A Utopia Ameaçada

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 27/06/2016

Não é o fim do mundo, mas é um mundo pior.

A decisão dos britânicos de retirar o Reino Unido da União Europeia acende luzes de emergência sobre o modelo que se projetava a partir de uma Europa unificada.

Muita coisa está em jogo. Não são apenas consequências econômicas, com repercussão na economia global. Há impactos políticos, sociais e culturais de enorme relevância.

O rompimento britânico é o mais contundente golpe já desferido contra o sonho civilizatório que levou àquela aliança no pós-guerra. Um sonho que reuniu países com séculos de rivalidade em torno da ideia de um mundo sem fronteiras, democracias em diálogo permanente e nações atentas às questões da desigualdade regional.

No contexto global, países mais pobres como Portugal, Espanha e Irlanda, entre outros, se beneficiaram com políticas de financiamento de países mais ricos.

A construção desse arcabouço institucional apresentou fissuras que se aprofundaram nos últimos dez anos. Às grandes metrópoles ricas, multiculturais e educadas, como Londres, se contrapunham as periferias abandonadas e populações marginalizadas, sem emprego e sem amparo social. Um ambiente propício para a emergência de discursos nacionalistas, populistas e xenófobos. Não à toa, os temas da imigração e da representação política dominaram a discussão sobre o referendo.

Na base ideológica de partidos extremistas que crescem na Europa ou na pregação de intolerância e racismo do candidato republicano nos EUA há uma nítida disposição para se apontar “inimigos”. Esse é o ingrediente que alimenta o ódio contra os “estrangeiros” e as minorias, a quem se quer fechar as portas e, se possível, destituir direitos básicos.

A outra ponta que sustenta o discurso autoritário é a descrença na representação política tradicional. A retórica demagógica quer fazer crer que a vontade popular se faz nas ruas, no voluntarismo e na força das massas, em contraste às instâncias moderadoras próprias de uma república democrática representativa. Como se mudanças pudessem ser feitas no grito e até com violência, em vez de passar pelo crivo do debate parlamentar.

É próprio do discurso totalitário – como bem vemos aqui mesmo, no Brasil – promover desgaste de partidos e instituições tradicionais. Compactuar com isso é negar o valor intrínseco da política como território legítimo para embate de ideias e de interesses da sociedade.

O sonho da união europeia, agora fraturado, é algo que diz respeito a todos nós. O que está em jogo, na Europa ou em qualquer lugar no planeta, é a crença nas ideias civilizatórias. A utopia de um mundo progressista, mais igualitário e mais fraterno, que deve sempre prevalecer.

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Conta Amarga

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 11/05/2015

A conta do populismo e da irresponsabilidade da gestão petista começa a chegar ao bolso dos brasileiros. E ela será bem alta, especialmente para os que menos têm. Na contramão da economia global, que crescerá 3,5% este ano, o Brasil está no pequeno grupo de 16 entre 189 países que caminham para a recessão, segundo o FMI. 

O PIB encolheu, o salário real teve a sua maior queda desde 2004, segundo o IBGE, e o desemprego encosta nos 8%, pelos dados da PNAD. A inflação acelerou, superando 8% em doze meses e em apenas quatro meses deste ano já superou 4,5%, a meta oficial para o ano. 

Diante de tamanha deterioração, o governo promove uma das mais chocantes mutações já registradas em nossa história contemporânea, adotando uma política de arrocho que contraria tudo o que sempre pregou e havia prometido em campanha. A receita é rudimentar e injusta: aumento de tributos, elevação das tarifas públicas e corte de benefícios trabalhistas como o seguro-desemprego e o abono salarial. 

Ao se recusar a fazer as reformas que o país demanda, ao inventar uma nova matriz econômica que desorganizou as contas públicas e ao impor uma política de crescimento baseada quase que estritamente no consumo, o governo colocou em risco inúmeras conquistas brasileiras. E, agora, chama a sociedade para pagar a conta de suas escolhas erradas. 

Encorajado a consumir e se endividar, o cidadão caiu em uma cilada. Nada menos que 55,6 milhões de brasileiros estão sem condições de arcar com suas dívidas e os juros continuam subindo. Em conjunto, esta dívida chega a R$ 235 bilhões. O brasileiro está mais pobre, mais pessimista e se sentindo mais desprotegido. 

A tendência é que este quadro se agrave, com a alta do desemprego. As famílias fazem o que podem –cortam despesas, criam alternativas como as compras em grupo no atacado e começam a sacar sua poupança. 

Na contramão da população, o governo é incapaz de fazer qualquer gesto de alguma responsabilidade, como, por exemplo, reduzir a paquidérmica estrutura de Estado –ministérios em profusão e milhares de cargos que servem exclusivamente à garantia de apoio da sua base congressual, como assistimos agora nas votações do chamado ajuste fiscal. 

O que ainda esperar do petismo? O pacote de maldades parece que está só no começo. Os investimentos sociais já desabaram e mesmo na área onde brilha o slogan “Pátria Educadora” o dinheiro secou, como é o caso do Fies. 

E a emoldurar tudo isso temos uma presidente que não consegue se manifestar sequer em cadeias de rádio e TV e que demonstra receio em participar de eventos públicos, como agora, quando cancelou a agenda no Rio para comemorar os 70 anos da vitória dos aliados. 

E são apenas cinco meses de governo.

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