“Será que justo gastarmos R$ 4 bilhões para realizar as eleições este ano? Eu acho que não”, diz o deputado federal Aécio Neves, autor da Proposta de Emenda Constitucional que adia para 2022 as eleições municipais marcadas para outubro.
Ex-governador de Minas Gerais, Aécio disse que país precisa realizar uma operação de guerra para enfrentar a pandemia do novo coronavírus e que os recursos eleitorais devem ser destinados ao sistema de saúde, que sofrerá enorme impacto com o aumento de casos nos grandes centros urbanos.
“É hora de estabelecer prioridades e eleição não é prioridade para este ano. Sou um democrata convicto e acho que elas podem ser realizadas em 2022, sem qualquer perda para o Brasil. Ao contrário, com enorme ganho”, afirmou Aécio.
Em entrevista à Rádio Super Notícia, o deputado federal alerta para falta de medidas de proteção da população mais pobre, cobra maior participação dos grupos empresariais e dos bancos no apoio ao país e diz que disputas políticas não devem prevalecer sobre interesses do país.
“Me assusta a ausência de políticas objetivas que atendam a periferia, que atendam os vulneráveis, aqueles que não terão a quem recorrer no momento em que essa pandemia bater à sua porta. Vamos mobilizar, de forma articulada, estados, municípios e governo federal, sem essa mesquinha disputa política que começamos a assistir, onde a vaidade de alguns prevalece sobre os interesses de todos. Isso é grave e acho que todos seremos, ao final, julgados pela capacidade que teremos de minimizar os danos já irreparáveis de tantas mortes, de tantas perdas e que ainda vai se agravar”, afirma.
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Seguem principais trechos da entrevista do deputado Aécio Neves, em 30 de março:
Sobre a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que adia eleições municipais para 2022, unificando pleitos. O que a PEC trará de benefícios para a população?
Vivemos uma experiência que não imaginávamos que a nossa geração e a humanidade pudessem estar vivendo. Temos que tratar dessa questão em todas as dimensões possíveis. As eleições são apenas uma parte das nossas responsabilidades. É preciso que avancemos, principalmente, no atendimento daqueles que mais precisarão do sistema de saúde.
Em relação à PEC das eleições, percebo de forma muito clara que não temos mais condições de cumprir os prazos estabelecidos para a realização das eleições, como, por exemplo, o prazo de filiação partidária que termina no final dessa semana. E há uma questão que salta aos olhos, e acho que de muitos cidadãos que é: será que é justo mantermos o calendário eleitoral, como alguns defendem, e gastarmos agora cerca de R$ 4 bilhões, que é o que é previsto entre Fundo eleitoral de R$ 2 bilhões, cerca de R$ 1 bilhão em isenções fiscais aos veículos de comunicação em razão da propaganda eleitoral, e mais R$ 1 bilhão no orçamento do TSE. Será que justo gastarmos R$ 4 bilhões para realizar as eleições este ano? Eu acho que não.
O que prevê a PEC?
Apresentei a proposta depois de discutir com inúmeras lideranças partidárias para que aproveitemos esse momento para fazer algo que é necessário para o país: a unificação das eleições com mandatos de cinco anos, sem direito à reeleição para todos os cargos executivos.
Minha proposta é: prorroga os atuais mandatos até 2022, quando seriam realizadas eleições municipais junto com as eleições para Congresso Nacional, para Presidente da República e também eleições para governador. Teríamos eleições de cinco em cinco anos, com quatro anos para as pessoas trabalharem. As eleições de dois em dois anos, como é no nosso calendário hoje, e quando fui governador eu já dizia isso, ela impacta nas administrações e é prejudicial ao bom exercício dos mandatos públicos. Então unifica as eleições para todos os cargos eletivos, sem reeleição, e isso já poderia ocorrer a partir de 2026, se essa minha proposta for aprovada.
Quem vive o meio da política sabe que o sr. nunca deixou o protagonismo mineiro e que, dentro do Congresso Nacional, o sr. é um protagonista. A eleição do Rodrigo Maia à presidência da Casa foi orquestrada pelo sr. e o Maia é contra essa eleição unificada. O sr. vai conseguir convencê-lo?
É verdade. Converso com o Rodrigo mais de uma vez por dia desde o início de toda essa crise e ele tem sido muito importante neste momento de tanto radicalismo, de tantas ações impensadas. Rodrigo Maia na Presidência da Câmara tem sido um ponto de equilíbrio, de sensatez neste momento.
Ele tem o receio de que, se você adia as eleições desse ano, isso abra uma janela para que outras possam ser adiadas. É um argumento que eu respeito, mas estamos vivendo algo absolutamente inédito e de uma dimensão inimaginável. Não teremos as condições para realizar as eleições este ano. Entre adiar para o ano que vem, gastando esses mesmos R$ 4 bilhões, sendo que, no ano seguinte, 2022, já teremos eleições para presidente e para governador, por que não fazermos essa unificação? É racional a meu ver.
Não é simples, precisa de grande consenso de pessoas que são adversárias dos atuais prefeitos e que querem eleições logo. Mas minha posição não visa atender a A, B ou C, mas a racionalizar o calendário eleitoral brasileiro.
Sobre emendas impositivas, com recursos que são liberados para todos os deputados.
Isso foi fruto do fortalecimento do Congresso Nacional ao longo dos anos, com os parlamentares passando a ter condição de atender suas bases. Mas o que fiz de mais substancial por Minas Gerais no enfrentamento dessa crise não foi como deputado, e sim como governador de Minas.
Nós levamos Minas a ter o melhor sistema de saúde de toda a Região Sudeste do país, reconhecimento feito pelo próprio Ministério da Saúde à época. Levamos Minas a ter a melhor educação fundamental do Brasil, o maior volume de investimentos em segurança pública. Demonstramos que com planejamento, com pessoas qualificadas, com coragem política, que era preciso reerguer o Estado. Fizemos isso em Minas Gerais.
Sobre ações de amparo à população na pandemia.
Tenho hoje enorme preocupação com a demora do governo em dar respostas a medidas que atendam os mais fragilizados. Essa pandemia ela começa nas elites, atingindo aqueles que estavam no exterior. A grande questão é como vamos enfrentá-la no momento em que chegar com força nas favelas, nas periferias, nos grandes centros do país.
Como vamos recomendar álcool em gel às pessoas, se elas não têm água tratada em casa? Como pedir isolamento de um idoso que vive em uma casa com dois cômodos e mais cinco, seis pessoas, o que é comum no Brasil hoje. Está faltando a ação objetiva do governo federal em parceria com os estados.
Percebo também uma ausência muito grande do setor privado, dos conglomerados bancários, por exemplo, que faturaram muito ao longo das últimas décadas. As manifestações são tímidas e pontuais. Temos de fazer uma operação de guerra, levando material de higiene para essas comunidades. Porque vai piorar.
Precisamos identificar os idosos, colocando-os, por exemplo, em hotéis, em albergues, em pensões, custeados pelo governo, dando a eles mais do que um conjunto de boas intenções, mas medidas práticas.
Tenho conversado e me reunido online com Marcelo Garcia, que foi o coordenador do nosso programa de governo na área de assistência social. Conversei, no início da crise, por telefone, com o próprio presidente da República, levando a ele algumas medidas objetivas de cadastramento dessas pessoas mais vulneráveis para que, inclusive, esses recursos que foram aprovados agora pelo Congresso, cheguem a elas. Porque se aprovou R$ 600 para o trabalhador informal e ninguém sabe dizer como esse recurso vai chegar a ele.
O que me assusta hoje é a ausência de políticas objetivas que atendam a periferia, que atendam os vulneráveis, aqueles que não terão a quem recorrer no momento em que essa pandemia bater à sua porta.
Tenho entrevistados prefeitos e todos têm a mesma reclamação: está faltando liderança tanto do governo estadual como do governo federal. O sr. vê assim também?
De forma muito, muito clara. Tínhamos de ter na Presidência alguém que estivesse unindo o país. E tivéssemos governadores também com autoridade e capacidade de se posicionar e exigir a participação do governo federal nas ações. É hora do maior mutirão da nossa história. Temos de deixar as questões partidárias de lado e termos propostas objetivas. Nós elencamos, e fiz chegar ao presidente da República, um conjunto de proposta que visam o atendimento a esta população de mais baixa renda.
A pandemia infelizmente chegou à periferia das cidades. Não podemos deixar essas pessoas jogadas à própria sorte. Temos de garantir isolamento para elas, temos de colocar pessoas nas ruas identificando quem são essas pessoas, seja através da ampliação do Cadastro Único. Temos de manter os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), que criei em larga escala no nosso governo e que existem até hoje, abertos.
Todos os servidores municipais e estaduais desta área devem estar disponíveis para a identificação dessas pessoas porque senão a perda de controle pode significar uma tragédia ainda em dimensões maiores do que a que já estamos vivendo.
Estou angustiado como todos vocês, em casa com a minha família, aguardando o desenrolar das coisas. Pelo telefone trabalhando intensamente, construindo propostas não apenas em relação às eleições, mas acho que, tirando as eleições da nossa frente, vamos pegar esses R$ 4 bilhões e investir no sistema de saúde. Até agora o ministério pediu R$ 5 bilhões ao governo. Imagina. Tem R$ 4 bilhões para gastar este ano em eleições.
É hora de estabelecer prioridades. Eleição não é prioridade para este ano. E olha que fala aqui um democrata convicto. Acho que elas podem ser realizadas em 2022 sem qualquer perda para o Brasil, ao contrário, com enorme ganho.
O sr. fez 60 anos de idade. O sr. está se cuidando?
Estou com minha família em casa e fazendo o que todos os brasileiros estão fazendo: se cuidando. Acho que se você abrir mão de seguir as orientações científicas dos médicos é um gesto de muita irresponsabilidade, não apenas com você e sua família, mas com os outros cidadãos com quem você teria contato.
Vamos passar por ela. A minha preocupação e repito é: vamos olhar com muita profundidade para a periferia dos grandes centros, para os aglomerados, para as favelas, para esta população de baixa renda. Para ela, não dá para dizer simplesmente se isole porque ela não tem onde se isolar. Não há mais preocupação com teto de gastos. Vamos abrir vagas nos hotéis, nos albergues, onde for, para acolher essas pessoas, isolá-las no momento em que a pandemia chegar próximo a elas.
E vamos mobilizar, de forma articulada, estados, municípios e governo federal, sem essa mesquinha disputa política que começamos a assistir, onde a vaidade de alguns prevalece sobre os interesses de todos. Isso é grave e acho que todos seremos, ao final, julgados pela capacidade que teremos, ou deixaremos de ter, de minimizar os danos já irreparáveis de tantas mortes, de tantas perdas, que para todos nós ainda vai se agravar.
O sr. deixou um vácuo em Minas Gerais para que qualquer pessoa pudesse assumir o protagonismo na política mineira. E ninguém o fez, por incompetência ou incapacidade ou por falta de querer ter esta responsabilidade.
Vou falar com absoluta franqueza e também, mais uma vez, objetividade. Você conhece a minha história. As pessoas não deixam de ser do dia para a noite o que elas foram durante toda uma vida. Fiz política a minha vida inteira. Me dediquei a encontrar um caminho melhor para Minas Gerai, a apresentar uma proposta para o Brasil. Não tenho dúvida que teríamos feito o maior governo da história desse país. Mas eu era o contraponto. Eu era aquele que teve a coragem de enfrentar aquela estrutura carcomida e corrompida do governo do PT e hoje sofro as consequências disso. O meu grande crime foi ter sido candidato à Presidência da República, quase ter ganhado as eleições contra uma máquina extremamente poderosa que se colocou contra mim.
Tenho a serenidade muito grande porque eu me conheço e conheço a minha história. Cada dia que passa as acusações mais torpes e mais covardes que foram feitas em relação a mim estão sendo arquivadas e estão caindo na vala eleitoral. Todas elas. E é o que vai acontecer. Eu vou dizer algo que: vou voltar. Com força, com determinação para recolocar Minas no lugar onde Minas jamais poderia ter saído.
É vergonhoso o papel que estamos vivendo hoje no plano nacional. Não se tem ideia, não se tem notícia de posicionamento de Minas. Nós conduzíamos, orientávamos a ação dos governadores no país inteiro. Éramos condutores, e não caudatários. Todas as semanas existiam delegações de governos de todos os estados brasileiros em Minas para saber como havíamos feito para a saúde de Minas estar como estava, para melhorar os indicadores de segurança, para a educação estar como estava.
Temos a responsabilidade, e estou determinado a isso, a superar essas incompreensões e demonstrar ao Brasil que fui vítima das mais torpes e covardes acusações e vou voltar com muita força para ajudar Minas a encontrar o destino de muito mais desenvolvimento e protagonismo na política nacional.