Aécio Neves – Entrevista sobre Projeto de Lei Governança das Estatais

O senador Aécio Neves concedeu entrevista coletiva, nesta quarta-feira (03/06), em Brasília. Aécio falou sobre o seu Projeto de Lei Governança das Estatais, apresentado hoje, que estabelece a implantação nas empresas públicas de mecanismos obrigatórios nas áreas de gestão, controle e prestação de contas, ética e conduta,  além de alterar normas das Sociedades de Economia Mista.

 

Leia a transcrição da entrevista do senador:

Sobre o Projeto de Lei Governança das Estatais.

Durante a campanha eleitoral debatemos muito a questão da gestão, porque o Brasil tem dois males que, infelizmente, caminham juntos: de um lado a corrupção, agora feita de forma descarada nesse governo – e a Petrobras infelizmente é o mais triste exemplo disso -, por outro lado, a ineficiência, a incompetência da gestão das empresas estatais é um mal talvez das mesmas dimensões do mal da corrupção.

Desde a campanha eleitoral, reunimos um grupo de economistas que já vinham tratando dessa questão sob a coordenação do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga e do economista Marcelo Trindade, que construíram ouvindo membros da sociedade civil, representantes de bolsa de valores, economistas que já participaram da gestão de estatais. Construímos um projeto a várias mãos que busca, de um lado, garantir transparência nessa gestão. Estamos falando de cerca de 150 empresas estatais sob o controle da União que ninguém sabe até hoje quais os critérios para indicação dos seus dirigentes do seu conselho de administração.

Estamos, portanto, criando regras rígidas, transparentes para a indicação desses membros. No nosso projeto, diferente do anteprojeto apresentado pelo senador Renan e pelo deputado Eduardo Cunha, que vem na mesma direção, não falamos de sabatina, mas falamos da aprovação dos presidentes e dirigentes dessas empresas pelo Senado da República, da necessidade de pelo menos 30% dos cargos de conselhos de administração de todas essas empresas serem ocupados por pessoas independentes, garantido inclusive, uma quarentena para a ocupação desses cargos, seja de conselho ou direção das empresas para dirigentes de partidos por exemplo.

Não queremos que se repitam episódios Vaccari da vida, onde o fato de ser dirigente de um partido que está no poder dá a ele imediatamente a capacidade para, por exemplo, ser conselheiro de uma empresa da importância de Itaipu, o que certamente ele não tinha. Então, para evitar casos como esse, estamos criando vedações para ocupantes de cargos eletivos por um período de três anos e também de altos dirigentes de partidos.

O que queremos é a profissionalização da gestão das empresas estatais. Isso vem ao encontro de tudo aquilo que propusemos durante a campanha eleitoral, inclusive com sanções no campo cível, no campo criminal, para aqueles que cometeram desvios e irregularidades, e também outras sanções, como afastamento para aqueles que não cumpriram as metas estabelecidas nesse projeto, que é um projeto denso.

Hoje estou distribuindo para que os senhores tomem conhecimento de todos os seus aspectos, mas extremamente equilibrado. E que vem na direção, repito, de sanar um dos principais problemas pelo que passa hoje o Brasil: a governança das empresas estatais, que viraram cabide de emprego e instrumentos de ação política, como assistimos, por exemplo, nos Correios e Telégrafos, de forma vergonhosa, criminosa, nessa eleição, para transformar a gestão das nossas empresas em algo de interesse da sociedade brasileira.

 

O presidente Renan disse que a sabatina e a exigência de passar pelo crivo do Senado é um detalhe menor e que ele pode retirar do projeto.

Se ele voltou atrás é porque fez uma reavaliação. No nosso projeto, não estamos chegando ao ponto da sabatina porque não queremos estabelecer um conflito ou uma subordinação do Executivo ao Senado Federal em questões de nomeação de cargos do Poder Executivo. Mas uma das atribuições fundamentais do Senado é fiscalizar as ações do Poder Executivo. E o nosso [projeto] vai no limite dessa fiscalização. Avaliar a qualidade, o histórico dos nomes que vão ocupar esses cargos, é responsabilidade do Senado. E queremos estender isso inclusive aos diretores, e não apenas aos presidentes, dessas empresas.

Portanto, acho que no momento em que ele for lido, for compreendido, é um projeto que supre muitas das lacunas que hoje existem, repito, e que permitem a indicação de companheiros sem a menor qualificação profissional, por um lado, e a continuidade de desvios, por outro, que nós assistimos não apenas na Petrobras, mas em inúmeras empresas públicas.

 

Como vai ser essa avaliação? Não é sabatina, mas tem que passar pelo crivo do Senado?

Os nomes vão ser indicados e uma comissão irá avaliar o histórico desses nomes. Se esses nomes cumprem as pré-condições estabelecidas no projeto, como determinado tempo de militância naquele setor ou, complementarmente a isso, pelo menos 10 anos de serviço naquela instituição. O servidor que tiver pelo menos 10 anos numa determinada instituição pode estar apto a ascender ao cargo de diretor. Cumpridos esses pré-requisitos, vai caber ao Senado apenas avaliar o histórico desse nome, e acho que esse é o limite, a meu ver, adequado para que o Senado participe dando à sociedade brasileira o que ela mais quer: fiscalização desses dirigentes e transparência dessa gestão. É algo inovador.

O ex-presidente do Banco Central, o ex-ministro Armínio Fraga tratou essa questão com interesse enorme ao longo desses últimos meses. Foram dezenas de pessoas consultadas, o texto teve vários formatos e acabamos por chegar nessa formatação que me parece a mais adequada, e é uma grande contribuição a esse processo que acredito que todos queremos. Felizmente agora apoiado inclusive pelo presidente do Senado e o presidente da Câmara. Não apenas de subjugar o poder Executivo às vontades do poder Legislativo.

O nosso projeto não tem o sentido revanchista. Ao contrário, ele tem o sentido de aprimorar a gestão das empresas estatais, e não há hoje, acredito, nenhum país no mundo onde seja mais urgente pelo que virou hoje as indicações ou pelo perfil que tomaram hoje os dirigentes de várias das empresas públicas brasileiras.

 

Pode se juntar com o projeto dos presidentes da Casa tramitando sobre o mesmo tema?

Acho que sim. O que existe é um anteprojeto, que vai ser discutido em uma comissão e, obviamente, se transformará em um projeto. Estou apresentando hoje um projeto de lei, faço isso em nome do PSDB, com autoridade de um partido que tentou durante toda a campanha trazer o tema da gestão pública de qualidade para a agenda do país. Infelizmente, as mentiras sucessivas do governo impediram que esse tema tivesse tido maior espaço para o debate. Estamos com absoluta coerência fazendo aquilo que dizíamos que iríamos fazer. Se governássemos o país, certamente estaríamos apresentando, a partir do poder Executivo, esse conjunto de medidas. Esse era o nosso compromisso.

Não vencemos as eleições, mas o nosso papel como opositores desse governo não diminui a nossa responsabilidade. É isso que estamos fazendo aqui hoje: apresentando um projeto amplamente e profundamente discutido em todo o Brasil durante esses últimos quatro meses. E acho que, em determinado momento, vamos encontrar convergências com essa iniciativa dos presidentes das duas Casas, e o objetivo final é a aprovação. Se pudermos aprová-lo será um ganho extraordinário para o país.

 

Sobre aprovação de altos dirigentes de estatais pelo Senado.

Estou propondo uma fórmula nova, que não vai no limite da sabatina. Estamos estabelecendo critérios para essas nomeações, de militância na área específica daquela instituição ou daquela empresa, ou um tempo determinado de serviço naquela empresa como funcionário. Atendidas essas prerrogativas, o nome vem ao Senado Federal, que vai, nessa Comissão, aprovar. Não fará a sabatina. Avaliar se esse nome cumpre aquelas determinações ou pré-condições que a lei estabelece, e, a partir daí, esse nome é aprovado. Queremos estabelecer uma corresponsabilidade sem adentrar no critério da escolha pessoal, porque se cumprido o rito, se atendidas as pré-condições estabelecidas, naturalmente o Congresso, o Senado da República aprovará. Caberá ao Senado averiguar se todas aquelas pré-condições que foram estabelecidas para aquela indicação estão supridas. Se eventualmente vier um nome que não atenda essas pré-condições estabelecidas no projeto, esse nome será devolvido.

Na sabatina, alguém pode preencher os requisitos e ser rejeitado. Pode ser rejeitado porque não agradou na sabatina ou não atendeu às perguntas de forma que o conjunto do Senado acha que deveria atender. A nossa avaliação é que o Senado deve apenas fiscalizar se os nomes indicados atendem as pré-condições estabelecidas, militâncias no setor, participação durante determinado período na estrutura funcional daquela instituição, daquela empresa. Cabe ao Senado apenas fiscalizar o cumprimento das pré-condições estabelecidas no projeto de lei. Se atendidas essas pré-condições, aí obviamente cabe ao Senado aprovar.

 

Passa pelo plenário?

Acho que a formalização terá de ser feita em última instância em plenário. É o que gostaríamos de discutir.

 

Sobre metas para estatais.

As empresas têm metas a serem cumpridas. Se eventualmente não cumprir essas metas, tem que haver uma explicação clara em razão disso. Se a empresa resolve, por exemplo, fazer um projeto de alto alcance por determinação do governo, de alcance social, isso tem que ser explicitado claramente de que forma isso vai ser feita, até porque em alguns casos é necessário, mas com que recursos isso será feito? Porque não podemos ter empresas que se conduzam pela lógica do governo de plantão, como assistimos muito recentemente. Empresas que subordinam a sua governança, e obviamente comprometendo os investimentos dos seus acionistas, à posição de um governo de momento, como aconteceu na Petrobras, e vimos isso de forma escancarada nas degravações de uma das últimas reuniões do Conselho de Administração, ainda com a presença do ministro Guido Mantega.

Estamos também impedindo que ministros de Estado e dirigentes partidários participem dos conselhos de administração. Por quê? Porque o que estamos vendo é um conflito de interesses. A empresa tem determinados objetivos, muitas delas são de capital aberto, portanto têm que dar satisfação aos seus acionistas. E, por outro lado, seguem, no frigir dos ovos, o interesse do governo de plantão. E o custo ao final quem paga é a sociedade brasileira, como estamos assistindo.

 

Sobre o anteprojeto do senador Renan.

Existe um anteprojeto que vem na mesma direção, de trazer transparência à gestão das estatais e, obviamente, profissionalismo nessa gestão. O nosso projeto, ele não surge em decorrência desse projeto. Vocês verão pela complexidade da sua elaboração. É um projeto que nós temos discutido há muitos meses, há pelo menos quatro meses com grande intensidade. E, coincidentemente, está pronto para ser apresentado agora. Inclusive, se o presidente Renan ou se líderes do Senado acharem que ele supre todas essas demandas, ou essas expectativas, ele está pronto inclusive para ir a voto. Nós não queremos ultrapassar o outro projeto. Mas eu não considero agora que ele possa ser apensado ao outro. Nosso projeto é um projeto muito bem elaborado e pronto para ir a voto. Mas, obviamente, será discutido antes em comissão.

Eu comuniquei ontem ao presidente Renan que nosso projeto estava pronto, ele tinha ciência dele, e que eu apresentaria hoje.

 

Sobre BNDES dar início à divulgação de dados dos empréstimos.

O BNDES quebra esse sigilo não por geração espontânea, mas por enorme pressão das oposições ao longo dos últimos anos, da sociedade, e pela eminência de ter que fazer isso aqui no Congresso Nacional. Isso vem na direção correta. Mas, mais do que a simples liberação das condições desses empréstimos, é preciso que o BNDES dê o segundo e fundamental passo, que é esclarecer de que forma esses empréstimos são escolhidos, de que forma as empresas e os países são determinados, e qual o benefício que esses empréstimos trazem a quem os financia, que é a população brasileira. Por exemplo: é importante que o BNDES explique em documentos, de forma clara, por que Cuba, uma ditadura, recebe um financiamento com cerca de 25 anos de carência para  o pagamento. Algo muito maior do que a média do que vinha acontecendo, tanto para empréstimos internos quanto para outros países. Por que o privilégio, tanto no tempo para o pagamento, quanto na taxa de juros?

 

Sobre empréstimo a Cuba.

Fica claro mais uma vez que a presidente Dilma mentiu na campanha eleitoral quando disse que esses financiamentos não eram para esses países. Sim, esses financiamentos foram para Cuba, Angola e vários outros países. Não há uma justificativa hoje razoável porque os grandes investimentos que ainda precisam ocorrer no Brasil de portos, de outras obras de infraestrutura não têm estes mesmos juros subsidiados que Cuba e outros países recebem.

É importante que nós saibamos o que justifica isso. O BNDES tem o dever de explicar. O que ficou claro, no momento em que esses números são socializados com a população brasileira, é que a presidente mentiu na campanha eleitoral, mais uma vez, ao dizer que esse financiamento não era para Cuba. Foi sim para o governo cubano. É ele que deverá pagar para o governo brasileiro. Por que Cuba merece ter um financiamento com 25 anos, enquanto a maioria dos outros financiamentos estão entre 10 e 15 anos? Por que nenhum financiamento no Brasil, por exemplo, tem os juros tão subsidiados quanto tem o financiamento a Cuba? E serve isso também para outros financiamentos, como Angola e Moçambique.

O que o BNDES tem que fazer nesse instante é explicar os critérios que fazem com que financiamentos como esse sejam dados, a meu ver, em detrimento de outras prioridades que nós teríamos aqui no território nacional.

 

Justifica ter taxas e prazos tão favoráveis para Cuba?

Na minha compreensão, não justifica. Eu viajei por todo o Brasil na campanha eleitoral. Nós temos portos com obras interrompidas, outros com a obras sequer iniciadas, e que demandariam empréstimos como esse. Qual o critério para se dar a Cuba um empréstimo de forma tão favorecida? 25 anos para pagar. Que garantias o governo cubano está oferecendo? Que benefícios isso traz aos brasileiros que são os financiadores desse empréstimo? Essas questões ainda estão sem resposta. Cabe ao BNDES explicar também isso.

 

Diminui a necessidade de uma CPI no Congresso para investigar o BNDES?

Ao contrário. Até mesmo a forma com que estas informações vêm chegando estimulam esta CPI. Precisamos compreender qual governança do BNDES? O que define um financiamento desta forma? É a força da empresa, é a amizade do presidente com determinado país ou é o interesse da sociedade brasileira. Aquele que gere recursos, como a direção do BNDES, tem de dar satisfações não apenas ao presidente da República, tem de dar satisfação à sociedade brasileira. Eu não consigo compreender que benefícios os brasileiros terão com estes investimentos, que repito, são feitos em taxas extremamente favoráveis que não são feitas aqui internamente e com prazo para pagamento que não são dados a outros financiamentos internos e mesmo a outros países.

 

Sobre eleições municipais. 

O que nós queremos é estar disputando essas eleições nas 300 maiores cidades brasileiras. Ou com candidatos próprios, preferencialmente, ou com aliados. Mas o fato é que nós estaremos presentes. Com o nosso discurso, com as nossas propostas, com os nossos questionamentos em relação ao governo que está aí. Porque nós vamos perceber, e vocês vão perceber isso claramente durante essa campanha eleitoral, e até antes dela, que o PT vai fazer um esforço enorme para dissociar-se do governo. Como se o governo pudesse ser uma coisa, e o PT uma coisa diferente. E nós vamos mostrar que o Brasil só tem o melancólico governo que tem porque é o governo do PT.

 

Qual o balanço o sr. faz dos dez anos no mensalão do PT?

Infelizmente o PT parece que não aprendeu, porque durante o mensalão já atuavam fortemente no Petrolão. Mas, sem dúvida alguma, do ponto de vista da relação da sociedade com o poder público, as coisas mudaram. O brasileiro sabe que tem o dever e o direito de cobrar, de acompanhar as investigações. Acho que há um Brasil, nesses dez anos, que veio despertando, que veio acordando, que veio compreendendo que ele, o brasileiro, o cidadão, a cidadã, podem ser protagonistas do seu próprio destino, e têm responsabilidade, inclusive, em cobrar transparência e eficiência dos gestores da coisa pública. Acho que se de um lado o PT parece que não aprendeu, eles pelo menos sabem que a cobrança da sociedade será cada vez mais dura, cada vez mais forte como vem acontecendo hoje.

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