Aécio Neves – Jornal Estado de Minas – 14/11/2015
De repente, o que existia deixou de existir. A igrejinha branca de porta e janelas azuis, o restaurante de comida caseira, as ruas por onde se andava a cavalo, os pomares cheios de frutas e as cachoeiras límpidas, a escola, as casas de feitio colonial, tudo. O rompimento das barragens da Samarco em Mariana tirou do mapa uma localidade inteira e afetou dezenas de outras. São perdas humanas irreparáveis e um desastre ambiental devastador em toda a Bacia do Rio Doce. Eu estive lá e vi de perto a dor de quem perdeu o chão, o lar, os parentes e amigos, os negócios que garantiam a sobrevivência da família. São mineiros que jamais se esquecerão do que viram e sentiram. Eles são o testemunho triste e indignado de uma tragédia que macula a nossa história.
Minas Gerais tem sua identidade calcada na mineração. O caráter fundador de nosso estado vem da exploração das minas de ouro e diamante, que ajudaram a desbravar o interior e a fundar povoados. Temos mais de três séculos de convívio com a mineração, conhecemos como poucos os seus riscos e impactos.
Ao contrário de outras atividades, nessa o território se deixa escavar, perfurar, transformar. Montanhas e rios são vasculhados, paisagens se alteram. A mineração em larga escala atinge o meio ambiente, as cidades próximas, as estradas por onde escoa a produção. Ao mesmo tempo, movimenta-se uma indústria que contribui com o PIB do estado e do país, gerando milhares de empregos, importante fonte de renda para muitos. Como conciliar tudo isso?
A verdade é que uma atividade tão antiga e importante se movimenta, em nosso país, sem uma legislação adequada, compatível com as demandas do século 21. Um novo marco regulatório para a mineração vem sendo discutido no Congresso Nacional há cerca de cinco anos, sem previsão para ser votado. É um atraso inaceitável, tendo em vista a centralidade da questão ambiental no mundo. É mais um dos compromissos assumidos pelo governo federal com Minas antes mesmo das eleições de 2010 e, até hoje não cumprido.
Não sei se você se lembra, mas em junho de 2012 lançamos no estado, em parceria com a sociedade civil, a campanha Minério com mais Justiça, que pode ser vista em https://youtu.be/ShXH8DnZJTY. O objetivo era chamar a atenção sobre a importância de uma revisão nos valores pagos pelas empresas mineradoras aos estados e municípios. Valores que podem ser revertidos para a melhoria da qualidade de vida da população.
Com esse intuito, apresentei em 2011 uma proposta que não só aumentava esse percentual para regiões mineradoras, como também previa um fundo especial a ser distribuído por todos os municípios do estado minerado, já que a cadeia de serviços da atividade – haja vista o uso das estradas, por exemplo – impacta mesmo os municípios não produtores. Infelizmente, nada disso tem andado com a agilidade necessária. Enquanto o tema não ganha a devida prioridade por parte do governo, o país continua legislando com um Código de Mineração de quase 50 anos.
São tempos de incertezas. Em todo o estado, há 735 barragens – e é natural que as populações próximas se sintam, neste momento, inseguras. O poder público precisa ser rápido e transparente em suas respostas.
Acompanho, com imenso pesar pelos atingidos, o trabalho que está sendo feito para mitigar o sofrimento de centenas de pessoas.
O momento exige rigorosa investigação que apure as devidas responsabilidades sobre o acidente e aponte formas de prevenção. As famílias atingidas devem obter apoio integral da empresa e do poder público. Como elas podem reiniciar suas vidas com dignidade, depois de uma perda tão brutal? Como minimizar a dor que eu vi nos olhos de tanta gente? A tragédia de Mariana é um grito de dor, indignação e socorro. De certa forma, Mariana grita por Minas.