Agência de Risco rebaixa nota do Brasil

Uma das principais agências de rating do mundo, a Standard & Poor’s (S&P), reduziu ontem (24) a nota de crédito do Brasil para BBB- a menor possível entre o grupo de países com “grau de investimento”, isto é, aqueles carimbados como seguros para investidores institucionais e o mercado financeiro. Em pleno ano eleitoral, o governo Dilma Rousseff foi surpreendido pela notícia, porque acreditava ser capaz de impedir a decisão, que ameaçava o País desde o ano passado.

Em um duro comunicado, a S&P apontou para a deterioração da política fiscal, o baixo crescimento da economia, o uso de bancos públicos para sustentar os programas do governo, o adiamento do reajuste de energia e o abatimento das desonerações tributárias para o cumprimento da meta do superávit primário, expediente criado no ano passado.

“Apesar da recente reprogramação orçamentária, que incluiu o esforço de cortar algumas despesas em 2014, será difícil atingir a meta de 1,9% de superávit primário sem o recurso das receitas extraordinárias, em nossa visão, e dado o baixo crescimento da economia e a manutenção das desonerações. A implementação das medidas recentemente anunciadas para evitar as perdas do setor elétrico (devido ao baixo nível de chuvas e a dependência de energia térmica mais cara), sem ter aumentado a tarifa de energia em ano eleitoral, será desafiadora”, diz o relatório da S&P.

Segundo apurou o Estado, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, soube da decisão à tarde, durante reunião no Palácio do Planalto com Dilma, banqueiros e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini.

Em nota oficial, o Ministério da Fazenda qualificou a decisão da S&P como “inconsistente” com as condições da economia brasileira. A Fazenda afirma que o anúncio é “contraditório”, “não procede”, e que a agência questiona “equivocadamente” a suficiência do Investimento Estrangeiro Direto (IED) no Brasil. “Independentemente de quaisquer avaliações, reafirmamos nosso compromisso com o cumprimento da meta de superávit primário de 1,9% do PIB” disse a Fazenda.

Nos bastidores, a equipe econômica avalia ser possível um novo rebaixamento no ano que vem, o que retiraria o Brasil do grupo de países mais confiáveis, o chamado investment grade. O anúncio, no início da noite de ontem (24), serviu também de combustível para críticas da oposição.

A decisão da S&P, cujos especialistas visitaram o Brasil há duas semanas, chegou em momento em que o governo julgava estar superando as dificuldades dos dois últimos anos.

O drama no governo é que o anúncio da S&P pode desencadear um efeito em manada, isto é, outras agências de classificação de risco, como Fitch e Moody’s, podem seguir a onda.

Esse rebaixamento foi emblemático porque a S&P foi a primeira agência a elevar a nota do Brasil, há seis anos. O governo confiava na melhora da economia brasileira, ao longo deste ano, para driblar o corte.

 

Surpresa

De acordo com uma fonte graduada da equipe econômica, o que surpreendeu foi o peso dado ao ritmo de crescimento econômico. “O tema fiscal é momentâneo, todo mundo sabe que tem a ver com a transparência e os problemas de 2012, mas isso não se repetiu e nem se repetirá”, disse a fonte. “Mas apontar o crescimento, justamente neste momento de retomada da economia foi surpreendente.”

Segundo outra fonte graduada, a situação é sensível, mas o quadro continua positivo, uma vez que a nota continua como “grau de investimento”. À noite, as notas de crédito da Petrobrás e da Eletrobrás também foram rebaixadas. (João Villaverde e Adriana Fernandes)

Tempo de espera

Artigo do jornalista Celso Ming – Estadão – 24/01/2014

 

O Banco Central, presidido por Alexandre Tombini, não foi claro sobre os próximos passos da política de juros. A ata da última reunião do Copom, divulgada ontem, pareceu indicar que a hora é de esperar para ver.

É uma reação que aguarda novos dados. O primeiro deles é o comportamento da inflação. A evolução do IPCA em dezembro fora surpreendentemente alta e obrigou o Banco Central a puxar pelos juros mais do que pretendera até então.

As primeiras indicações de janeiro são parcialmente positivas. Ontem foi divulgada também a evolução do IPCA-15, que é o mesmo cálculo da inflação em 30 dias, com a diferença de que é medido do dia 15 de um mês ao dia 15 do mês seguinte. Não foi levado em conta para a redação da ata. Esse novo indicador apontou uma evolução bem mais baixa do que a de dezembro (de 0,75% em vez de 0,67%). Mas foi ainda mais baixa do que o 0,92% obtido em dezembro inteiro. Ou seja, a inflação voltou a desacelerar. A dúvida está em saber se a desaceleração é consistente. O alto índice de dispersão (mais de 75% dos itens da cesta de consumo acusaram elevação), o mais alto desde 2003, não dá muita esperança. É o que indica a forte resistência da alta de preços.

E há os puxadores de inflação, ainda não removidos: alta do dólar, aumento dos custos da mão de obra e indexação (reajustes automáticos de preços) extensa demais. Sobre o câmbio, o Banco Central avisa que já está trabalhando com uma cotação do dólar de R$ 2,40. Se é isso, pode ser mais. As contas externas deterioradas contribuem para empurrar a alta da moeda estrangeira.

O outro dado positivo aparentemente esperado pelo Banco Central é algum anúncio do governo federal de que a administração das contas públicas pode ser bem mais austera neste ano, mesmo tendo à frente as eleições de outubro.

No parágrafo 22 da ata está dito que a geração de superávits primários (ou seja, de sobra de arrecadação para pagamento da dívida) mais altos ajudaria a combater a inflação, a diminuir o custo de financiamento da dívida pública, etc. Traduzindo, isso parece certa pressão do Banco Central para que a política fiscal assuma uma parte maior da função do contra-ataque à inflação para que os juros básicos (Selic) não tenham de ser excessivamente acionados.

É possível que a presidente Dilma tire uma nova carta da manga para tentar melhorar o astral dos mercados e recuperar a confiança do setor privado. Até agora não há indicação disso.

Também importantes foram as indicações da ata de que não dá para esperar por uma melhora do crescimento econômico em 2014. O parágrafo 21 fala em “ritmo mais moderado do que é observado em anos recentes”. E, no entanto, em anos recentes, o crescimento do PIB foi muito fraco (2,7% em 2011, 1,0% em 2012 e, provavelmente, não mais do que 2,3% em 2013).

Enfim, não há firmeza de que a inflação esteja em retirada. O avanço em 12 meses pode recuar em janeiro e até mesmo em fevereiro, mas, se nada de importante se fizer para remover as causas, a alta de preços deve ser retomada mais à frente.

 

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IPCA pode superar teto nas eleições

As projeções mensais para o Índice Nacional de Preços ao Amplo (IPCA) ao longo de 2014, que constam da última pesquisa Focus, feita pelo Banco Central com analistas de mercado, indicam que a inflação vai continuar em alta e voltará a beirar o teto da margem de tolerância (6,5%) no segundo semestre.

No auge da disputa eleitoral, portanto, é possível que a economia viva momento semelhante ao de junho do ano passado, quando manifestações tomaram as ruas do País em meio ao reajuste das tarifas de transporte, mas com a inflação em 6,7% corroendo o poder de compra da população.

Se essas projeções se confirmarem, o pico do IPCA se daria em setembro, próximo de 6,4%. Vale ponderar, no entanto, que essas análises devem ser revisadas já na segunda-feira, dada a surpresa com o dado de dezembro, que veio acima do teto das estimativas coletadas pelo Broadcast, serviço em tempo real da Agência Estado (entre 5,73% e 5,88%). Há possibilidade, portanto, de que a alta de preços volte até a superar o limite da banda de flutuação bem no meio das eleições – mesmo descartando novos choques de preços, como uma eventual quebra de safra pelo frio nos EUA.

Juros

O mercado até ensaiou uma alta mais forte da taxa de juros no mercado futuro nesta sexta-feira, após a surpresa da inflação de dezembro, com a maior variação mensal em dez anos. Mas a pressão durou pouco. Mais precisamente até que o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, soltasse seu tradicional comentário sobre a alta dos preços no ano, com um tom mais “dovish” (suave), segundo a reação imediata de desaceleração nas taxas futuras.

A inflação na última década

Para Tombini, a inflação ao consumidor mostrou resistência apenas “ligeiramente acima daquela que se antecipava”. Além disso, o Banco Central continua colocando o câmbio e os choques de preços (gasolina pressionando o setor de transportes) como os principais responsáveis pela persistência do indicador – apesar de ter incluído o mercado de trabalho. “Essa resistência da inflação, em grande medida, se deveu à depreciação cambial ocorrida nos últimos semestres, a custos originados no mercado de trabalho, além de recentes pressões no setor de transportes.”

Como o presidente do BC disse em diversas oportunidades, a expectativa era que o IPCA ficasse abaixo do nível do ano anterior (5,84%). O mercado enxergava isso como uma espécie de meta informal, uma vez que o compromisso oficial, de 4,5%, estava fora de alcance. O resultado, no entanto, de 5,91%, frustrou essa projeção e trouxe como agravantes uma piora dos núcleos inflacionários e da dispersão da alta dos preços.

Avaliação

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria Integrada, classificou o IPCA em 2013, de 5,91%, como “desastroso”, levando em conta as desonerações feitas pelo governo para controlar a alta de tarifas como da energia elétrica. “Não tem nada para comemorar. É muito ruim, em um ano no qual o governo fez de tudo e tomou medidas que custaram caro.”

Segundo Alessandra, esse cenário reforça a expectativa de inflação alta no ano que se inicia, na casa dos 6%, com risco de estouro do teto de 6,5% da meta. “Nessa previsão de 6% existe pouco espaço para a acomodação de choques. Se o ano tiver qualquer choque de câmbio ou de alimentos, há risco de a inflação ficar muito próxima do teto ou passar do teto.”

Para o estrategista-chefe do Banco Mizuho do Brasil, Luciano Rostagno, o governo está sem margem de manobra para segurar os preços administrados e a recomposição deles em 2014 se torna um grande desafio no controle da inflação.

Segundo ele, a questão dos preços controlados deixa o cenário igualmente desafiador para o BC. “O governo terá de proporcionar o reajuste dos administrados porque seu espaço fiscal está muito apertado.”

Rostagno prevê ainda uma alta da Selic na semana que vem. “Essa alta do IPCA em 2013 acima da inflação de 2012 aumenta a chance de elevação de 0,50 ponto porcentual do juro”, completou.

 

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