“A exposição da delegação brasileira (na Venezuela) é sim, também, de responsabilidade do governo brasileiro”, diz o senador Aécio Neves em pronunciamento hoje, no Senado Federal, após missão de parlamentares ter sofrido constrangimentos, ontem, ao tentar visitar líderes políticos mantidos presos pelo regime de Nicolás Maduro.
Aécio Neves cobrou explicações claras do governo Dilma Rousseff sobre a parceria com Maduro e disse que a truculência é a demonstração da fragilidade do regime venezuelano, que teme a força das ideias.
Leia os principais trechos do pronunciamento do senador:
Esse 18 de junho vai ficar na história marcado, talvez, como aquele em que foram escritas algumas das mais tristes páginas na diplomacia latino-americana. Uma missão oficial de senadores brasileiros, suprapartidária, com membros, sim, de partidos da oposição, mas com membros, também, de partidos da base governista, foi à Venezuela cumprir seu papel. Porque somos nós, o Congresso Nacional, os responsáveis pela ratificação dos acordos entre países – sejam eles bilaterais, sejam eles entre conjunto de nações, como o caso do Mercosul.
E, portanto, a partir do momento em que somos signatários desses acordos, somos responsáveis por sua fiscalização. E é o que estávamos fazendo lá, além da manifestação humanitária que levávamos pela libertação dos presos políticos, pelo encerramento da greve de fome do líder Leopoldo López – que já se estende por 25 dias – e pela fixação, também, da data das eleições parlamentares naquele País. Eu costumo dizer, e repito mais uma vez, que quando se fala de democracia, de liberdade, de respeito aos direitos humanos não há fronteiras. O senador Aloysio (Nunes) sentiu isso na pele. E sabe o quanto foram importantes para o Brasil manifestações de democracias e de democratas no momento em que nós vivíamos as trevas do regime autoritário.
Mas o que ocorreu ontem? De forma deliberada – e essa é a questão central – uma missão oficial do Parlamento Brasileiro foi exposta, em primeiro lugar, pelo governo venezuelano, que não cumpriu com as suas responsabilidades de dar as garantias que as nações democráticas – pelo menos as nações democráticas – devem dar àqueles que as visitam, independentemente de gostarem ou não daquilo que pensam, ou daquilo que lá irão fazer. É o que faz o Brasil. O Brasil, há poucos dias, recebeu também lideranças venezuelanas e as tratou de forma adequada. Mas algo salta aos olhos, nessas últimas horas.
Aquilo que imaginávamos fosse uma ação deliberada do governo venezuelano, que expôs, pessoal e fisicamente, os senadores, e aquelas senhoras que nos acompanhavam, pelas informações que recolhemos, nas últimas horas, algumas delas já expostas, como o depoimento dos comandantes da aeronave que nos levava, a responsabilidade pela exposição da delegação brasileira é sim, também, de responsabilidade do governo brasileiro.
A afirmação do Ministro Mauro Vieira aos parlamentares que o visitaram, ontem à noite, é estarrecedora. Diz ele que foi por determinação do governo brasileiro que o embaixador Pereira e os demais diplomatas deixaram de acompanhar a nossa delegação. Não sabíamos disso quando chegamos à Venezuela.
O que fica agora, para compreensão, não apenas dos senadores e outros parlamentares, mas da sociedade brasileira. Qual o papel efetivo que o governo brasileiro quer desempenhar nessa quadra de desenvolvimento econômico, social e político, na nossa região? A submissão do Brasil a ditaduras ou a regimes autoritários, única e exclusivamente por encontrar com eles alguma convergência ideológica, desprezando aquilo que é mais sagrado, na vida de qualquer nação, que é a liberdade, que é a democracia?
É absolutamente fundamental que haja uma resposta clara do governo federal. A proposta já caminhada pelo senador Ricardo Ferraço será encampada por todos nós.
Queremos ver o ministro Mauro Vieira na Comissão de Relações Exteriores, para que nos explique, de forma clara, qual o sentido de impedir que um grupo de senadores brasileiros, desarmados, com a arma da palavra, da sua consciência, da sua responsabilidade, possam visitar presos políticos, possam se reunir com opositores, sim, e possam clamar pela definição de data das eleições parlamentares, naquele país? Nada, absolutamente nada, além disso, que estávamos fazendo na Venezuela.
Não nos intimidaram, senador Ricardo Ferraço. Ao contrário, peço emprestada, mais uma vez, uma expressão do senador Aloysio: “a nossa missão não terminou”. A nossa missão continua aqui, porque é absolutamente fundamental que nós iniciemos a discussão se a Venezuela tem as condições adequadas para continuar fazendo parte do Mercosul, ou se não, o Acordo do Ushuaia de nada valeu, é uma letra morta, numa folha de papel.
Se o governo brasileiro vem se omitindo nessa questão venezuelana há longos anos, permitindo, com essa omissão, o crescimento da escalada autoritária e da violência naquele país, é absolutamente fundamental que o Congresso Nacional cumpra um papel, repito, que deveria estar sendo cumprido pelo governo brasileiro.
Recebi, desde o início desta manhã, manifestações e contatos de inúmeros países, através de jornalistas, e mesmo de lideranças políticas, como um ex-presidente da República, porque a repercussão do que ocorreu ontem na Venezuela não se limita às fronteiras daquele país e muito menos a esta Casa do Congresso Nacional. Vários outros países foram alertados para a gravidade daquilo que lá está ocorrendo.
E o que me fica ao final, além da truculência, além da violência a que fomos submetidos, é um sentimento, não sei se compartilhado por todos aqueles que nos acompanharam naquela viagem, da absoluta fragilidade daquele regime. Ao impedir que cumpríssemos uma agenda absolutamente pacífica e humanitária, eles demonstram o temor que têm, não das armas, mas da força das ideias e das convicções.
Fico a imaginar os companheiros de luta da presidente (Dilma). Não me refiro mais ela, mas àqueles que viveram com ela as durezas do cárcere, da tortura, da privação da liberdade, do temor de todos os dias sobre o que viria a acontecer. O que pensam eles neste instante em relação à posição da Presidência da República, de irritação porque nós estávamos fazendo aquilo que, tenho certeza, ela clamava nos seus tempos de cárcere para que outras lideranças do mundo fizessem?
Não fomos à Venezuela derrubar o regime, fomos à Venezuela defender aqueles que, como ocorreu com ela, no passado, por expressarem suas posições estavam com sua liberdade cerceada.
Ouça o pronunciamento: