bilhões que elas já receberam. Incertezas assim não desaparecem com uma reunião a portas fechadas com alguns empresários, nem com a reciclagem de medidas já existentes.

 

Leia também aqui.

Déficit em contas externas no 1º trimestre é o maior da história

As transações do Brasil com o exterior registraram um déficit de US$ 6,2 bilhões em março, contribuindo para o pior resultado no primeiro trimestre desde o início da série do Banco Central (BC), em 1947. No acumulado dos três primeiros meses do ano, o saldo negativo soma US$ 25,2 bilhões. Até então, o maior déficit nas contas externas havia sido registrado no primeiro trimestre de 2013, quando chegou a US$ 24,7 bilhões. Em março do ano passado, o saldo negativo foi de US$ 6,8 bilhões. Esses números, divulgados ontem pelo BC, consideram balança comercial, balança de serviços e transferências unilaterais, como doações e remessas de lucros.

O chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, disse que o resultado do primeiro trimestre se deve, em grande parte, a uma reação lenta da balança comercial. No mês passado, o Brasil exportou apenas US$ 112 milhões a mais do que importou. No acumulado do trimestre, há um déficit de US$ 6 bilhões.

E esse cenário não deve mudar a curto prazo. Estudo da consultoria americana Boston Consulting Group (BCG), também divulgado ontem, mostra que o custo da produção no Brasil aumentou nos últimos dez anos, tornando o país um dos mais caros entre os 25 maiores exportadores mundiais.

 

Custo de produção sobe no país

Aumentos significativos de salários, crescimento lento da produtividade, mudanças cambiais desfavoráveis e elevação nos custos com energia estão entre os fatores da elevação do custo produtivo do país. E isso reduz a competitividade, ainda mais em um cenário no qual concorrentes seguiram caminho contrário: o custo de produção no México já é inferior ao da China, enquanto nos Estados Unidos está entre 10% e 25% abaixo dos dez maiores exportadores do mundo, à exceção dos chineses.

— No Brasil, só tivemos aumento de custos, o que fez com o que o país se tornasse caro e ficasse excluído das cadeias globais de produção. Com isso deixamos de agregar valor ao produto exportado, exportando matéria-prima. E, ao fazer isso, no fundo estimulamos o concorrente a produzir lá fora e vender de volta para o Brasil — afirma José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).

Para o professor de economia da Fundação Dom Cabral Rodrigo Zeidan, o alto custo de produção no Brasil é reflexo da baixa produtividade do trabalho e do capital:

— Isso mostra que os gargalos continuam. É o custo Brasil, algo que só existe aqui. E isso não é um problema de curto prazo. Para mudar, são necessárias medidas de Estado.

Essa perda de competitividade, no entanto, não é exclusiva do Brasil. China, República Tcheca, Polônia e Rússia, tradicionalmente vistas como áreas de baixo custo, também estão sob pressão.

“Muitas empresas estão tomando decisões de investimento de produção com base em visões de décadas atrás que estão totalmente desatualizadas. Ainda veem a América do Norte e a Europa Ocidental como áreas de alto custo, e América Latina, Leste Europeu e a maior parte da Ásia — especialmente a China — como de baixo custo. Há países de baixo e alto custo produtivo em quase todas as regiões do mundo”, explica Harold L. Sirkin, sócio do BCG e um dos autores da análise.

E quando as empresas perceberem essa mudança no cenário produtivo mundial podem alterar suas escolhas. A greve que paralisa fábricas de Nike e Adidas na China desde o último dia 14 é um sinal de alerta para o país asiático, cuja vantagem de produção sobre os EUA encolheu, em uma década, para menos de 5%, segundo o BCG. Desde 2010, a Nike produz mais tênis no Vietnã do que na China.

Apesar do mau desempenho das contas externas, Maciel, do BC, observou que o déficit de março foi inferior ao de fevereiro deste ano e ao de março de 2013. E destacou que o déficit em transações correntes no acumulado em 12 meses, de US$ 81,5 bilhões, está em 3,64% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos).

Com a balança comercial cada vez mais debilitada, o BC projeta um rombo de US$ 80 bilhões nas contas externas deste ano. Além do comércio exterior no vermelho, o Brasil tem apresentado déficit relevante na conta de serviços — que inclui, além das viagens internacionais, itens como pagamento de fretes e de aluguel de equipamentos.

 

Dólar alto, menos gasto no exterior

A conta de serviços foi deficitária em US$ 3,7 bilhões em março e US$ 10,4 bilhões no primeiro trimestre. Só o item viagens internacionais foi responsável por uma despesa líquida de US$ 1,3 bilhão no mês. Já os gastos dos turistas brasileiros no exterior ficaram em US$ 1,84 bilhão em março, queda de apenas 1,3%. As despesas de viajantes estrangeiros no Brasil, por sua vez, recuaram 10,7%, para US$ 535 milhões. No primeiro trimestre, as despesas de turistas brasileiros no exterior somaram US$ 5,87 bilhões, contra US$ 5,98 bilhões no mesmo período de 2013.

— O dólar ficou mais caro e isso desestimulou as viagens — disse Maciel.

Para o economista Bruno Lavieri, da Tendências Consultoria, a redução na entrada de recursos de estrangeiros pode estar relacionada a uma mudança na dinâmica de viagens devido ao carnaval tardio, em março, já que algumas pessoas costumam emendar fim de férias e carnaval.

Lavieri estima que o déficit das transações correntes chegará a 3,9% do PIB no fechamento do ano, acima dos 3,6% de 2013. Para ele, mais grave que o crescimento dessa cifra é o fato de os Investimentos Estrangeiros Diretos — que somaram US$ 4,9 bilhões em março, contra US$ 5,7 bilhões um ano antes — não garantirem mais o financiamento do déficit em conta corrente:

— O investidor não vê grandes fatores de atração para colocar seu dinheiro no país e acaba fazendo isso por questões financeiras, atrás de juros.

Leia também aqui.