Por Alberto Zacharias Toron, advogado
Setores democráticos da sociedade começam a perceber os excessos e desvios que envolveram algumas das iniciativas decorrentes de acordos de delação premiada. O que fazer agora, que o manto da unanimidade acrítica que cobria de apoio qualquer delação, transformando, injusta e precipitadamente, acusações sem fundamento em condenações públicas, começa a se mostrar insuficiente para encobrir erros e mesmo má-fé?
A denúncia contra o senador Aécio Neves – muito falada, mas pouco conhecida – interessa a todos os democratas do país. Frase atribuída a John Adams diz que os fatos são coisas teimosas. A eles, então: são duas as acusações contra o senador. Nenhuma delas se sustenta numa análise minimamente imparcial.
A primeira, de corrupção passiva. A questão é que não existe corrupção onde não existe dinheiro público ou contrapartida. E é essa a situação que envolve o senador Aécio. Os dois milhões foram um empréstimo pessoal que o próprio Joesley reconheceu terem origem lícita no faturamento de suas lojas. Foi dele a decisão de fazê-lo em espécie – o que nunca foi solicitado. Hoje, sabe-se que tudo foi planejado com o objetivo de gerar as imagens feitas sob encomenda.
Joesley só externou a decisão de fazer o empréstimo dessa forma depois que um procurador da República disse que imagens de entrega de recursos em espécie garantiriam uma premiação melhor no acordo de delação! Lamentavelmente, até agora, parece pouco ter importado que as imagens em questão se refiram a uma relação privada entre duas pessoas, que os recursos filmados eram particulares, além de não envolverem prejuízo a qualquer órgão público e, tampouco, a prática, ou mesmo promessa de qualquer ato funcional como contrapartida.
Como não chegou a haver a formalização do empréstimo, os recursos ficaram guardados e não foram utilizados. A quantia foi integralmente entregue à Justiça. No conjunto de irregularidades que envolvem a delação da J&F e que, infelizmente, ainda não foram devidamente investigadas, situa-se a reunião, omitida nos relatos de membros da PGR e do delator Joesley Batista, realizada poucas horas antes da gravação feita com o senador Aécio.
Tendo como evidência o testemunho de um dos envolvidos, é inaceitável saber que a gravação de um senador foi tema de conversa entre delatores e procuradores antes de ser realizada, o que caracteriza uma ilegalidade. Surpreende, também, que membros da PGR tenham deliberadamente mentido à opinião pública e à Justiça – fato hoje comprovado – sobre as verdadeiras datas e contextos do recebimento das gravações envolvendo autoridades assim como sobre o início das negociações com a J&F.
Não é difícil imaginar que comportamento semelhante por parte de autoridades públicas, em qualquer país democrático do mundo, geraria indignação e graves consequências. A comprovada promiscuidade entre Joesley e membros do MPF chegou ao ponto de fazê-lo afirmar, já em 17 de março, que sabia que não seria preso. A existência ou a promessa de um ato que esteja dentro das atribuições específicas de um agente público, como contrapartida a uma vantagem recebida, é fundamental para a ocorrência de um crime de corrupção passiva.
A Procuradoria-Geral da República apontou que não existiu nenhuma contrapartida ao empréstimo. Diante da impossibilidade de apresentar alguma ação do senador, em toda a sua vida pública, em favor do grupo empresarial – pela simples razão de que não existe, o que foi reconhecido até mesmo pelos delatores – a denúncia chegou à extrema má-fé de fraudar uma informação ao atribuir a ele uma liberação de créditos de ICMS de interesse do grupo J&F em Minas.
Ocorre que ICMS é um imposto estadual e o senador Aécio não era sequer governador do estado na época! Não bastasse isso, a denúncia afirma que os créditos em questão foram liberados, enquanto o delator, fonte da informação, no documento original, afirma o oposto: que, apesar dos esforços da empresa, os créditos não foram liberados pelo governo estadual!
A segunda acusação contra o senador se refere à tentativa de obstrução. Provas também demonstram a falsidade dessa ilação. Antes de mais nada, é imprescindível reconhecer a gravidade do precedente de um Poder invadir as prerrogativas constitucionais de outro. Votos e opiniões de parlamentares, quaisquer que sejam eles, são invioláveis, não cabendo ao MPF se manifestar sobre quais considera ou não legítimos.
Não se pode tratar opiniões emitidas em ambiente privado, sem qualquer consequência na realidade, como se fossem ações criminosas. O precedente indicado para sustentar essa acusação foi arquivado pelo STF a pedido da própria PGR, pouco tempo depois da apresentação da denúncia contra o senador.
A Justiça precisa ser corajosa e isenta. Ela não é campo a ser minado por interesses políticos ou conveniências de momento. Nem por idiossincrasias pessoais ou partidárias.
A Justiça deve ser sempre o território da Lei. Só isso. Tudo isso.
A Constituição, se não vale hoje para um, não vai valer, amanhã, para ninguém.