“Negro não nasceu pra ser escravo, negro não nasceu pra ter senhor”! Ouvi essa frase como refrão marcante de uma música em uma roda de capoeira. A primeira vez que a ouvi, era Fuzileiro Naval do 1º Distrito Naval da Marinha, situado na Praça Mauá, no Rio de Janeiro. As rodas de capoeira sempre me fascinaram. Primeiro, porque enfrenta as leis da física e os limites do corpo com a performance malabares dos seus jogadores, ritmicamente marcadas; e segundo — e para mim o mais importante — porque é a perpetuação, centenas de anos depois, da primeira manifestação de luta e resistência contra a escravidão e subjulgo dos negros. Agora em novembro, mês da Consciência Negra, período em que seguimentos organizados da sociedade se propõe refletir a situação do racismo no país, veremos que a situação do negro remonta muito da violência do período imperial, quando não nos era reconhecida a condição humana, animalizam-nos, e nossa vida não tinha muito valor.
E é recorrendo a um clichê, o que diz que “frente aos fatos não há argumentos”, que exemplifico com números o genocídio (emprego o termo sem medo de incorrer em arroubos retóricos) a qual comunidade negra brasileira está submetida.
Começando pela pesquisa mais recente, a do aumento do número de homicídio de mulheres negras. No documento, registra-se com todas as letras que “as taxas de homicídios da população branca tendem, historicamente, a cair enquanto aumentam as taxas de mortalidade entre os negros”. Assim, ao analisar a violência contra as mulheres, mostra que o número de homicídios de mulheres brancas caiu de 1.747 vítimas, em 2003, para 1.576, em 2013. Uma queda de 9,8% no total de homicídios do período.
Já os homicídios de mulheres negras, entretanto, aumentaram 54,2% no mesmo período, passando de 1.864 para 2.875 vítimas.
O estudo foi elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), com o apoio três entidades da Organização das Nações Unidas (ONU).
Paralelamente, o Mapa da Violência Contra Jovens 2015,— ainda que em sua versão preliminar — já mostra números “genocídios” contra os jovens negros. Na faixa de 0 a 17 anos de idade, morreram vítimas de homicídio 1.127 “crianças e adolescentes brancos, e 4.064 negros”. Nesse total, ao refinar a análise, com a idade entre 16 e 17 anos, foram mortos 703 brancos (62,4%), e 2.737 negros (67,3%).
Fazendo a equivalência desses números a grupos de 100 mil habitantes, quando observasse os adolescentes de 16 e 17 anos, a taxa de homicídios de brancos foi de 24,2 por 100 mil. Já a taxa de adolescentes negros foi de 66,3 em 100 mil. “A vitimização, neste caso, foi de 173,6%. Proporcionalmente, morreram quase três vezes mais negros que brancos”, assinala o estudo.
Pra realçar ainda mais esse “quadro macabro”, a Pesquisa de Violência por Morte Matadas por Arma de Fogo, ressalta “que em todas as categorias de raça/cor, os homicídios são a forma quase exclusiva de utilização das Armas de Fogo”. Para os negros, porém, esse fato adquire sua máxima expressão: 95,6% de suas vítimas de bala foram assassinados, fato que se repete em maior número entre os jovens negros.
Entre os 28.946 negros mortos por arma de fogo, em 2012, 95,6% foram por homicídio. Suicídios e acidentes também entram na classificação de morte por armas de fogo.
A população branca, cujas mortes por arma de fogo totalizaram no mesmo período 10.632 — quase um terço do total de negros menor — 90,9% foi por homicídio. Em suma, morreram duas vezes e meia mais negros do que brancos por arma de fogo.
Esse drama foi constatado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência Contra Jovens Negros e Pobres. Presidida por um parlamentar do PT, o seu relatório final, entregue no dia 15 de julho, em nada sensibilizou a presidente Dilma Rousseff, quando anunciou, em outubro, o rebaixamento do status ministerial da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR),
A remoção do status de ministério da SEPPIR, simbólico para 97 milhões de brasileiros que se declararam pardos ou negros, foi o ponto alto do desmonte do Programa de Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial. Nos últimos anos houve uma redução sistemática do orçamento destinado à Seppir. Em 2012, foram orçados 105,5 milhões. Em 2013 o valor caiu para R$ 76,1 milhões e, em 2014, desceu para R$ 64,8 milhões. Seguindo a mesma lógica, e potencializado pelos cortes orçamentários feitos pelo governo, a SEPPIR, para 2015, teve apenas R$ 28 milhões.
Após a subordinação do Seppir a outro ministério, a imprensa apurou que o governo federal gastará em 2016 mais com cafezinho nos ministérios e na Presidência da República, que com o Programa de Enfrentamento ao Racismo e Promoção da Igualdade Racial. Serão gastos até 2016 cerca de R$ 81,4 milhões em contratos com o cafezinho.
Assim, consciência, enquanto percepção dos estímulos a sua volta e que confirmam a existência humana, é o que todos devem ter com relação ao negro brasileiro.
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