Os brasileiros

Artigo do senador Aécio Neves – Folha de S. Paulo – 02/03/2015

 

Após nove meses de ausência provocada pela campanha presidencial, agradeço à Folha o convite para retornar a este que é um dos mais importantes espaços da imprensa brasileira.

Como já fiz antes, recebo esta responsabilidade como uma oportunidade para refletir sobre o Brasil, respeitando as diferenças de pensamento e os princípios democráticos, sem, no entanto, me omitir diante dos graves problemas que dominam o quadro político nacional.

Certo é que, desde a minha última coluna, em junho de 2014, a nossa situação se agravou muito. Há hoje, dispersa, uma sensação preponderante de que o país vai mal e piora. São visíveis as contradições do governo central e seu crescente distanciamento da realidade.

 

Leia mais aqui.

No Facebook, Aécio comenta discurso de Dilma na Reunião Ministerial

Em sua página no Facebook, Aécio Neves fez comentários sobre o discurso feito da presidente Dilma, na Reunião Ministerial.
Leia:
 

COMENTÁRIOS SOBRE TRECHOS DO DISCURSO DA PRESIDENTE DILMA – REUNIÃO MINISTERIAL

“Nossa meta será continuar o projeto iniciado em 2003”, afirmou a presidente na abertura da reunião. A presidente explicou ainda que os ajustes econômicos são necessários e que irão “ampliar o projeto vitorioso nas urnas”. “Os ajustes que estamos fazendo são necessários para manter o rumo, preservando as prioridades sociais que iniciamos há 12 anos. As medidas que iniciamos e consolidaremos vão continuar um projeto vitorioso nas urnas”, continuou a presidente.

COMENTÁRIO:

O projeto que venceu nas urnas foi diferente daquele que a presidente está implementando. A presidente prometeu uma coisa e está agora fazendo algo completamente diferente, que ela não discutiu ao longo da campanha. E sabemos, hoje, que o estelionato eleitoral foi duplo – o governo já vinha estudando nas mudanças no seguro desemprego, abono salarial e pensões antes das eleições, mas não apenas negava a necessidade de mudanças como atacava quem falava na necessidade de alguns ajustes. Foi um estelionato eleitoral premeditado.

*****

 

A presidente destacou as iniciativas no campo tributário e afirmou que vai apresentar um plano nacional de exportações. Em seu discurso, falou que é preciso tentar manter o desenvolvimento econômico do país, apesar do cenário internacional, e defendeu que haja “continuidade” em seu governo, com mudanças. “Precisamos de reequilíbrio fiscal para recuperar o crescimento da economia […] garantindo a continuidade da criação de emprego e da renda”, afirmou.

COMENTÁRIO:

A presidente Dilma e o seu governo estão perdidos. O melhor plano para aumentar as exportações é o crescimento da produtividade, uma taxa de câmbio mais desvalorizada e acordos comerciais que não foram prioridades no governo Dilma e no governo do PT, que priorizou uma abordagem ideológica na nossa política comercial. E hoje o equilíbrio fiscal é necessário devido à política fiscal irresponsável do governo Dilma, que nos levou de um superávit primário de 3% do PIB para um situação de déficit primário.

*****

 

“Em nenhum momento do primeiro mandato descuidei da inflação”, assinalou a presidente.

COMENTÁRIO:

A inflação média no governo Dilma foi de 6,2% ao ano, acumulando uma inflação de 27% em quatro anos. Hoje, em um mundo de inflação baixa e próxima de zero na Europa, temos um país com uma inflação e elevada e que, este ano, corre o risco de passar de 7% e estourar o teto da meta. A presidente não apenas “descuidou da inflação” como segurou preços da gasolina e da energia, que serão reajustados agora. Em 2015, teremos um tarifaço, graças à política artificial da presidente Dilma de controlar a inflação, que foi um desastre duplo: não reduziu a inflação e deixou um prejuízo monumental para a Petrobras e Eletrobras.

*****

 

Dilma prometeu ainda a desburocratização. “Vamos fazer mais, gastando menos”, afirmou. A presidente anunciou o lançamento de um programa de desburocratização das relações das empresas e de cidadãos com estados, visando ao aumento de competitividade nas empresas. Ela também afirmou que o governo está preparando a reforma do PIS/Cofins e que deverá apresentar um Plano Nacional de Exportações, para estimular o comércio exterior.

COMENTÁRIO:

Por que o governo não fez isso até agora? Como um governo que promete reforma do PIS/Cofins acabou de aumentar esse tributo sobre importações e combustíveis? A única reforma que foi feita até agora foi o aumento da carga tributária, na semana passada, em mais de R$ 20 bilhões, em um contexto de PIB estagnado.

*****

 

A presidente prometeu continuar com concessões de rodovias, ampliar concessões de aeroportos e também realizar concessões para hidrovias.

COMENTÁRIO:

Ao longo do governo Dilma, apesar do crescimento do gasto público em mais de R$ 200 bilhões, o investimento do Ministério dos Transportes caiu em mais de 20% e a taxa de investimento da economia brasileira, hoje, é menor do que em 2010. O plano de investimento foi tímido e o investimento público em infraestrutura foi reduzido.

*****

 

“O Brasil continua sendo uma economia continental, diversificada, um grande mercado interno com empresas e trabalhadores habilidosos e versáteis”, continua a presidente, que passa a citar números da economia brasileira

COMENTÁRIO:

De acordo com as projeções do mercado, o crescimento médio do Brasil nos próximos quatro anos será por volta de 1,5% ao ano e a taxa de juros do mercado ficará acima de 10% ao ano. Tivemos, no ano passado, um buraco grande nas contas externas – déficit em conta corrente de 4,2% do PIB – com queda do investimento, a inflação está em alta e a geração de emprego formais em 2014 foi a pior desde 1999. O Brasil está pagando um preço muito alto pela incompetência e amadorismo da política econômica do primeiro governo Dilma.

*****

 

A presidente se dirigiu às ministras e lembrou que o País é o maior consumidor de cosméticos do mundo.

COMENTÁRIO:

Mas o governo acabou de aumentar os impostos sobre a produção de cosméticos e a taxa de juros sobre operações de empréstimo. Isso significa que mesmo o que ia bem o governo agora tenta piorar, sugando recursos para financiar seus 39 ministérios.

*****

 

Durante seu discurso, Dilma também recomendou que os ministros reajam ao que ela chamou de “boatos”. “Devemos enfrentar o desconhecimento, a desinformação, sempre e permanentemente. Nós não podemos permitir que a falsa versão se crie e se alastre, reajam aos boatos […]. Por exemplo, quando disserem que vamos acabar com os direitos trabalhistas, respondam em alto e bom som: “não é verdade”.”Reajam aos boatos, travem a batalha da comunicação, levem a posição do governo à opinião pública”, afirmou a presidente aos ministros.

COMENTÁRIO:

Na verdade, a grande fábrica de boatos foi o PT, a candidata Dilma e seu marqueteiro na campanha de 2014. O que está acontecendo agora não é boato. A presidente já editou de forma autoritária Medidas Provisórias retirando direitos dos trabalhadores e pensionistas. Hoje, pela proposta do governo, quem trabalhou menos de seis meses com carteira assinada deixa de ter direito ao abono salarial. Novos pensionistas perderão 40% do seu benefício e o os jovens no primeiro emprego perderão direito ao seguro desemprego se não tiverem carteira de trabalho assinada por pelo menos 18 meses, antes 6 meses pela regra antiga. O governo está tirando direito dos trabalhadores.

*****

 

“Estamos tomando todas as medidas cabíveis para garantir o abastecimento de energia elétrica”.

COMENTÁRIO:

A presidente falta com a verdade. Não houve uma única propaganda para que a população economizasse água e energia e, atualmente, os reservatórios do Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste estão com menos da metade da capacidade do início de 2014. Termos um aumento de mais de 30% na conta de luz e ainda assim é alto o risco de racionamento, porque o governo não adotou medidas preventivas, pois, ano passado, estava mais preocupado com as eleições.

*****

 

“Vou chegar ao final deste mandato podendo dizer o que disse no final do primeiro: nunca um governo combateu com tamanha obstinação e honestidade a corrupção”.
A presidente Dilma também usou a reunião para reafirmar o que ela chamou de “compromisso da lisura com o dinheiro público”, com autonomia dos órgãos de investigação. E comentou as investigações feitas na Petrobras: “Temos que, principalmente, criar mecanismos que evitem que episódios como este voltem a ocorrer. Temos que saber apurar, temos que saber punir. Isso tudo sem diminuir a Petrobras”.

COMENTÁRIO:

Quem combateu a corrupção não foi o governo, mas sim a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal. O que o governo fez foi possibilitar a corrupção com o aparelhamento político das estatais para viabilizar um projeto de poder. 

*****

 

Dilma promete colocar em debate, no primeiro semestre, a reforma política e cita, como pontos a serem debatidos, o financiamento de campanha e a participação da sociedade na política.

COMENTÁRIO:

Sempre que o governo se vê em um mar de denúncias, cita a reforma eleitoral. O governo não tem proposta de reforma eleitoral, não tem proposta de reforma tributária e não tem proposta de coisas alguma. Até a política econômica foi agora terceirizada para um economista de fora do PT, porque o governo não sabe o que fazer para solucionar os problemas que ele próprio criou. A presidente Dilma não se preparou para um segundo mandato. 

 

Aécio Neves

 

Confira também a postagem no Facebook de Aécio Neves

ENTREVISTA – “O país foi enganado”

A revista Veja desta semana traz uma entrevista com o presidente nacional do PSDB, Aécio Neves.  O senador falou à revista sobre as contradições entre o que foi prometido pela candidata Dilma Rousseff na eleição e as medidas anunciadas pela presidente reeleita em seus primeiros dias de segundo mandato, como o aumento da conta de luz, a elevação de impostos e o corte de direitos trabalhistas.

 

Leia a entrevista:

 

A presidente Dilma Rousseff tem adotado (ou sinalizado) medidas econômicas que ela atacou na campanha, como corte de gastos do governo, aumento de impostos e de juros. As circunstâncias mudaram? 

As contradições são enormes. As circunstâncias não mudaram. Há muito tempo o PSDB vem alertando sobre as medidas equivocadas do governo Dilma na área econômica, que se traduziram em  baixo crescimento, desequilíbrio fiscal, perda de competividade da indústria e desequilíbrio externo. Na campanha, falei diversas vezes da necessidade de ajustes para que a economia voltasse a crescer e pudéssemos continuar com a melhoria da renda e redução das desigualdades e da pobreza que, agora, estão em risco. A candidata Dilma, mesmo conhecendo a gravidade do quadro econômico, não apenas negava a necessidade de ajuste como atacava aqueles  faziam o alerta. Assistimos agora um estelionato eleitoral sem precedentes, pois o governo terá que fazer um ajuste fiscal muito mais duro que o que seria necessário no caso do PSDB, porque o mercado sabe que foi a própria presidente Dilma que, deliberadamente, entregou para o seu segundo governo uma herança maldita.  Apesar dos alertas, a  presidente deixou de tomar uma série  de medidas e não hesitou em permitir que os problemas do país se agravassem pensando apenas em  vencer as eleições.

Quais as consequências de a presidente ter prometido uma política econômica e agora adotar outra?

Existe uma grande questão que, acredito, deve preocupar muitos dos aliados do governo: refiro-me à perda de credibilidade. E a credibilidade é um ativo essencial a qualquer  governo. Na campanha, a candidata tinha dois caminhos: respeitar o povo brasileiro, o que significa respeitar a verdade ou mentir sobre a realidade do país e sobre as suas reais intenções. A candidata escolheu o caminho da mentira. Mentiu aos brasileiros sobre o que disse que ia fazer. Vejo três grandes problemas. Primeiro, o estelionato eleitoral. O governo prometeu uma série de medidas que não vai cumprir e está, agora, elaborando, às pressas, um novo plano de governo que não discutiu com os eleitores. Segundo, como o governo não se preparou para uma agenda de reformas, as medidas anunciadas estão sendo tomadas por meio de Medidas Provisórias sem o debate com a sociedade e, principalmente, com os trabalhadores. O que se anunciou até agora são medidas isoladas que não fazem parte de uma agenda estrutural. Mudanças de tributos deveriam integrar uma reforma tributária, e não medidas isoladas com o único propósito de aumentar a arrecadação. Terceiro, as medidas de ajustes  estão sendo anunciadas pela equipe econômica e não pela presidente da República que deveria ter a responsabilidade de fazê-lo.  Tem-se a impressão  de que a presidente está  muito convicta das propostas e que, a qualquer momento, pode desautorizá-las.

Há quem argumente que campanha é uma situação e que o dia a dia do governo é outra.

Esse é o discurso de quem não respeita a população, de quem acredita que vale tudo, que se pode fazer o diabo para vencer uma eleição, até enganar o seu próprio povo. Compromissos de campanha devem ser os compromissos de governo. Se não for assim,  as campanhas eleitorais seriam transformadas em concursos para ver quem mente mais e melhor. É antiético prometer uma coisa e fazer depois de eleito algo totalmente diferente depois de eleito. A candidata prometeu que não iria mudar direitos sociais e, agora, propõe dificultar acesso ao seguro desemprego.  Falei na campanha da necessidade de reduzir os subsídios dos bancos públicos e de o governo cortar despesas, preservando investimentos sociais.  A candidata Dilma prometia aumentar subsídios e agora quer fazer um corte radical, prejudicando os trabalhadores. Assistimos a um governo fazendo o oposto do que prometeu. Isso explica o grande sentimento de frustração e perplexidade que se percebe hoje no país. Muita gente se sente enganada.

Dilma terá apoio político para levar adiante um programa econômico que ela e o seu partido tanto criticaram?

Há uma imensa confusão quando se fala que as medidas do governo são as mesmas que seriam adotadas pela oposição. Não são.  As medidas em um governo do PSDB seriam previamente discutidas com a sociedade, feitas de forma gradual e negociadas no Congresso Nacional. O governo terá problemas para aprovar algumas das  propostas. O PT escolheu fazer o ajuste fiscal pela via simplista de aumento de impostos e redução de direitos trabalhistas, por meio de medidas provisórias, sem qualquer discussão com a sociedade e sem  enfrentar as questões estruturais. Para usar uma expressão cara à presidente, trata-se de uma solução “rudimentar”. E injusta com os brasileiros.

Qual a avaliação do senhor em relação às medidas anunciadas?

Há um equívoco com relação ao instrumento utilizado.  As medidas deveriam passar por amplo debate na sociedade e no Congresso Nacional. E eu não dificultaria acesso ao seguro desemprego em um período de baixo crescimento em que o desemprego tende a aumentar. Isso é injusto com o trabalhador. No caso do abono salarial, por que retirar totalmente o direito a este benefício de quem trabalhou por menos de seis meses? O correto não é tirar o benefício, mas sim torná-lo proporcionalmente maior para quem trabalhou por mais tempo. O governo não quer o debate e repete, cada vez com menos constrangimento, a velha e carcomida fórmula de garantir apoio às suas propostas por meio da distribuição de cargos e espaços de poder aos  aliados. Infelizmente, quem vai pagar a conta serão, mais uma vez, os cidadãos brasileiros e, em especial, os trabalhadores.

Tancredo: trinta anos

Artigo do senador Aécio Neves – Jornal Estado de Minas – 18/01/2015

 

Nesses dias em que os brasileiros celebram as três décadas da eleição do primeiro presidente da República civil e de oposição após 20 anos de ditadura militar, uma diferenciação se impõe para entender melhor o importante papel que Tancredo Neves assumiu e desempenhou no processo de redemocratização do país: em tudo, ele era Minas.

Desde o começo – e especialmente nas horas mais difíceis – carregou e guardou consigo, a orientar suas decisões, as lições que apreendera com os seus e com aqueles que vieram antes dele e nos legaram um extenso conjunto de valores e princípios que tão bem caracteriza o homem público, na exata acepção da palavra.

Sua caminhada cívica, não por mera coincidência, sempre esteve lastreada pelo chão da história de Minas e foi da sacada do Palácio da Liberdade que ele corajosamente sinalizou a que vinha. Ficou para sempre marcado em nossa memória coletiva a sua inconfundível voz rouca e emblemática, carregada de civismo, proclamando que “o primeiro compromisso de Minas é com a Liberdade”.

No curso da difícil transição política que se cumpria naquele tempo, ele jamais se afastou, um instante sequer, desses princípios. No calor da vontade popular e com o país tomado pelo anseio por amplas liberdades, forjou, com a delicadeza de um artífice e a segurança das suas convicções, as importantes pontes políticas que nos permitiram finalmente fazer a grande travessia sem retrocessos, quando esgotaram-se as possibilidades do sonho comum, das Diretas-Já.

Não era a primeira vez que o país o convocava, adernado em graves crises. Foi assim em outros momentos da sua longa trajetória política, como parlamentar, ministro da Justiça no Governo Vargas, primeiro-ministro de Jango e aliado da primeira hora de JK. Mudavam as circunstâncias, mas não mudavam o brio e a coragem do democrata convicto.

Foi esse democrata que, de cabeça erguida, caminhando lado a lado com outros gigantes daqueles dias, entrou no Colégio Eleitoral, onde, refletindo o desejo da população nas ruas, foi eleito presidente da República. No seu discurso, falou ao coração do Brasil: “Esta foi a última eleição indireta do país”.

Ao recordar  a intensidade da  comoção daqueles dias, impossível não lembrar da postura adotada pelo PT que se recusou a votar em Tancredo e chegou a expulsar da legenda três parlamentares que, ouvindo as vozes das multidões e das próprias  consciências, não seguiram a determinação do partido, dando seus votos ao novo presidente.  Já há trinta anos,  sempre que precisa escolher entre os interesses do Brasil e a conveniência do partido, o PT escolhe o PT.

Aqueles foram dias especialmente difíceis. Silencioso como era quando se recolhia em sua São João Del Rei para refletir, Tancredo tinha a exata dimensão do que lhe reservara o destino. Por isso, jamais titubeou em aceitar o sacrifício que as circunstâncias lhe impunham e seguiu firme, determinado, até o ultimo momento, pensando primeiro no Brasil.

Quando levou ao extremo a sua preocupação com o país e sucumbiu à doença, deixou-nos importantes exemplos de desprendimento pessoal e patriotismo.

Um de seus traços mais marcantes,  a busca permanente pela construção de consensos, dava moldura à política como ele defendia e professava – a mais nobre e recompensadora das atividades humanas quando colocada a serviço do bem comum. Para ele, consenso não significava unanimidade nem fraqueza. Pelo contrário,  significava a coragem de abrir mão de interesses menores . Significava a  capacidade de não perder de vista o prioritário e  de encontrar caminhos que pudessem servir às grandes causas do país.

Ao lado de gigantes, como Ulysses, Montoro, Brizola, Teotônio, Arraes entre outros, Tancredo deixou-nos como maior legado o compromisso  com as liberdades democráticas, fim e caminho  da Nova República que ainda hoje sonhamos, podemos e merecemos ser.

Reitero, como brasileiro, o meu  profundo reconhecimento aos grandes líderes que, há 30 anos, não faltaram ao país.

Como neto, me debruço mais uma vez  sobre a saudade, na  certeza de que guardo comigo a mais preciosa de todas as heranças: seu exemplo.

Tancredo

Artigo do senador Aécio Neves – Jornal Folha de S. Paulo – 18/01/2015

 

Completamos na última semana 30 anos da eleição de Tancredo para a Presidência da República. Não são poucos os brasileiros que se lembram do significado daquele momento. Depois de uma campanha que mobilizou todo o país, ao lado de outros grandes compatriotas, Tancredo conduziu o Brasil ao reencontro com a democracia.

Naqueles dias, nosso país teve uma felicidade: pôde contar com homens públicos à altura dos desafios que se impunham. Homens para quem a atividade política era um instrumento para servir ao povo e ao país. Hoje, diante do descalabro da política brasileira, palavras como essas soam demagógicas e falsas. Mas sei que no coração de muitos de nós paira a mesma perplexidade: por que nos apequenamos tanto como classe política?

Minha memória daqueles dias não se fixa apenas na força das palavras de Tancredo Neves, na alegria de milhares de pessoas em tantas praças do país, nos sinos que tocaram em São João del Rei naquele 15 de janeiro de 1985. Lembro-me da sua voz embargada, da emoção escondida no seu olhar.

Em seu discurso, citando o poeta francês Paul Verlaine, disse: “Entre o êxtase e o terror de ter sido o escolhido, me entrego hoje ao serviço da nação”. Muitas vezes há quem perca de vista a dimensão humana e pessoal de cada um de nós que ocupamos uma função pública.

Naqueles dias, eu morava com Tancredo em Brasília. Na véspera da eleição no Colégio Eleitoral, tarde da noite, fui até a sala onde o encontrei dormindo na poltrona com os jornais do dia no colo. Ele havia adquirido o hábito de só lê-los à noite. Talvez para evitar a tentação de responder a algum comentário ou se distrair com alguma informação irrelevante para a sua estratégia.

Tirei os seus óculos. Guardei os jornais e, antes de acordá-lo para que fosse descansar melhor no quarto, tentei imaginar a emoção que deveria estar tomando conta dele naquele momento.

Naqueles últimos meses acompanhei dia e noite aquela que se transformou na bela articulação política que permitiu a construção das condições para que o país encerrasse o ciclo autoritário e se reencontrasse com a democracia tão esperada. Olhando de longe, tudo parece mais fácil do que realmente foi.

Com dedicação e paciência, bravos brasileiros construíram pontes que nos permitiram deixar para trás o nosso passado.

É claro que nem todos pensavam da mesma forma. É claro que havia divergências. Mas havia confiança. Havia entre eles respeito pela palavra dada e pelo compromisso assumido. E havia algo maior, comum a todos aqueles líderes: um profundo amor pelo Brasil e a percepção sincera de que os brasileiros eram mais importante que qualquer um deles.

Por isso, consensos puderam ser construídos e o país pôde avançar. Naqueles dias, “interesse nacional” não era apenas uma expressão perdida em um discurso.

Recordo-me que após a eleição, já como presidente eleito, Tancredo viajou ao exterior com um grupo pequeno de pessoas. O objetivo da viagem era tornar irreversível o processo de democratização do Brasil. Dirigentes dos países democráticos visitados percebiam o significado estratégico da iniciativa de Tancredo e o recebiam e saudavam como chefe de Estado, dando sua contribuição à luta de tantos brasileiros. Porque a política também é feita de simbolismos.

Hoje penso naqueles dias. Em tudo que pude testemunhar e aprender. E, com imensa saudade, como brasileiro, manifesto o meu profundo reconhecimento àqueles homens que não faltaram ao Brasil. Que a memória deles encoraje a consciência de cada um de nós que escolheu a vida pública e não nos deixe esquecer que, mesmo não sendo fácil, às vezes, precisamos apenas ter a coragem de fazer o que precisa ser feito. É simples assim.

Cada geração tem o seu compromisso com a história. Precisamos honrar o nosso como eles honraram o deles. Que Deus guarde cada um desses grandes brasileiros.

 

Leia também aqui.

Trinta anos depois de Tancredo

Artigo do senador Aécio Neves – Revista Isto É – 17/01/2015

 

Há 30 anos, o Brasil virava a mais importante página da sua história política contemporânea, reencontrando-se com a tão buscada democracia. O marco é o já distante ano de 1985, quando foi escolhido para o comando do País o primeiro presidente civil e de oposição após a longa noite de duas décadas de regime de exceção imposto pelo golpe militar de 64.

Tancredo chegou à Presidência através do Colégio Eleitoral, a única via possível naquele momento e que representava o caminho mais curto e seguro para a restauração das liberdades no País. Construtor de pontes em sua essência, ele guardava clara consciência do enorme passo que o Brasil finalmente poderia dar. A derrota das Diretas no Congresso Nacional havia frustrado milhões de nós, mas não paralisou as grandes lideranças com que o País pôde contar naquele difícil trecho da história. Surpreendendo aqueles que acreditavam que a derrota da Emenda Dante de Oliveira significaria também o fim do sonho e a derrota do povo brasileiro, grandes líderes políticos, munidos de um profundo amor pelo Brasil, continuaram perseverantes na jornada de conduzir o País à democracia. E se prepararam para vencer a luta no campo, e com as regras ditadas pelo adversário, no caso o Colégio Eleitoral.

Hoje, adensa-se a percepção de que nunca houve tanta convergência no Brasil como naquela hora histórica. Isso, apesar de o PT, que se recusou a votar em Tancredo, chegando a expulsar  três parlamentares  que, entre os interesses do Brasil e os do partido, escolheram  caminhar ao lado dos brasileiros e deram seus votos ao mineiro. Com unidade  política construída em torno do essencial, os líderes de então cumpriram o seu dever e nos legaram a grande lição: a verdadeira política serve aos interesses do País e se constitui em eficiente  instrumento de transformação da realidade. Para isso, exige de cada um de nós desprendimento para que sejamos capazes de construir os consensos por onde importantes conquistas possam avançar.

Quem caminhou ao lado de Tancredo, após a sua escolha, se lembra do clamor popular das ruas e da grande esperança que tomou conta dos brasileiros. “Não há pátria onde falta democracia”, disse Tancredo, no grande discurso histórico, logo após a vitória. Não sem antes deixar uma preciosa advertência a cada um de nós: “A pátria não é o passado, mas o futuro que construímos com o presente. Não é a aposentadoria dos heróis, mas tarefa a cumprir; é a promoção da justiça, e a justiça se promove com liberdade. Na vida das nações, todos os dias são dias de história, e todos os dias são difíceis”, preconizou.

Trinta anos depois, ainda somos essa nação em tudo promissora, mas ainda em busca de seu futuro. Avançamos, não há dúvida, mas resta intocada uma imensa dívida social do Brasil com milhões de brasileiros. Movido pela memória viva daquele tempo, revisito o compromisso repetido à exaustão por Tancredo: “Enquanto houver, neste País, um só homem sem trabalho, sem pão, sem teto e sem letras, toda prosperidade será falsa”. Esse continua sendo o nosso desafio. Esse continua sendo o nosso compromisso.

 

Leia também aqui.