As transações do Brasil com o exterior registraram um déficit de US$ 6,2 bilhões em março, contribuindo para o pior resultado no primeiro trimestre desde o início da série do Banco Central (BC), em 1947. No acumulado dos três primeiros meses do ano, o saldo negativo soma US$ 25,2 bilhões. Até então, o maior déficit nas contas externas havia sido registrado no primeiro trimestre de 2013, quando chegou a US$ 24,7 bilhões. Em março do ano passado, o saldo negativo foi de US$ 6,8 bilhões. Esses números, divulgados ontem pelo BC, consideram balança comercial, balança de serviços e transferências unilaterais, como doações e remessas de lucros.
O chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, disse que o resultado do primeiro trimestre se deve, em grande parte, a uma reação lenta da balança comercial. No mês passado, o Brasil exportou apenas US$ 112 milhões a mais do que importou. No acumulado do trimestre, há um déficit de US$ 6 bilhões.
E esse cenário não deve mudar a curto prazo. Estudo da consultoria americana Boston Consulting Group (BCG), também divulgado ontem, mostra que o custo da produção no Brasil aumentou nos últimos dez anos, tornando o país um dos mais caros entre os 25 maiores exportadores mundiais.
Custo de produção sobe no país
Aumentos significativos de salários, crescimento lento da produtividade, mudanças cambiais desfavoráveis e elevação nos custos com energia estão entre os fatores da elevação do custo produtivo do país. E isso reduz a competitividade, ainda mais em um cenário no qual concorrentes seguiram caminho contrário: o custo de produção no México já é inferior ao da China, enquanto nos Estados Unidos está entre 10% e 25% abaixo dos dez maiores exportadores do mundo, à exceção dos chineses.
— No Brasil, só tivemos aumento de custos, o que fez com o que o país se tornasse caro e ficasse excluído das cadeias globais de produção. Com isso deixamos de agregar valor ao produto exportado, exportando matéria-prima. E, ao fazer isso, no fundo estimulamos o concorrente a produzir lá fora e vender de volta para o Brasil — afirma José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Para o professor de economia da Fundação Dom Cabral Rodrigo Zeidan, o alto custo de produção no Brasil é reflexo da baixa produtividade do trabalho e do capital:
— Isso mostra que os gargalos continuam. É o custo Brasil, algo que só existe aqui. E isso não é um problema de curto prazo. Para mudar, são necessárias medidas de Estado.
Essa perda de competitividade, no entanto, não é exclusiva do Brasil. China, República Tcheca, Polônia e Rússia, tradicionalmente vistas como áreas de baixo custo, também estão sob pressão.
“Muitas empresas estão tomando decisões de investimento de produção com base em visões de décadas atrás que estão totalmente desatualizadas. Ainda veem a América do Norte e a Europa Ocidental como áreas de alto custo, e América Latina, Leste Europeu e a maior parte da Ásia — especialmente a China — como de baixo custo. Há países de baixo e alto custo produtivo em quase todas as regiões do mundo”, explica Harold L. Sirkin, sócio do BCG e um dos autores da análise.
E quando as empresas perceberem essa mudança no cenário produtivo mundial podem alterar suas escolhas. A greve que paralisa fábricas de Nike e Adidas na China desde o último dia 14 é um sinal de alerta para o país asiático, cuja vantagem de produção sobre os EUA encolheu, em uma década, para menos de 5%, segundo o BCG. Desde 2010, a Nike produz mais tênis no Vietnã do que na China.
Apesar do mau desempenho das contas externas, Maciel, do BC, observou que o déficit de março foi inferior ao de fevereiro deste ano e ao de março de 2013. E destacou que o déficit em transações correntes no acumulado em 12 meses, de US$ 81,5 bilhões, está em 3,64% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos).
Com a balança comercial cada vez mais debilitada, o BC projeta um rombo de US$ 80 bilhões nas contas externas deste ano. Além do comércio exterior no vermelho, o Brasil tem apresentado déficit relevante na conta de serviços — que inclui, além das viagens internacionais, itens como pagamento de fretes e de aluguel de equipamentos.
Dólar alto, menos gasto no exterior
A conta de serviços foi deficitária em US$ 3,7 bilhões em março e US$ 10,4 bilhões no primeiro trimestre. Só o item viagens internacionais foi responsável por uma despesa líquida de US$ 1,3 bilhão no mês. Já os gastos dos turistas brasileiros no exterior ficaram em US$ 1,84 bilhão em março, queda de apenas 1,3%. As despesas de viajantes estrangeiros no Brasil, por sua vez, recuaram 10,7%, para US$ 535 milhões. No primeiro trimestre, as despesas de turistas brasileiros no exterior somaram US$ 5,87 bilhões, contra US$ 5,98 bilhões no mesmo período de 2013.
— O dólar ficou mais caro e isso desestimulou as viagens — disse Maciel.
Para o economista Bruno Lavieri, da Tendências Consultoria, a redução na entrada de recursos de estrangeiros pode estar relacionada a uma mudança na dinâmica de viagens devido ao carnaval tardio, em março, já que algumas pessoas costumam emendar fim de férias e carnaval.
Lavieri estima que o déficit das transações correntes chegará a 3,9% do PIB no fechamento do ano, acima dos 3,6% de 2013. Para ele, mais grave que o crescimento dessa cifra é o fato de os Investimentos Estrangeiros Diretos — que somaram US$ 4,9 bilhões em março, contra US$ 5,7 bilhões um ano antes — não garantirem mais o financiamento do déficit em conta corrente:
— O investidor não vê grandes fatores de atração para colocar seu dinheiro no país e acaba fazendo isso por questões financeiras, atrás de juros.
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