Venho hoje a esta tribuna para falar de um tema para mim corriqueiro e que, para a minha alegria e a de milhões de brasileiros, vem sendo tratado, nos últimos tempos, nos últimos meses em especial, por vários parlamentares desta Casa. Refiro-me àquilo que, na minha avaliação, está na raiz primária dos mais graves problemas que enfrentamos hoje no Brasil. Falo da fragilização da Federação brasileira.
Federação é hoje uma palavra escrita solta numa folha de papel. Não tem absolutamente nenhuma correspondência com a intenção daqueles que afundaram ou com a realidade com a qual cotidianamente convivemos. Volto ao tempo para lembrar que Rui Barbosa costumava dizer que era republicano não por ser contra o Império, mas porque o Império não era federalista.
Somos, portanto, um país das mais diversas condições sociais, com espaço geográfico quase continental, que caminha, a cada dia e a cada instante, para se tornar quase que um país unitário.
Hoje, tive a alegria de, ainda no meu gabinete, no final da tarde, ouvir um pronunciamento do senador do estado do Rio de Janeiro Lindbergh Farias, que aqui alertava para o perigo que corre a Federação brasileira.
E falo à Casa da Federação. Somos todos, acima de qualquer outra missão, representantes da Federação brasileira. E temos, à nossa frente, uma oportunidade única, e temos o dever de não a perder, porque somos aqui, senador Lindbergh – que tenho a alegria de reencontrar neste instante no plenário –, não apenas porta-vozes dos interesses individuais, setoriais ou mesmo regionais daqueles que nos elegeram; estamos aqui para defender as prerrogativas desta Casa, porque a população nos delegou esse dever quando nos elegeu.
E agora, mais do que em qualquer outro instante, mais até, ouso dizer, do que em qualquer outra legislatura recente, esta que temos aqui o privilégio de compor tem em suas mãos uma oportunidade única de recompor a Federação na sua essência, a partir, em grande parte, da distribuição mais justa dos tributos.
Quero tratar de um tema que vem tomando espaço gigantesco nas discussões desta Casa e fora dela. Estamos prestes, a poucos dias, de definir como será a distribuição dos recursos do pré-sal. Criou-se aqui uma falsa e perigosa discussão que colocava, de um lado, Estados ditos produtores e, em oposição a eles, Estados ditos não produtores.
Essa questão que trata da partição dos recursos do pré-sal está nos levando a abandonar questões absolutamente essenciais, que têm tido pouco espaço nessas discussões.
Trago aqui, por exemplo, uma dúvida pessoal, mas de muitos. Será, por exemplo, que as participações governamentais do resultado da exploração do petróleo são aquelas que deveriam ocorrer? Será que o Fundo Social, como foi criado, atende de fato aos interesses nacionais? Estamos realmente levando toda essa discussão buscando atender os interesses da Nação ou os interesses circunstanciais da política e de regiões?
Creio que precisamos operar mudanças e avanços fundamentais na discussão do pré-sal, mudanças que tenham como base marcos temporais, legais e técnicos já existentes, sem prejuízo daquilo que almejamos alcançar ou daquilo com que sonhamos.
Em primeiro lugar, há que se considerar a exploração do petróleo e gás atualmente em curso sob o regime de concessão. Não se pode pensar em alterar as regras de distribuição dos royalties, promovendo a retirada de recursos de Estados e Municípios produtores, uma vez que esse direito foi e é assegurado pela Constituição a esses Estados.
Digo isso porque está na hora de invertermos definitivamente essa discussão. Cito aqui um dado que emoldura a tese que passo a defender: apenas no primeiro semestre deste ano, de janeiro a agosto, o Governo Federal teve sua receita acrescida, em valores reais, de 13% em relação ao mesmo período do ano anterior.
Conversava hoje com parlamentares ligados à Frente da Saúde, que lembraram que, até a criação do SUS, em 1980, o Governo Federal contribuía com 75% de tudo aquilo que se investia na saúde; hoje, não alcança 45%.
Fui Deputado Constituinte. Naquele tempo, as contribuições que eram apropriadas exclusivamente pela União representavam pouco mais de 20% do total que se arrecadava com IPI e Imposto de Renda no Brasil. De lá para cá, por vários governos – e essa responsabilidade não é de um governo apenas, faço justiça –, com o crescimento das contribuições e a diminuição no conjunto da arrecadação, as contribuições saltaram hoje, no seu somatório, para mais de 100% de tudo o que se arrecada com aquilo que é compartilhado com Estados e Municípios.
Digo isso porque não será tirando recursos de nenhum Estado produtor, em especial do Rio de Janeiro, que vamos redefinir ou refundar a Federação no Brasil. Nós temos de construir uma nova agenda.
E, de toda essa discussão, de todas as propostas que analisei e o Congresso tem analisado, chama-me a atenção uma, patrocinada pelos senadores Francisco Dornelles, Lindbergh Farias, Delcídio do Amaral, Ricardo Ferraço, entre outros, que propõe sejam revistas, entre outras mudanças, as regras relativas à participação especial na exploração do petróleo no atual regime de concessão, de sorte a aumentar, de imediato – e isso é essencial – a parcela de recursos destinada a Estados e a Municípios não produtores de petróleo.
Não é possível que queiramos aqui, de um lado, criar, como defenderam alguns até agora, alguns emirados petroleiros no Brasil e, de outro lado, Estados que, por não terem tido a sorte de ter em seu território condições de explorar o petróleo ou essa riqueza, tenham um futuro diferente daquele que deveriam ter.
Digo isso porque o encontro está no meio do caminho. Nem a proposta original, que não permite que, no futuro, ou pelo menos naquilo que está sendo agora colocado, ou que será colocado em concessão, possa haver a participação dos Estados não produtores. Mas defender o direito adquirido dos Estados produtores é o caminho adequado para construirmos, para esse tema, uma saída.
Só há um caminho: os Estados brasileiros, a Federação brasileira se unir, e a contribuição para que nós tenhamos um Estado realmente isonômico ou, pelo menos, no caminho de uma isonomia social maior é a contribuição efetiva do Governo Federal.
É ele que tem as condições de dar uma contribuição maior. E caberá ao Congresso Nacional fazer aquilo que não tem feito ao longo desta Legislatura: impor a vontade dos brasileiros, a vontade da Federação brasileira, confrontando, se for necessário, com aquilo que tenho chamado de “hiperpresidencialismo”, portanto, um poder absoluto de um governo que, com o acúmulo das receitas que vem tendo nos últimos tempos, passa também a ter um poder político acima daquilo que era e é cabível numa democracia.
Chamou-me a atenção um pronunciamento feito há poucos dias pelo ilustre acadêmico Eduardo Portella, quando da posse do grande jornalista Merval Pereira na Academia Brasileira de Letras. Ele falava desse “hiperpresidencialismo”, que, de alguma forma, inibe o Congresso e nos impede de exercermos as nossas prerrogativas, nos transformam em homologadores eminentemente das decisões do Governo Federal.
Não há espaço nesta Casa para discussões de fundo, sem que haja sempre o temor da força do Governo Federal a impedir que os Senadores possam expressar aqui as suas posições reais.
Portanto, foi com alegria enorme – quero reiterar – que ouvi hoje a bravura do Senador Lindbergh ao opor-se à posição do Governo Federal e defender aquilo para que foi eleito: o direito não apenas do Estado do Rio de Janeiro, mas, como colocou no seu pronunciamento, da Federação brasileira.
Disse Eduardo Portella, falando do “hiperpresidencialismo”:
Há que barrar a corrida frenética do “hiperpresidencialismo” no Brasil, do parlamentarismo desidratado, e dos aparelhos ideológicos de Estado. A tripartição dos Poderes, que foi um dia o sonho republicano, não se encontra menos abalada. Aliás, a cada dia, somos perigosamente tolerantes com a ausência de delimitação de fronteiras entre o público e o privado.
Democracia, mais do que um conceito, é o caminho. A morte da opinião, o controle do repertório temático, camuflado ou explícito, conduzirá inevitavelmente à parada cardíaca da democracia representativa.
A própria ideia de representação vai sendo acometida pela falência múltipla de seus órgãos. No lugar de uma sólida democracia representativa, o que se percebe é o baixíssimo nível da representatividade, a produção viciada dos diferentes poderes, apontando para a decisão dos patrocinadores, sejam eles laicos ou religiosos.
E Eduardo Portella conclui o seu discurso, dizendo:
A aceleração inóspita do Estado provedor traz dentro de si as ameaças do Estado autoritário, sem os benefícios do Estado previdência. Enquanto isso, o País se apresenta como forte candidato à medalha de ouro na olimpíada internacional da sobrecarga tributária.
Concluo alertando de que temos em mãos não a oportunidade, mas a responsabilidade de, a partir dessa dádiva da natureza, refundarmos no Brasil a Federação, sem espoliar os Estados, que já têm compromissos absolutamente insuperáveis e insubstituíveis a cumprir, mas buscando na União, que concentra hoje mais de 60% do total da receita tributária brasileira, a contribuição, a generosidade, a visão democrática de compreender que ela também terá a oportunidade histórica de marcar esta gestão como aquela que iniciou o processo de refundação da democracia no Brasil.
Portanto, o meu discurso certamente se somará a muitos outros, para que o Senado se reerga, fazendo o que deve fazer: buscando uma distribuição mais justa dos recursos e, a partir daí, como tenho dito, a refundação da Federação.
E a alegria que tenho e que quero demonstrar ao encerrar este meu pronunciamento é que, acima das nossas filiações partidárias, acima das regiões que representamos e até acima dos nossos posicionamentos políticos, percebo que se começa a construir nesta Casa uma cultura, um caldo novo, que nos permitirá elevar as discussões das matérias fundamentais.
Mas, se não surgir da União, do Governo Federal e de seus representantes a iniciativa para construir nessa e em outras matérias verdadeiro novo pacto federativo, cabe a esta Casa cumprir a função para a qual existe: defender a Federação.
Acredito que, cumprindo aquilo que diz o Senador Lindbergh Farias, fazendo com que imediatamente, já a partir do próximo ano, os Estados e Municípios não produtores passem a receber, acho que o Governo Federal tem em suas mãos a possibilidade de iniciar a construção – aí, sim – de um novo País, onde o discurso seja substituído pela prática, e a posição de hoje, a volúpia arrecadatória do Governo, seja substituída por uma posição de maior generosidade – esta sim, repito, em favor de todos os brasileiros.
Muito obrigado.
Aécio Neves – Brasília – 28/09/2011