No mundo novo de Trump, temos que redobrar o sentido de urgência

Quase tudo já foi dito sobre o surpreendente desfecho da eleição americana. Mas a vitória de Donald Trump continua a suscitar discussões, dúvidas e angústias e impõe-se como assunto obrigatório pelo mundo afora.

De início, embora não caibam reparos à soberana decisão dos eleitores americanos, é de se esperar que a realidade imponha limites a algumas posições defendidas pelo presidente eleito ao longo da dura disputa com sua adversária. Em especial, que ele não leve adiante ideias xenófobas e misóginas. Milhares de brasileiros e milhões de imigrantes de outras nacionalidades que vivem nos EUA não podem ser responsabilizados por efeitos econômicos decorrentes de processos históricos.

Da mesma forma, o avanço dos direitos das mulheres e das minorias não deve sofrer quaisquer ameaças, assim como raças e crenças não podem ser alvo de preconceito.

Mas a principal consequência da vitória do republicano para o Brasil repousa sobre a nossa economia. Um dos pilares da plataforma vitoriosa escora-se numa agenda francamente protecionista, o que seria muito ruim num momento em que precisamos urgentemente de mais – e não menos – comércio para fortalecer nossa atividade produtiva.

É possível que o realismo que costuma marcar a ascensão de novos governos acabe por atenuar o ímpeto nacionalista e populista do discurso eleitoral. A solidez das seculares instituições americanas, com seu sistema de freios e contrapesos, também deve colaborar para tanto. Ganhará o mundo, se assim for.

De todo modo, o novo paradigma de poder global e o ambiente de crises e transformações obrigam o Brasil e o mundo a uma séria reflexão.

Para nós, brasileiros, não haverá chance de sucesso se não fizermos uma forte inflexão no nosso regime fiscal, fazendo os ajustes de forma a preservar os serviços essenciais que o governo precisa oferecer com mais qualidade à população. Neste bravo mundo novo, não há espaço para gestores perdulários e pouco responsáveis.

Precisamos nos debruçar com redobrado sentido de urgência sobre reformas que modernizem nossa economia, injetando dinamismo, produtividade e competitividade ao nosso parque produtivo. O atraso é imenso: com o PT, o país passou mais de uma década de costas para o mundo, ressuscitando dogmas do passado que produziram fracassos.

O tempo nos dirá o verdadeiro impacto da eleição de Trump no mundo. No Brasil, independentemente dos desafios que virão, devemos fazer a nossa parte, que começa com um necessário encontro de contas com a realidade, o primeiro passo para recuperar um lugar de respeito no mundo e resgatar a esperança dentro das nossas próprias fronteiras.

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A Utopia Ameaçada

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 27/06/2016

Não é o fim do mundo, mas é um mundo pior.

A decisão dos britânicos de retirar o Reino Unido da União Europeia acende luzes de emergência sobre o modelo que se projetava a partir de uma Europa unificada.

Muita coisa está em jogo. Não são apenas consequências econômicas, com repercussão na economia global. Há impactos políticos, sociais e culturais de enorme relevância.

O rompimento britânico é o mais contundente golpe já desferido contra o sonho civilizatório que levou àquela aliança no pós-guerra. Um sonho que reuniu países com séculos de rivalidade em torno da ideia de um mundo sem fronteiras, democracias em diálogo permanente e nações atentas às questões da desigualdade regional.

No contexto global, países mais pobres como Portugal, Espanha e Irlanda, entre outros, se beneficiaram com políticas de financiamento de países mais ricos.

A construção desse arcabouço institucional apresentou fissuras que se aprofundaram nos últimos dez anos. Às grandes metrópoles ricas, multiculturais e educadas, como Londres, se contrapunham as periferias abandonadas e populações marginalizadas, sem emprego e sem amparo social. Um ambiente propício para a emergência de discursos nacionalistas, populistas e xenófobos. Não à toa, os temas da imigração e da representação política dominaram a discussão sobre o referendo.

Na base ideológica de partidos extremistas que crescem na Europa ou na pregação de intolerância e racismo do candidato republicano nos EUA há uma nítida disposição para se apontar “inimigos”. Esse é o ingrediente que alimenta o ódio contra os “estrangeiros” e as minorias, a quem se quer fechar as portas e, se possível, destituir direitos básicos.

A outra ponta que sustenta o discurso autoritário é a descrença na representação política tradicional. A retórica demagógica quer fazer crer que a vontade popular se faz nas ruas, no voluntarismo e na força das massas, em contraste às instâncias moderadoras próprias de uma república democrática representativa. Como se mudanças pudessem ser feitas no grito e até com violência, em vez de passar pelo crivo do debate parlamentar.

É próprio do discurso totalitário – como bem vemos aqui mesmo, no Brasil – promover desgaste de partidos e instituições tradicionais. Compactuar com isso é negar o valor intrínseco da política como território legítimo para embate de ideias e de interesses da sociedade.

O sonho da união europeia, agora fraturado, é algo que diz respeito a todos nós. O que está em jogo, na Europa ou em qualquer lugar no planeta, é a crença nas ideias civilizatórias. A utopia de um mundo progressista, mais igualitário e mais fraterno, que deve sempre prevalecer.

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Sonho Brasileiro

Dados do Ministério da Justiça indicam uma corrida de estrangeiros em busca de regularização de seu status de imigrantes no Brasil. Os números impressionam: 961 mil pessoas em 2010 e 1,466 milhão só nos primeiros seis meses de 2011 buscaram os guichês da Polícia Federal para obter legalmente o direito de construir sua vida, ou reconstruí-la, entre nossas fronteiras.

O número de brasileiros morando no exterior caiu à metade. Estão minguando as levas de compatriotas nossos sinceramente iludidos com as miragens do “American dream”, e também de algum “European dream”. Eram os filhos para quem a nossa pátria não estava sendo mãe gentil.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/11619-sonho-brasileiro.shtml