Dia da Consciência Negra – “A centenária luta dos negros: é preciso continuar”, por Juvenal Araújo, presidente do Tucanafro

“Negro não nasceu pra ser escravo, negro não nasceu pra ter senhor”! Ouvi essa frase como refrão marcante de uma música em uma roda de capoeira. A primeira vez que a ouvi, era Fuzileiro Naval do 1º Distrito Naval da Marinha, situado na Praça Mauá, no Rio de Janeiro. As rodas de capoeira sempre me fascinaram. Primeiro, porque enfrenta as leis da física e os limites do corpo com a performance malabares dos seus jogadores, ritmicamente marcadas; e segundo — e para mim o mais importante — porque é a perpetuação, centenas de anos depois, da primeira manifestação de luta e resistência contra a escravidão e subjulgo dos negros. Agora em novembro, mês da Consciência Negra, período em que seguimentos organizados da sociedade se propõe refletir a situação do racismo no país, veremos que a situação do negro remonta muito da violência do período imperial, quando não nos era reconhecida a condição humana, animalizam-nos, e nossa vida não tinha muito valor.

E é recorrendo a um clichê, o que diz que “frente aos fatos não há argumentos”, que exemplifico com números o genocídio (emprego o termo sem medo de incorrer em arroubos retóricos) a qual comunidade negra brasileira está submetida.

Começando pela pesquisa mais recente, a do aumento do número de homicídio de mulheres negras. No documento, registra-se com todas as letras que “as taxas de homicídios da população branca tendem, historicamente, a cair enquanto aumentam as taxas de mortalidade entre os negros”. Assim, ao analisar a violência contra as mulheres, mostra que o número de homicídios de mulheres brancas caiu de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576, em 2013. Uma queda de 9,8% no total de homicídios do período.

Já os homicídios de mulheres negras, entretanto, aumentaram 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas.

O estudo foi elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), com o apoio três entidades da Organização das Nações Unidas (ONU).

Paralelamente, o Mapa da Violência Contra Jovens 2015,— ainda que em sua versão preliminar — já mostra números “genocídios” contra os jovens negros. Na faixa de 0 a 17 anos de idade, morreram vítimas de homicídio 1.127 “crianças e adolescentes brancos, e 4.064 negros”. Nesse total, ao refinar a análise, com a idade entre 16 e 17 anos, foram mortos 703 brancos (62,4%), e 2.737 negros (67,3%).

Fazendo a equivalência desses números a grupos de 100 mil habitantes, quando observasse os adolescentes de 16 e 17 anos, a taxa de homicídios de brancos foi de 24,2 por 100 mil. Já a taxa de adolescentes negros foi de 66,3 em 100 mil. “A vitimização, neste caso, foi de 173,6%. Proporcionalmente, morreram quase três vezes mais negros que brancos”, assinala o estudo.

Pra realçar ainda mais esse “quadro macabro”, a Pesquisa de Violência por Morte Matadas por Arma de Fogo, ressalta “que em todas as categorias de raça/cor, os homicídios são a forma quase exclusiva de utilização das Armas de Fogo”. Para os negros, porém, esse fato adquire sua máxima expressão: 95,6% de suas vítimas de bala foram assassinados, fato que se repete em maior número entre os jovens negros.

Entre os 28.946 negros mortos por arma de fogo, em 2012, 95,6% foram por homicídio. Suicídios e acidentes também entram na classificação de morte por armas de fogo.

A população branca, cujas mortes por arma de fogo totalizaram no mesmo período 10.632 — quase um terço do total de negros menor — 90,9% foi por homicídio. Em suma, morreram duas vezes e meia mais negros do que brancos por arma de fogo.

Esse drama foi constatado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência Contra Jovens Negros e Pobres. Presidida por um parlamentar do PT, o seu relatório final, entregue no dia 15 de julho, em nada sensibilizou a presidente Dilma Rousseff, quando anunciou, em outubro, o rebaixamento do status ministerial da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR),

A remoção do status de ministério da SEPPIR, simbólico para 97 milhões de brasileiros que se declararam pardos ou negros, foi o ponto alto do desmonte do Programa de Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial. Nos últimos anos houve uma redução sistemática do orçamento destinado à Seppir. Em 2012, foram orçados 105,5 milhões. Em 2013 o valor caiu para R$ 76,1 milhões e, em 2014, desceu para R$ 64,8 milhões. Seguindo a mesma lógica, e potencializado pelos cortes orçamentários feitos pelo governo, a SEPPIR, para 2015, teve apenas R$ 28 milhões.

Após a subordinação do Seppir a outro ministério, a imprensa apurou que o governo federal gastará em 2016 mais com cafezinho nos ministérios e na Presidência da República, que com o Programa de Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial. Serão gastos até 2016 cerca de R$ 81,4 milhões em contratos com o cafezinho.

Assim, consciência, enquanto percepção dos estímulos a sua volta e que confirmam a existência humana, é o que todos devem ter com relação ao negro brasileiro.

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Minas teve o maior superávit do país em 2014, aponta levantamento do Banco Central

Minas Gerais teve em 2014 o melhor balanço das contas públicas de todo o país, de acordo com levantamento feito pelo Banco Central, sob a ótica do chamado resultado primário, aquele que considera a arrecadação e os gastos, sem contar o pagamento dos juros da dívida pública. Minas apurou superávit de R$ 3,1 bilhões no ano passado, melhor desempenho indicado pelo Boletim Regional do BC concluído em abril, entre os oito estados selecionados pela instituição de Norte a Sul do país.

Publicado a cada trimestre, o documento faz um relato sobre a performance da economia em todas as grandes regiões, com ênfase em indicadores que têm repercussão importante na política monetária do governo federal. São considerados do comportamento da indústria, comércio, setor de serviços e agropecuária ao movimento do emprego e da renda, passando também pela situação fiscal dos governos estaduais e municipais. Além de Minas, só o Rio Grande do Sul apresentou superávit fiscal em 2014, de R$ 975 milhões (veja o quadro). Ficaram deficitárias as contas dos outros seis estados selecionados, com destaque para São Paulo, que amargou déficit de R$ 3,4 bilhões; e o Rio de Janeiro, de R$ 7,18 bilhões.

O resultado primário indica a capacidade que o poder público teve em determinado período para economizar recursos necessários ao pagamento de encargos financeiros da dívida pública. A diferença positiva no balanço das contas mineiras inclui, como na metodologia usada para o resultado final dos demais estados, os números dos governos estadual, da capital e dos principais municípios.

O relatório do BC destaca que o superávit obtido em Minas refletiu quase na sua totalidade a expansão da economia de gastos feita pelo governo estadual no último ano. Quando analisada a dívida líquida do estado, da capital e dos principais municípios mineiros, esse valor total alcançou R$ 89,4 bilhões, tendo avançado 10% frente a 2013. O endividamento líquido do governo estadual cresceu 9,7% no ano passado, ante 28,5% no caso das contas da Prefeitura de BH.

Ainda segundo o estudo da autoridade monetária, houve uma grande deterioração das contas públicas no país no ano passado. O déficit primário global dos estados, capitais e principais municípios do país atingiu R$ 10,7 bilhões, uma reversão diante do superávit que havia sido obtido em 2013, de R$ 17,7 bilhões. Todas as regiões mostram piora no balanço de 2014, com redução do superávit de um ano para o outro no Sul e no Centro-Oeste, e déficits, em lugar de saldos positivos, no Sudeste e no Nordeste. O Norte ampliou a situação deficitária que havia sido observada em 2013.

 

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No Facebook, Aécio comenta discurso de Dilma na Reunião Ministerial

Em sua página no Facebook, Aécio Neves fez comentários sobre o discurso feito da presidente Dilma, na Reunião Ministerial.
Leia:
 

COMENTÁRIOS SOBRE TRECHOS DO DISCURSO DA PRESIDENTE DILMA – REUNIÃO MINISTERIAL

“Nossa meta será continuar o projeto iniciado em 2003”, afirmou a presidente na abertura da reunião. A presidente explicou ainda que os ajustes econômicos são necessários e que irão “ampliar o projeto vitorioso nas urnas”. “Os ajustes que estamos fazendo são necessários para manter o rumo, preservando as prioridades sociais que iniciamos há 12 anos. As medidas que iniciamos e consolidaremos vão continuar um projeto vitorioso nas urnas”, continuou a presidente.

COMENTÁRIO:

O projeto que venceu nas urnas foi diferente daquele que a presidente está implementando. A presidente prometeu uma coisa e está agora fazendo algo completamente diferente, que ela não discutiu ao longo da campanha. E sabemos, hoje, que o estelionato eleitoral foi duplo – o governo já vinha estudando nas mudanças no seguro desemprego, abono salarial e pensões antes das eleições, mas não apenas negava a necessidade de mudanças como atacava quem falava na necessidade de alguns ajustes. Foi um estelionato eleitoral premeditado.

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A presidente destacou as iniciativas no campo tributário e afirmou que vai apresentar um plano nacional de exportações. Em seu discurso, falou que é preciso tentar manter o desenvolvimento econômico do país, apesar do cenário internacional, e defendeu que haja “continuidade” em seu governo, com mudanças. “Precisamos de reequilíbrio fiscal para recuperar o crescimento da economia […] garantindo a continuidade da criação de emprego e da renda”, afirmou.

COMENTÁRIO:

A presidente Dilma e o seu governo estão perdidos. O melhor plano para aumentar as exportações é o crescimento da produtividade, uma taxa de câmbio mais desvalorizada e acordos comerciais que não foram prioridades no governo Dilma e no governo do PT, que priorizou uma abordagem ideológica na nossa política comercial. E hoje o equilíbrio fiscal é necessário devido à política fiscal irresponsável do governo Dilma, que nos levou de um superávit primário de 3% do PIB para um situação de déficit primário.

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“Em nenhum momento do primeiro mandato descuidei da inflação”, assinalou a presidente.

COMENTÁRIO:

A inflação média no governo Dilma foi de 6,2% ao ano, acumulando uma inflação de 27% em quatro anos. Hoje, em um mundo de inflação baixa e próxima de zero na Europa, temos um país com uma inflação e elevada e que, este ano, corre o risco de passar de 7% e estourar o teto da meta. A presidente não apenas “descuidou da inflação” como segurou preços da gasolina e da energia, que serão reajustados agora. Em 2015, teremos um tarifaço, graças à política artificial da presidente Dilma de controlar a inflação, que foi um desastre duplo: não reduziu a inflação e deixou um prejuízo monumental para a Petrobras e Eletrobras.

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Dilma prometeu ainda a desburocratização. “Vamos fazer mais, gastando menos”, afirmou. A presidente anunciou o lançamento de um programa de desburocratização das relações das empresas e de cidadãos com estados, visando ao aumento de competitividade nas empresas. Ela também afirmou que o governo está preparando a reforma do PIS/Cofins e que deverá apresentar um Plano Nacional de Exportações, para estimular o comércio exterior.

COMENTÁRIO:

Por que o governo não fez isso até agora? Como um governo que promete reforma do PIS/Cofins acabou de aumentar esse tributo sobre importações e combustíveis? A única reforma que foi feita até agora foi o aumento da carga tributária, na semana passada, em mais de R$ 20 bilhões, em um contexto de PIB estagnado.

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A presidente prometeu continuar com concessões de rodovias, ampliar concessões de aeroportos e também realizar concessões para hidrovias.

COMENTÁRIO:

Ao longo do governo Dilma, apesar do crescimento do gasto público em mais de R$ 200 bilhões, o investimento do Ministério dos Transportes caiu em mais de 20% e a taxa de investimento da economia brasileira, hoje, é menor do que em 2010. O plano de investimento foi tímido e o investimento público em infraestrutura foi reduzido.

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“O Brasil continua sendo uma economia continental, diversificada, um grande mercado interno com empresas e trabalhadores habilidosos e versáteis”, continua a presidente, que passa a citar números da economia brasileira

COMENTÁRIO:

De acordo com as projeções do mercado, o crescimento médio do Brasil nos próximos quatro anos será por volta de 1,5% ao ano e a taxa de juros do mercado ficará acima de 10% ao ano. Tivemos, no ano passado, um buraco grande nas contas externas – déficit em conta corrente de 4,2% do PIB – com queda do investimento, a inflação está em alta e a geração de emprego formais em 2014 foi a pior desde 1999. O Brasil está pagando um preço muito alto pela incompetência e amadorismo da política econômica do primeiro governo Dilma.

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A presidente se dirigiu às ministras e lembrou que o País é o maior consumidor de cosméticos do mundo.

COMENTÁRIO:

Mas o governo acabou de aumentar os impostos sobre a produção de cosméticos e a taxa de juros sobre operações de empréstimo. Isso significa que mesmo o que ia bem o governo agora tenta piorar, sugando recursos para financiar seus 39 ministérios.

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Durante seu discurso, Dilma também recomendou que os ministros reajam ao que ela chamou de “boatos”. “Devemos enfrentar o desconhecimento, a desinformação, sempre e permanentemente. Nós não podemos permitir que a falsa versão se crie e se alastre, reajam aos boatos […]. Por exemplo, quando disserem que vamos acabar com os direitos trabalhistas, respondam em alto e bom som: “não é verdade”.”Reajam aos boatos, travem a batalha da comunicação, levem a posição do governo à opinião pública”, afirmou a presidente aos ministros.

COMENTÁRIO:

Na verdade, a grande fábrica de boatos foi o PT, a candidata Dilma e seu marqueteiro na campanha de 2014. O que está acontecendo agora não é boato. A presidente já editou de forma autoritária Medidas Provisórias retirando direitos dos trabalhadores e pensionistas. Hoje, pela proposta do governo, quem trabalhou menos de seis meses com carteira assinada deixa de ter direito ao abono salarial. Novos pensionistas perderão 40% do seu benefício e o os jovens no primeiro emprego perderão direito ao seguro desemprego se não tiverem carteira de trabalho assinada por pelo menos 18 meses, antes 6 meses pela regra antiga. O governo está tirando direito dos trabalhadores.

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“Estamos tomando todas as medidas cabíveis para garantir o abastecimento de energia elétrica”.

COMENTÁRIO:

A presidente falta com a verdade. Não houve uma única propaganda para que a população economizasse água e energia e, atualmente, os reservatórios do Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste estão com menos da metade da capacidade do início de 2014. Termos um aumento de mais de 30% na conta de luz e ainda assim é alto o risco de racionamento, porque o governo não adotou medidas preventivas, pois, ano passado, estava mais preocupado com as eleições.

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“Vou chegar ao final deste mandato podendo dizer o que disse no final do primeiro: nunca um governo combateu com tamanha obstinação e honestidade a corrupção”.
A presidente Dilma também usou a reunião para reafirmar o que ela chamou de “compromisso da lisura com o dinheiro público”, com autonomia dos órgãos de investigação. E comentou as investigações feitas na Petrobras: “Temos que, principalmente, criar mecanismos que evitem que episódios como este voltem a ocorrer. Temos que saber apurar, temos que saber punir. Isso tudo sem diminuir a Petrobras”.

COMENTÁRIO:

Quem combateu a corrupção não foi o governo, mas sim a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal. O que o governo fez foi possibilitar a corrupção com o aparelhamento político das estatais para viabilizar um projeto de poder. 

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Dilma promete colocar em debate, no primeiro semestre, a reforma política e cita, como pontos a serem debatidos, o financiamento de campanha e a participação da sociedade na política.

COMENTÁRIO:

Sempre que o governo se vê em um mar de denúncias, cita a reforma eleitoral. O governo não tem proposta de reforma eleitoral, não tem proposta de reforma tributária e não tem proposta de coisas alguma. Até a política econômica foi agora terceirizada para um economista de fora do PT, porque o governo não sabe o que fazer para solucionar os problemas que ele próprio criou. A presidente Dilma não se preparou para um segundo mandato. 

 

Aécio Neves

 

Confira também a postagem no Facebook de Aécio Neves

Vendedor de Ilusões

Artigo da jornalista Miriam Leitão – Jornal O Globo – 14/01/2015

 

Ninguém se iludiu, mas o governo tentou vender ilusões. Quem acompanha o setor de energia viu e alertou que a crise que estava se formando era grande e bateria no bolso do consumidor. O governo criou a crise quando fez uma intervenção que desequilibrou empresas, mudou contratos e tentou revogar as leis de mercado. Ninguém sabe ainda o tamanho da encrenca.

A crise hídrica apenas revelou o erro do governo, mas em algum momento ele estouraria no bolso do consumidor. Para reduzir artificialmente os preços de energia em 2013, o governo editou uma Medida Provisória ignorando os alertas do setor. Antecipou o fim de contratos de concessão, impôs preços irreais às estatais federais de geração. Depois, deixou as distribuidoras expostas ao mercado de energia de curto prazo. Aí veio a queda do nível de chuvas e tudo se agravou.

Faltou planejamento, como em 2001, mas sobrou arrogância. O governo Fernando Henrique, pelo menos, admitiu o erro e montou um gabinete de crise. Decretou o racionamento e iniciou a construção das térmicas para serem a garantia do sistema. Empresas e famílias tomaram medidas imediatas para a redução do consumo e, assim, diminuíram o custo dos erros do governo.

Desta vez, quando a seca chegou, o setor estava financeiramente desequilibrado pela intervenção da MP 579 e pelos erros nos leilões de compra e venda de energia. As distribuidoras foram obrigadas a comprar uma parte da energia no mercado de curto prazo a um preço muito maior do que podiam cobrar. Os buracos foram sendo cobertos por dinheiro do Tesouro ou por empréstimos cujo aval era o repasse futuro para as contas de luz. Tudo o que incomodasse o eleitor foi adiado, como o uso do sistema de bandeiras tarifárias, previsto para começar no ano passado, ou até mesmo uma campanha de economia de energia. O governo preferiu vender ilusões.

– Não agrada a ninguém ter que aumentar a tarifa, mas também não adianta viver em um mundo de ilusão. Se o custo efetivo está em outro patamar, a única forma de aumentar a sustentabilidade é encontrar um realismo tarifário – disse Romeu Rufino, da Aneel.

Pois é. Foi isso que os analistas sérios e as pessoas sensatas do setor tentaram dizer durante todo o ano passado. A resposta de todas as autoridades foi negar que houvesse problema. A Aneel deu aval para os empréstimos bancários: uma garantia de que aquele custo dos créditos e dos juros poderia ser repassado ao consumidor ao longo de três anos. E quem pegou o empréstimo? A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, um órgão das empresas do setor e que não tem ativos. Houve conflito dentro da CCEE porque, obviamente, aquele não era o caminho para o empréstimo, mas ele foi feito assim para que parecesse uma solução privada. Os bancos públicos deram a maior parte do dinheiro, o governo negociou diretamente.

Os aportes do Tesouro na Conta de Desenvolvimento Energético – que passou a pagar uma parte do custo da redução das tarifas – e os empréstimos de R$ 18 bilhões não foram suficientes. As distribuidoras chegam agora com novo pedido de socorro. As geradoras federais estão com dificuldades financeiras, a Eletrobrás não consegue pagar pelo óleo que compra da Petrobras. E esse problema das geradoras nem foi tocado ainda.

O governo vendeu ilusões e agora chegou a hora de pagar. Será paga por nós. A conta é alta. Toda a queda do preço em 2013 foi neutralizada pelos aumentos e este ano haverá um tarifaço em três parcelas: o início das bandeiras, o aumento extraordinário e o reajuste anual. A conta seria menor se a realidade tivesse sido enfrentada mais cedo.

Questão de estilo

Conciliar a campanha eleitoral com o exercício do mandato ainda em vigor é um dos desafios impostos a políticos que ocupam cargos eletivos e decidem concorrer à reeleição ou a outras funções públicas. A fronteira entre o que é ou não permitido pela lei eleitoral muitas vezes é tênue e as discussões sobre eventuais abusos de poder inundam a pauta dos órgãos de fiscalização em ano de eleição. Enquanto não há uma reforma política capaz de dirimir essas questões fundamentais ao exercício da democracia, a população volta os olhos para o comportamento individual do candidato. A presidente Dilma Rousseff (PT) e o senador Aécio Neves (PSDB) se encontraram nesse contexto em 2014, mas ambos adotaram posturas distintas na hora de lidar com o bem público. Dilma precisava manter suas funções ativas no Executivo, enquanto lutava pela reeleição, e Aécio no Legislativo, no mesmo tempo em que estava em campanha para alcançar a Presidência da República. Nos últimos dois meses que antecederam a eleição, a presidente foi ao Palácio do Planalto, seu local oficial de trabalho, em apenas cinco ocasiões – quatro em agosto e uma em setembro. Já o senador Aécio Neves, que ensaiou tirar licença do Senado durante a campanha, mas desistiu, compareceu a quatro sessões. A diferença crucial é que, no período, enquanto Aécio devolveu seus honorários, Dilma recebeu integralmente o salário, conforme mostram os holerites que podem ser acessados pelo Portal da Transparência. O valor bruto recebido pela presidente e pelo senador é de R$ 26.723,13. Quando descontados impostos e previdência oficial, o salário líquido fica em R$ 19.850,31.

Durante a campanha, a presidente recebeu ministros e aliados no Palácio da Alvorada, a residência oficial. Em determinados encontros, assuntos de governo foram até discutidos, mas em geral eles ocorriam para tratar da campanha eleitoral. No Planalto, em agosto, Dilma recebeu no dia 1º o primeiro-ministro do Japão, Abe Shinzo, sancionou ao lado de empresários a lei que altera o Simples Nacional no dia 7 e promoveu encontros com doadores da campanha e posteriormente com a CEO da General Motors, Mary Teresa Barra, no dia 14. No fim do mês, no dia 25, ela esteve no Planalto para um encontro marcado com o presidente da CNBB, dom Raymundo Damasceno Assis. Em setembro, Dilma só compareceu em seu gabinete no dia 19 para receber atletas olímpicos e paraolímpicos, já que os próximos Jogos Olímpicos serão no Rio de Janeiro. Aquele dia, uma sexta-feira, foi o último em que os funcionários do Planalto viram a presidente em seu local oficial de trabalho. Dilma só voltou a fazer despachos do Planalto três dias após a reeleição, na quarta-feira 29 de outubro.

Nesse período, Dilma estava dividida entre gravações para programas eleitorais na TV e no rádio, viagens pelo País em busca de votos, debates e outras atividades de campanha. A assessoria de imprensa do Planalto chegou a informar que a presidente estaria realizando despachos internos e recebendo ministros normalmente. Apesar de não ir ao Palácio durante a campanha eleitoral e dedicar boa parte do seu tempo em prol da reeleição, Dilma recebeu seu salário integralmente durante os meses de junho, julho, agosto e setembro. Já o senador Aécio Neves cogitou tirar licença do Senado, mas optou por se manter no cargo por conta da estrutura de seu gabinete e também para não descartar o plenário para possíveis discursos. O tucano tomou a decisão de permanecer como senador no dia 6 de agosto e ainda afirmou que devolveria os salários de julho a outubro – período em que esteve empenhado na campanha –, e assim fez. Documentos obtidos por ISTOÉ comprovam que Aécio devolveu o salário à União por meio de um guia de recolhimento. “Devolver o salário fica a cargo de cada um, não há nada na legislação que fale sobre isso. Deveria ter uma legislação específica para falar sobre salários. É o caso de abrir uma discussão sobre isso”, pondera o cientista político Gaudêncio Torquato.

A Constituição obriga secretários e ministros a deixarem os cargos caso decidam concorrer no ano eleitoral. O mesmo não se aplica aos governadores e parlamentares. Eles até podem tirar licença, deixando a cadeira para o suplente ou para o vice. Contudo, são raros os políticos que se licenciam de seus mandatos para concorrer à eleição ou reeleição.

 

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Dilma, indevidamente

Artigo da jornalista Dora Kramer – Jornal O Estado de S. Paulo – 18/11/2014

 

Partindo do pressuposto de que não lhe falha a memória e de que o Brasil não sofre epidemia de amnésia, a presidente Dilma Rousseff incorre em ato de deliberada apropriação indébita ao atribuir ao seu governo o marco histórico no combate à corrupção, devido ao desmonte do esquema de ilícitos em funcionamento na Petrobrás entre 2003 e 2012.

Da Austrália, a presidente se pronunciou dizendo que esse é um escândalo de características especiais. Segundo ela, “o primeiro a ser investigado”. E por isso mesmo, um divisor, “capaz de mudar para sempre as relações entre a sociedade brasileira, o Estado brasileiro e as empresas privadas”, em relação à impunidade. Avocou para si o mérito, quando ele se deve a instituições que funcionaram com independência: Congresso, Polícia Federal, Ministério Público e Supremo Tribuna Federal.

Em matéria de amplitude há, de fato, ineditismo, como demonstraram as prisões dos executivos de empreiteiras na última sexta-feira e já indicam as notícias sobre a próxima fase da Operação Lava Jato sobre o envolvimento de algumas dezenas de políticos. Nem de longe, porém, é possível dizer que esse seja o primeiro escândalo a ser investigado e muito menos que seja a causa de mudança de procedimentos.

Na realidade, é consequência de um escândalo produzido pelo PT, o mensalão: desde a denúncia de Roberto Jefferson, passando pela bem sucedida CPI dos Correios, o trabalho do Ministério Público, a denúncia do procurador-geral Antonio Fernando de Souza, o julgamento e as condenações no Supremo Tribunal Federal, até as prisões dos réus.

Enquanto os políticos estão quase todos cumprindo suas penas em prisão domiciliar, os operadores do esquema nos bancos e agências de publicidade continuam na cadeia. O principal deles, Marcos Valério ainda ficará por muito tempo em regime fechado. Confiou na influência dos donos do poder e calou-se na CPI e na Justiça. Quando quis fazer delação premiada era tarde.

Deu-se ali a mudança de paradigma que serviu de exemplo e, depois de alguma resistência, incentivou Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef a optarem pelos acordos de delação premiada. A eles recentemente juntaram-se outros, no que em breve talvez seja uma fila.

Com base nas informações prestadas em exaustivos depoimentos é que a polícia está conseguindo desmontar o que a PF já havia chamado de “organização criminosa” montada dentro da Petrobrás. Isso ao tempo em que o governo tratava o assunto em estado de total negação de que houvesse qualquer tipo de irregularidade na estatal – no máximo se admitia erros administrativos, nunca decorrentes de “má-fé”, muito menos de intenções delituosas.

De onde não se pode aceitar como verossímil a versão de que foi a presidente quem “mandou” investigar. Inclusive porque o trabalho foi feito em conjunto pela Polícia Federal, Ministério Público e Justiça do Paraná, instâncias cuja autonomia é assegurada pela Constituição.

Até meados do ano, antes de aparecerem evidências mais consistentes, o governo só fez trabalhar intensamente para inviabilizar as comissões de inquérito no Congresso que pretendiam investigar os negócios na Petrobrás, tentar adiar decisões do Tribunal de Contas da União sobre a refinaria de Pasadena e por várias vezes ministros, políticos governistas e a própria presidente insistiam na versão de que quem lança suspeições sobre a empresa tinha como objetivo enfraquecer um patrimônio nacional e impor prejuízos políticos à candidatura da presidente.

Houve mesmo um momento em que Dilma pôs em dúvida a veracidade do conteúdo das delações premiadas e acusou a oposição de usar as “supostas denúncias” para dar “um golpe” no País.

Diante de tanta contradição e ambiguidade, é de puro exercício de ficção transformar o governo de agente a combatente da corrupção na Petrobrás.

 

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