Carta a Fernando Brant

Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 15/06/2015

 

Fernando, querido amigo:

Se eu soubesse que aquele encontro em Belo Horizonte há pouco mais de um mês, junto a alguns bons amigos, seria o último a nos reunir, certamente eu teria me despedido de você de um outro jeito. Teria dito o que nunca cheguei a dizer em toda a sua extensão: você foi um dos melhores e nos fará uma falta sem tamanho.

Falo aqui do homem, do artista, do companheiro. Foram mais de 30 anos de convivência desde a memorável campanha de Tancredo para o governo de Minas, em 1982. Ali me aproximei do poeta que ajudava a compor a trilha sonora da minha geração. Para tantos jovens que amavam os Beatles e os Rolling Stones, a música do Clube da Esquina era o ingresso sem volta na beleza e na inquietude de um som brasileiro, sendo antes de tudo mineiro e sendo acima de tudo universal. Suas letras, Fernando, vinham de algum lugar que era alma e era também terra, era sentimento e era geografia.

Foi um privilégio essa convivência que a vida me deu na esteira dos sonhos de fazer uma política melhor para um mundo melhor. Eu entendi o que lhe movia e alimentava, o que estava inscrito em todas as suas letras: o amor sem fim pelo ser humano, a confiança no outro, a dignidade e o respeito como faróis, a paixão pela vida vivida em cumplicidade, afeto e alegria. E pude ver como a delicadeza e a generosidade conviviam com a sua bravura e a intransigência na defesa de princípios.

Sua vida foi um permanente exemplo de como ser coerente e íntegro mesmo nos momentos mais difíceis. Nos vários enfrentamentos políticos a que nunca renunciou, nos embates em torno da preservação do direito autoral, na celebração emocionada que suas letras fazem de uma identidade brasileira e latino-americana, em tudo era o mesmo homem clamando por justiça e por maior igualdade . E tudo isso sem nunca deixar de ser o que sempre você foi: um poeta maior. Um homem de palavra. E de palavras.

Fernando, talvez você não soubesse o quanto sua amizade e confiança me honraram. Sei como é difícil para um artista se expor em disputas políticas. Isso só acontece quando se acredita verdadeiramente em um caminho. Vou guardar para sempre, “no lado esquerdo do peito”, seu sorriso franco e suas palavras de apoio e coragem, especialmente as manifestadas publicamente durante a nossa campanha ano passado, em defesa de um novo e ousado projeto de país.

Obrigado, amigo. É triste que você tenha partido tão cedo, quando há ainda tantas coisas por fazer e sonhar, mas é com a alma plena de reconhecimento que lhe digo: sua passagem não foi breve, foi intensa, admirável.

Os que ficam sabem o quanto você vive em todos nós.

Saudades,

Aécio.

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Fernando, coração civil

Aécio Neves – Jornal Estado de Minas – 14/06/2015

 

A ausência de Fernando Brant tem ocupado um lugar especial no meu coração. Não é difícil entender por quê. Pego de surpresa pela sua partida, percebo que ela nos deixa o mesmo aprendizado de sua poesia. Precisamos ficar atentos para que o tempo seja nosso aliado e para não nos esquecermos do que é realmente fundamental nesta vida: a solidariedade, o afeto, a esperança, que ganham a forma,  o rosto e o nome daqueles que respeitamos e amamos.

Ao me despedir de Fernando, no último sábado, assim como outros amigos,  me despedi do que tivemos e do que não tivemos. Lamentei os encontros a mais que gostaria de ter marcado e não pude, das outras conversas que imaginei que um dia teríamos e que, agora, sei que não vão mais acontecer. Era nisso que eu pensava enquanto caminhava pelo salão triste do Palácio das Artes, para velar o grande poeta. Ali, revivi o nosso último encontro, há pouco mais de um mês, e suas palavras ganharam para mim profético sentido – “a hora do encontro é (sempre) também despedida”.

Entre tantas e tantos amigos, em comovido silêncio, revisitamos, cada um a seu modo, a já longa jornada de cada um de nós e tenho certeza que outros, como eu, relembraram a presença de Fernando em suas vidas. Nas minhas lembranças, eu o vi em momentos cruciais do país, em que partilhamos a construção do Brasil contemporâneo – a busca por liberdade, direitos e justiça, em um país ainda em plena construção.

Fernando nos deixou um legado de rara beleza e sensibilidade, no qual vida e obra se confundem.  Sua biografia compõe um hino declarado à vida e ao bem-querer. Nas reuniões festivas e sagradas com a família, na companhia fraterna dos amigos ou nas conversas noite adentro sobre o presente e o futuro do país, era sempre o homem cordial, apaixonado, vibrando com as mesmas convicções.

Agora, enquanto nos recordamos de tantas canções que falam de um tempo que nunca se esgotará, entendemos melhor a dimensão desse repertório inesgotável de humanismo.  Não à toa, somos muitos os que choramos essa perda, em todo o Brasil.

Nas dezenas de letras que escreveu, Fernando traçou um itinerário de afetos, crenças e esperanças. Cantou a sua terra como poucos, celebrou o amor e a fraternidade, clamou por justiça e traduziu as dores e alegrias das grandes paixões. Foi sábio, sem ser jamais arrogante. Foi um dos homens mais simples com quem tive a sorte de conviver, mesmo sendo um dos grandes artistas de sua época. Em seu mundo, cabiam a amizade e a solidariedade, não havia espaço para a descrença, a inveja e o desperdício dos sentimentos. A vida tinha de ser leve, é o que parecia nos dizer com seu jeito discreto e ameno.

Ao mesmo tempo, o homem afável e generoso não se furtava à luta pública a favor das boas causas. Na defesa intransigente dos direitos dos autores, batalha na qual militou na linha de frente, ou na luta pela redemocratização e pela consolidação de governos comprometidos com as liberdades, a democracia e a valorização da cidadania e da cultura, Fernando foi um guerreiro convicto, resoluto, íntegro.

Nossos caminhos se cruzaram há mais de três décadas, quando ele abraçou a campanha de Tancredo ao governo de Minas, em 1982. A partir daquele momento, estivemos juntos em muitas caminhadas, desde a memorável mobilização pelas Diretas até a campanha presidencial do ano passado, quando, mais uma vez, ele me honrou com sua confiança e apoio. Estivemos juntos no mesmo sonho de Minas e do Brasil, e a implantação do Circuito Cultural da Praça da Liberdade foi um dos projetos que nos uniu e mereceu a sua defesa pública.

Em tudo o que fez e escreveu, sua terra emergia como fonte inspiradora e mobilizadora. Minas esteve sempre cravada na alma desse mineiro que, sem precisar sair daqui, alargou as nossas fronteiras para muito além das montanhas e rios que ele expressou como ninguém.

Sou do ouro, sou vocês, sou do mundo, sou Minas Gerais. A esse mineiro do tamanho do mundo, o meu sincero e profundo reconhecimento. Foi uma honra, Fernando!

 

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